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Os EUA enfrentam uma crise de mão-de-obra sem precedentes e um sector já está a dar sinais
O regresso de Donald Trump à Casa Branca está a ser marcado por duas grandes linhas de acção: tarifas e imigração. Porém, no cenário actual, o “veto” ao trabalho migrante ameaça provocar um “buraco” sem precedentes no emprego e afundar a competitividade laboral da principal economia mundial. Na verdade, já está a acontecer, avança o El Economista.
As rusgas do Serviço de Imigração já começaram e, alguns analistas, como os da Capital Economics, prevêem uma possibilidade de 500 mil deportações por ano, números que fariam com que o desemprego ficasse quase a zeros nos próximos anos.
«A imigração foi responsável por cerca de quatro quintos do crescimento da oferta de mão-de-obra nos EUA nos últimos anos e tem sido uma das principais razões pelas quais o crescimento económico se manteve relativamente dinâmico», afirma Neil Shearing, economista da empresa de estudos britânica, num relatório em que alerta para o efeito que esta restrição à imigração pode ter no mercado de trabalho e na economia como um todo.
«A redução da imigração e o repatriamento forçado podem tornar-se uma restrição significativa à economia dos EUA, especialmente em sectores como a agricultura. O número de trabalhadores nascidos nos EUA está a diminuir e é um milhão inferior ao de 2019. A tendência decrescente das taxas de natalidade dos EUA sugere poucas perspectivas de uma reviravolta motivada pela demografia», alerta o estratega James Knightley, do ING.
«O crescimento do emprego provém dos trabalhadores nascidos no estrangeiro, que representam agora 19,5% de todos os empregados nos EUA. Se a força de trabalho estrangeira também diminuir, isso poderá representar desafios significativos de oferta, aumentando os salários e a inflação.»
Num país onde a agricultura depende fortemente da mão-de-obra migrante, as recentes promessas de deportações em massa e políticas comerciais mais apertadas ameaçam desestabilizar um dos pilares fundamentais da economia norte-americana: o fornecimento de alimentos.
Segundo uma análise publicada na Harvard Business Review, as medidas anunciadas pela administração Trump podem aumentar drasticamente os custos de mão-de-obra e transformar produtos básicos em artigos de luxo, inacessíveis a grande parte da população.
Dados do Departamento do Trabalho dos EUA indicam que 61% dos trabalhadores agrícolas do país são imigrantes, 42% dos quais não têm autorização legal para trabalhar. Este sector não depende apenas de mão-de-obra estrangeira, mas também enfrenta uma escassez de trabalhadores que os cidadãos norte-americanos não conseguem ou não querem preencher.
Para além do impacto na exploração agrícola, a economia dos EUA enfrenta uma escassez generalizada de mão-de-obra. No Centro-Oeste, a idade média dos trabalhadores rurais aumentou de 51 para 56 em apenas uma década, reduzindo ainda mais a oferta de trabalhadores. Apesar do rumor de que os imigrantes estão a “tirar empregos” aos norte-americanos, a realidade é que apenas um em cada vinte cidadãos aceita esses empregos, e a maioria demite-se em poucos dias.
A alternativa mais óbvia é importar mais alimentos, mas isto também tem os seus próprios desafios. Hoje mais de 55% das frutas frescas consumidas nos EUA vêm do estrangeiro. Em 2022, o México e o Canadá forneceram 71% das frutas e legumes importados. As medidas proteccionistas anunciadas por Trump, como as tarifas sobre as importações mexicanas e canadianas, tornarão estes produtos ainda mais caros, alimentando a pressão inflaccionista.
«Ou importamos trabalhadores ou importamos produtos», alerta um especialista do sector agrícola citado pela Harvard Business Review. Se nenhum dos dois puder ser importado, isto pode acabar por se tornar uma “armadilha mortal” para os EUA.