O uso de inteligência artificial em contexto laboral: Uma proibição estática ou dinâmica?

Os reguladores do eixo Ocidental têm vindo a trabalhar no sentido de determinar regras que visem o emprego da inteligência artificial de forma positiva e controlada no contexto laboral.

 

Por Ricardo Pintão, associado de TMC da CMS e Tiago de Magalhães, associado Sénior de Direito de Trabalho da CMS

 

É inegável a avalanche tecnológica actual. Se passámos o primeiro quinto de século a desenvolver tecnologias de processamento de informação avassaladoras, certo é que estamos agora a aplicá-las, nomeadamente, por via de ferramentas com recurso a inteligência artificial (IA). A este respeito e ao que importa para o contexto laboral, se, porventura, existiam já constrangimentos legais com a implementação de ferramentas de gestão e controlo dos trabalhadores por parte das entidades empregadoras, certo é que, com o avanço da IA, tais dificuldades são hoje bastante vincadas e divisoras dos interesses das partes (i.e., entidades empregadoras, trabalhadores e as suas estruturas de representação).

Por assim ser, os reguladores do eixo Ocidental têm vindo a trabalhar no sentido de determinar regras que visem o emprego deste tipo de tecnologias de forma positiva e controlada no contexto laboral. Por um lado, temos assistido à intervenção da Casa Branca na investigação da aplicação deste tipo de tecnologias no contexto laboral; por outro, a Comissão Europeia na preparação de um pacote legislativo destinado a promover a utilização ética, consciente e promotora dos valores e princípios fundamentais que caracterizam a União Europeia, máxime o Estado de Direito e o seu modelo garantístico e protector do cidadão europeu (e, neste caso, do trabalhador).

Em Portugal, com as alterações aprovadas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, em vigor desde 1 de Maio, parece ter-se aberto a porta à utilização de algoritmos ou outros sistemas de IA, designadamente para utilização de “tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da actividade profissional”. Ou seja, se no regime anterior, a possibilidade de recurso a IA nem era mencionada e limitada, agora passa a estar previsto que as entidades empregadoras têm de prestar informação sobre os parâmetros, os critérios, as regras e as instruções em que se baseiam a IA, não só aos seus trabalhadores, como aos representantes dos trabalhadores.

Em todo o caso, deverá ser sempre garantido o princípio basilar de não discriminação, ou seja, deverá ser salvaguardado que o recurso e a utilização de IA não compromete o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho.

Também no que ao regime de teletrabalho diz respeito, prevê-se na legislação laboral que “os poderes de direcção e controlo da prestação de trabalho no teletrabalho são exercidos preferencialmente por meio dos equipamentos e sistemas de comunicação e informação afectos à actividade do trabalhador, segundo procedimentos previamente conhecidos por ele e compatíveis com o respeito pela sua privacidade”, prevendo- -se ainda que “o controlo da prestação de trabalho, por parte do empregador, deve respeitar os princípios da proporcionalidade e da transparência, sendo proibido impor a conexão permanente, durante a jornada de trabalho, por meio de imagem ou som”. Ou seja, também por esta via, é possibilitado o controlo da actividade dos trabalhadores com recurso a meios tecnológicos.

Sem prejuízo, e até um pouco contraditório, no artigo 20.º do Código do Trabalho (CT) continua a prever-se que “o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”, excepto se tiver por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem. Por um lado, prevê-se a possibilidade de utilização de IA para controlar a actividade profissional dos trabalhadores, mas por outro, a mesma não é permitida. Com alguma esquizofrenia, parece que aos dias de hoje a disposição prevista no artigo 20.º do CT está desactualizada face às possibilidades e potencialidades da IA e que as recentes alterações laborais vieram permitir.

Ao contrário do que seria expectável, decorre, assim, do anterior que, caso as entidades empregadoras utilizem ferramentas tecnológicas com recurso a IA para controlar o desempenho dos trabalhadores, poderá ser entendido que esta se encontrará vedada legalmente (a menos que se verifique uma das excepções).

Em todo o caso, esta realidade poderá estar prestes a alterar-se, visto que a 21 de Abril de 2021, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de regulamento europeu destinada a regulamentar a IA de “alto risco” por reconhecer a necessidade de promover a inovação, garantindo simultaneamente a segurança e os direitos dos utilizadores. A referida proposta vem enumerar vários sistemas de IA utilizados na relação de trabalho como estando sujeitos a regulamentação.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Julho (nº. 151) da Human Resources, nas bancas. 

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