«O trabalho remoto é uma tendência interessante, mas não espelha a realidade do colaborador em Portugal», afirma João Pita Negrão (Deloitte)

João Pita Negrão foi o keynote speaker da XXI Conferência Human Resources, que se realizou ontem – dia 8 de Julho – no O Clube, Monsanto Secret Spot, sendo também transmitida em live streaming. “O dia depois de amanhã. E a importância do agora” foi o tema proposto e o Senior Manager da Deloitte  reflectiu sobre como se vai e deve «humanizar o futuro do trabalho».

Por Sandra M. Pinto | Foto: Nuno Carrancho, NC Produções

 

Na sua apresentação, João Pita Negrão teve como objectivo analisar o que tem sido o desafio deste último ano e meio e perceber qual será o futuro do trabalho, dando a conhecer o que a Deloitte entende que será a tendência futura e de de que forma podem os Recurso Humanos ser um motor de mudança nas organizações. O futuro do trabalho é um tema que tem vindo a ser debatido desde há 5/6 anos. «Nessa altura o tema começou a aparecer na agenda dos lideres e dos responsáveis de Recursos Humanos, pelo que toda a gente falava no futuro do trabalho», começa por referir João Pita Negrão.

Foram muitas as publicações e os estudos que faziam referencia ao tema, revelando que o futuro do trabalho passava por uma disrupção necessariamente tecnologia mas não só, «basta perceber que hoje convivem quatro gerações numa empresa e que simultaneamente o conceito de carreira mudou, pois os profissionais mudam de empresa numa média de 4 em 4 anos». Ligado a estes aspectos surgia o tema da escassez  do talento que fazia com que as empresas tivessem cada vez mais dificuldade em captar e reter os seus talentos o que põe o pode negocial mais do lado dos talentos e menos do lado das empresas.  «Até agora tínhamos trabalhos mais colaborativos e mais baseados numa lógica de projecto, com pessoas a trabalhar em qualquer altura e em qualquer lugar, tínhamos uma taxa de rotatividade cada vez maior, recorria-se cada vez mais a colaboradores externos e a prestadores de serviços, entra tantos outros aspectos», enumera João Pita Negrão.

 

Work, Workforce e Workplace antes da pandemia

Work é relativo ao que fazemos, àquilo que compete à funções, pelo que para João Pita Negrão o grande desafio é a transição para uma lógica de menos trabalho das 09h às 06h com mais trabalho por medição de valor acrescentado, mais mobilidade e mais globalização.

Do lado do workforce, que diz respeito a quem faz o trabalho, pedia-se uma maior diversidade ao nível do background e geracional, entre outras, assim como se pedia uma maior autonomia, uma maior capacidade para trabalhar sozinho e desenvolver projectos com maior autonomia, e uma maior valorização devido às conexões que possuem uma vez que cada vez menos existe o trabalho transacional, ou seja, exercer a função sentado na secretária, refere João Pita Negrão.

Em termos de workplace, o sitio onde realizamos o trabalho, este também mudaria, refere o Senior Manager da Deloitte, «deixava de ter uma tecnologia única e bloqueada no meu posto de trabalho para passar a estar conectado em todo o lado».

Estas foram as conclusões a que a consultora chegou há dois anos atrás. «Entretanto tivemos a pandemia Covid-19, com 88% das organizações a mandar parcial ou totalmente os seus colaboradores para casa, 4/5 da força global foi afectada, houve layoff, houve estudo em casa, verificou-se um défice de equipamentos de IT e surgiu um aumento grave ao nível dos problemas de saúde dos colaboradores, principalmente aos nível da saúde mental e com grande impacto na força de trabalho», recorda.

 

Com a COVID-19 tudo mudou 

Tudo mudou e aquilo que antes eras as visões do futuro do trabalho viram-se também elas alteradas. Afinal, hoje o que poderá ser o futuro do trabalho?
A maioria dos estudo que foram surgindo focam-se sobretudo no tema do trabalho remoto. «Para nós, e apesar do trabalho remoto ser uma tendência muito interessante ela não espelha de todo aquilo que é a realidade do colaborador em Portugal e no mundo», começa por referir João Pita Negrão. «Acreditamos que existem outros segmentos da força de trabalho aos quais não estamos a dar a devida atenção».  Analisando de que forma se distribui a força de trabalho em Portugal, a Deloitte entende que existem quatro grandes arquétipos:

  • as funções que trabalham onsite –  trabalhos em fabricas ou armazéns, por exemplo, e que têm de lá estar diariamente e que representam de 30 a 40% da força de trabalho empregada em Portugal;
  • funções de atendimento ao público – em lojas ou supermercados e que têm de estar presencialmente no local, e que representam 20 a 30% da força de trabalho empregada em Portugal;
  • profissionais que se movimentam por todo o país – falamos do carteiro ou de uma estafeta de entregas e que representam 10 a 20% da força de trabalho empregada em Portugal;
  • pessoas que trabalham em escritório – as quais representam de 20 a 30% da força de trabalho empregada em Portugal.

«Apenas o ultimo grupo que referi tem um grande potencial de poder exercer as suas funções em trabalho remoto ou num modelo de trabalho hibrido, todas as outras não», sublinha João Pita Negrão, «pelo que quando falamos de trabalho remoto estamo-nos a referir a apenas 20 ou 30% da nossa força de trabalho».

 

Novos desafios para os directores de Recursos Humanos 

A Deloitte contactou com algumas empresas de envergadura para tentar perceber quais os desafios que se colocam aos directores de Recursos Humanos em pandemia e no pós-pandemia. Estes foram os desafios identificados:

  • como gerir as pessoas neste modelo de trabalho hibrido
  • quais são as regras para o trabalho hibrido 
  • como se faz o onboardinbg e o desenvolvimento das pessoas tendo em conta que muitas estão a trabalhar desde casa
  • como se garante a saúde física e mental dos colaboradores neste contexto de pandemia 
  • como se consegue garantir a “cola” cultural num contexto em que as organizações têm colaboradores em casa há um ano e meio 

E o que é que as empresas estão a fazer relativamente a estes desafios identificados?

Relativamente ao primeiro desafio identificado  «as empresas têm estado a reforçar as suas competências de liderança por via da contratação e da formação, sendo que criaram alguns canais de comunicação  para garantir que as pessoas falam com os lideres e entre si e têm vindo a rever os modelos de performance e de feedback», esclarece o Senior Manager da Deloitte.

No que diz respeito ao trabalho hibrido, as organizações têm vindo a levantar os seus arquétipos, começa por revelar João Pita Negrão. «Primeiro as organizações têm de perceber quais os arquétipos que têm internamente  para depois perceber as necessidades de cada um, quer nas idas ou escritório quer em termos de equipamentos», reforça, «depois a empresa tem de definir quais são as regras e finalmente repensar o que é que a empresa vai necessitar em termos de worlplace».

Sobre o terceiro desafio identificado as empresas têm vindo a apostar na identificação de necessidades de desenvolvimento por parte dos colaboradores e tentar ir migrando os mais urgentes para novo métodos de formação.

Com vista a conseguir concretizar o quarto desfio identificado, as «empresas que não tinham por hábito imiscuir-se nos hábitos e na saúde dos colaboradores  chegaram à conclusão de que precisam de o fazer», refere o orador. Para tal, «criaram um conjunto de canais de comunicação para as pessoas puderem falar com especialistas sobre os seus problemas e um conjunto de ferramentas de monotorização como apps para aferir o nível de stress em que as pessoas se encontram», refere, «implementaram também um conjunto de medidas que permitem suportar os colaboradores, como apoio psicológico,  e, finalmente, têm vindo a trabalhar esta informação para perceber quais são as pessoas e as áreas que têm mais propensão a temas de bem-estar de modo a perceber como os podem resolver».

«Finalmente, sobre o último grande desafio, que eu diria que é o de longo prazo,  as empresas não descobriram ainda a receita certa para o sucesso sendo que têm vindo a apostar nos canais de comunicação envolvendo cada vez mais o middle management como agentes da mudança e da manutenção cultural da organização», afirma João Pita Negrão, acrescentado que as empresas têm vindo a organizar, apesar do Covid-19, um conjunto de iniciativas de team building mesmo em formato remoto e têm vindo a garantir alguns touch points pessoais para assegurar que as pessoas se vejam umas às outras e continuem a ter uma ligação».

 

A Gestão de Pessoas no novo paradigma do trabalho

Na visão de João Pita Negrão e retornando ao modelo Work, Workforce e Workplace, são vários os desafios que se vão colocar aos directores de Recursos Humanos daqui para a frente. São muitas as questões que estes profissionais vão colocar sendo que podemos defini-las da seguinte forma:

  • Work – será que temos os meios necessários para conseguir suportar o trabalho e as novas exigências para trabalhar de uma forma ainda melhor do que se fazia na era pré Covid;
  • Workforce – estará o upskilling e o reskilling a ser bem feito, será que a organização está a tomar conta da forma certa das suas pessoas;
  • Workplace – estará o espaço de trabalho adaptado às novas exigências deste novo normal.

«Destes três pilares há um que ganha especial enfoque, que é Workforce», defende João Pita Negrão, diria que os Recursos Humanos têm hoje um papel ainda mais fundamental, porque se achávamos no pré Covid que a tecnologia era o grande disruptor do futuro do trabalho, hoje em dia percebemos que a tecnologia é um tema que está resolvido e na realidade o que nós temos é um desafio de humanização das empresas colocando o colaborador no centro das atenções», defende o Senior Manager da Deloitte.

«As organizações e os Recursos Humanos enquanto actor central e principal nas empresas têm como objectivo começar a garantir que fecham este gap entre o que é a parte pessoal e a parte profissional garantindo que elas casam de forma harmoniosa e que se consegue dar uma experiência a todos os colaboradores que seja rica, saudável e de valor acrescentado para eles e para a organização», conclui João Pita Negrão.

 

Ler Mais