Opinião: A quietude da “mente macaco”

Ou a autorregulação das emoções em situações-limite.

Por Mário Ceitil, professor universitário, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas (APG) e formador na Cegoc.

 

Os acontecimentos recentes na gruta Tham Luang, na Tailândia, onde uma equipa de futebol juvenil constituída por 12 jovens pré-adolescentes e o seu treinador estiveram retidos durante mais de duas semanas em situações de extrema precariedade física e sujeitos e um enorme stresse emocional, mobilizaram a atenção mundial e trouxeram para primeiro plano as discussões acerca da extrema importância da resiliência e dos processos de autorregulação emocional enquanto competências críticas que, naquela situação, se constituíram como factores absolutamente determinantes para o seu desfecho feliz.

Embora as referidas competências emocionais, e outras que integram habitualmente o elenco dos portefólios da Inteligência Emocional, façam já parte do léxico habitual das empresas e organizações pelo menos desde o início dos anos 90, nem sempre a sua operacionalidade e importância se tornaram tão óbvias, particularmente no que diz respeito à respectiva criticidade em relação a aspectos básicos da sobrevivência. E se bem que, nas organizações, a pertinência das competências emocionais não assuma habitualmente o dramatismo de que se revestiu a situação na gruta da Tailândia, a experiência em si encerra uma heurística sobre a resiliência e os processos de autorregulação das emoções, cuja leitura pode constituir uma riquíssima fonte de aprendizagem para todos quantos se dedicam à gestão das pessoas nas organizações.

 

O que podemos então aprender com os acontecimentos da “gruta da Tailândia”?

Para podermos responder de forma mais concreta, vale a pena fazermos uma breve incursão nos domínios da neurociência.

De acordo com investigações recentes nesta área, o cérebro de cada pessoa funciona segundo um “modo-padrão”, a nossa “mente macaco”, constituída pelo repositório da base genética de cada indivíduo e das memórias acumuladas ao longo da vida.

Na ausência de estímulos que incitem a mente a focalizar-se em propósitos mais “nobres” (como acontece em situações de isolamento ou de grande privação), a “mente macaco” reage essencialmente a impulsos internos e faz deslocar a atenção para as preocupações, as angústias, os hábitos e rituais próprios, gerando sentimentos de maior ansiedade e possível descontrolo emocional.

Nestas situações, para manter a autorregulação emocional e vencer a ansiedade, ou seja, “aquietar a mente macaco”, é essencial manter o cérebro ocupado através da resignificação cognitiva das situações, com a sua consequente desdramatização emocional e a mobilização da atenção para fatores e situações onde a pessoa se possa sentir mais em controlo: dar, por exemplo, mais atenção ao que se está a fazer (focalização), concentração no aqui e agora (como nas práticas de meditação), fazer treino mental para evitar (ou afastar) pensamentos parasitas de vitimização, do tipo “porquê eu?”, e, sobretudo, não se deixar arrastar para a tortuosidade dos melodramas pessoais, que é o domínio de eleição das divagações da “mente-padrão”.

Nesta linha, o recurso sistemático que o treinador da equipa tailandesa fez à prática da meditação poderá ter ajudado as crianças (já habituadas culturalmente ao seu exercício) a controlar os mecanismos automáticos da “mente macaco”, que são em larga medida responsáveis pela ansiedade, e facilitar o aligeiramento do eu como caminho para a liberdade interior, que constitui o principal e mais poderoso alicerce da serenidade.

Uma outra estratégia fundamental de autorregulação das emoções é a mobilização da mente para um desafio estimulante ou a assunção de um “propósito maior”, que constituem modalidades de intervenções activas que podem ser suficientemente poderosas para “aquietar a mente macaco”. Aqui também a acção de liderança do treinador tailandês foi exemplar, conseguindo não só manter um permanente espírito de corpo, como afirmar igualmente a firmeza do propósito maior de superarem em conjunto a adversidade.

 

Aprendizagens

Embora as empresas e organizações não experienciem normalmente situações limite como a atrás mencionada, há todavia aprendizagens a retirar destas situações que podem ser de enorme utilidade para garantir uma mais eficaz e sustentável Gestão de Pessoas: Acentuo duas delas:

– Para reduzir a ansiedade, é fundamental que a pessoa se sinta “em controlo” da situação, o que é mais provável através de uma maior concentração no “aqui e agora” e uma acção focalizada para as coisas que se podem influenciar directamente. Por isso, não vale a pena gastar tempo, nem energias, nas coisas relativamente às quais nada podemos fazer de concreto para as melhorar;

– Na ausência de objectivos ou de propósito definidos e estimulantes, a mente faz um refluxo de autocentração, enclausurando a pessoa dentro de si própria, das suas fantasias, ansiedades e rituais. Este enclausuramento narcisista é fonte de ansiogenia pessoal e é um factor dificultador da autorregulação emocional, sobretudo em situações de maior tensão.

Termino com duas observações cuja heurística é particularmente estimulante:

– A serenidade advém da nossa capacidade de percebermos o que está a acontecer;

– Darmos atenção de forma correcta à natureza da nossa experiência pode mudá-la drasticamente.

Este artigo foi publicado na edição de Setembro da Human Resources.

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