O presságio da elevada performance empresarial

Por Marco Neves, autor, palestrante e coach executivo

 

Campos de Treino

“Força Pedro, eu sei que consegues, faltam apenas cem metros!”, gritou o João, o seu instrutor. Com este ‘empurrão’, o Pedro sentiu um fluxo de energia repentina e aumentou a sua velocidade para cruzar a linha de chegada à frente dos seus colegas.

Cerca de 150 metros atrás, os pensamentos do Tiago entraram num espiral de emoções negativas. Considerado o melhor da turma antes de entrar para o exército, tinha passado os últimos dois meses num pesadelo. Sentia-se cansado, com as pernas dormentes. Perguntava-se vezes sem conta “Porque é que o João ignora tudo que faço?”, enquanto se arrastava até à recta final. [1]

Pedro e Tiago eram dois dos 105 soldados alocados a um dos quatro instrutores militares. Por 15 semanas consecutivas, receberam 16 horas diárias de treino dos instrutores. Durante este período os desempenhos de todos os soldados foram testados e classificados. Após 16 semanas, Pedro estava exultado com os seus resultados, situado entre os melhores no percentil 90. Tiago, por outro lado, sentia-se deprimido, os seus resultados estavam no terço inferior.

No início do programa, os instrutores receberam dados compilados dos soldados, incluindo diversas notas de cursos e avaliações. Com base nestes dados, a classificação do potencial previsto de liderança de cada soldado tinha sido dividida em três categorias: potencial elevado (as pontuações obtidas indicavam que teriam um bom desempenho); potencial regular (as pontuações estariam alinhadas com a norma); e potencial desconhecida (as pontuações não foram atribuídas devido a informações incompletas).

Com base nas categorias das suas pontuações, estes soldados foram divididos de forma equitativa entre os quatro instrutores, tendo sido dadas instruções aos instrutores para registar e aprender de cor o nome e o potencial de liderança de cada soldado.

No final do programa, de forma geral, os soldados classificados com potencial elevado superaram os seus colegas em todas as áreas, enquanto os classificados com potencial regular tiveram a pontuação mais baixa, com uma diferença de 15% entre estas pontuações!

Até aqui, aparentemente nada a dizer, mas…

A reviravolta

Sem conhecimento dos soldados e dos instrutores, as classificações do potencial de liderança apresentadas inicialmente eram totalmente aleatórias e possivelmente não tinham nada a ver com o real potencial do soldado, ou seja, os soldados com a classificação atribuída de maior potencial, poderiam na realidade ter classificações desconhecidas, regulares ou elevadas.

A complementar esta reviravolta, uma análise detalhada mostrou que as expectativas dos instrutores explicavam 73% da variação no desempenho, 66% nas atitudes e 28% na liderança! Existiu claramente uma interacção causal entre a expectativa, a liderança e o desempenho.

O impacto das expectativas negativas e positivas nas organizações

O que este estudo demonstra é que as expectativas de desempenho que os líderes têm relativamente aos membros das suas equipas são potencialmente uma profecia que se autorrealiza.

Quando um líder acredita que um membro da sua equipa pode ter um óptimo desempenho, acaba por inconscientemente ‘catalogar’ essa pessoa. Ao longo do tempo, esta crença tem um impacto nos comportamentos tanto do líder como dos seus membros de equipa — o desempenho real dos indivíduos aumenta!

O nome científico para expectativas positivas é o efeito pigmalião, e para expectativas negativas ou baixas, é o efeito golem. Esta não é uma dinâmica racional, mas uma idiossincrasia que leva a preconceitos sociais e irracionais, com os consequentes impactos apresentados na imagem.

Este fenómeno de liderança e da profecia de autorealização está potencialmente relacionado com o facto de que a área do cérebro humano que lida com as crenças pessoais sobrepõe-se significativamente às áreas que permitem que uma pessoa seja influenciada pelas crenças de outras pessoas. [2]

Quo vadis, líder?

A forma como os líderes comunicam as suas expectativas, tendo por base uma crença fortemente sustentada ou até uma ilusão, que os leva a ‘catalogar’ os indivíduos, está presente nas várias facetas dos seus comportamentos, podendo influenciar positiva ou negativamente as suas expectativas e comportamentos em relação aos outros.

Estas profecias, declaradas como verdadeiras quando na realidade poderão ser falsas, podem influenciar suficientemente as pessoas para que as suas reacções levem ao cumprimento da profecia outrora falsa.

Claramente, as expectativas desencadeiam um processo de liderança que culmina no desempenho real dos colaboradores, dito doutra forma, expectativas levam a uma liderança que alavanca, ou não, os colaboradores.

Resumindo e parafraseando Henry Ford, “Se acha que eles podem, ou não podem, você está certo.”

 

Referências:

  1. Cenário construído tendo por base o artigo científico “Eden, D., & Shani, A. B. (1982). Pygmalion goes to boot camp: Expectancy, leadership, and trainee performance. Journal of Applied Psychology, 67(2), 194-199. https://doi.org/10.1037/0021-9010.67.2.194”
  2. Social: Why our Brains are Wired to Connect, Mathew D. Lieberman, 2013
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