Penhora de salário: O papel do empregador (e de uma conversa)

Por Paulo Teixeira, bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

 

Acaba de receber uma comunicação de um agente de execução, a dar conta de que uma parte do salário de um funcionário da sua organização vai ser penhorada? Está entre a estupefacção, a preocupação e a indecisão quanto ao que fazer? Então, acredite, não sendo uma obrigação, o seu papel pode ir muito além do mero cumprimento de uma ordem judicial.

Se isto está a acontecer, é possível que o seu colaborador esteja a atravessar uma fase difícil, tenha tido algum problema ou percalço e não esteja a conseguir gerir e superar. Posto isto, e não sendo realista desprezar o peso do emprego nas nossas vidas, nem acreditar numa barreira intransponível entre o que é pessoal e o que é profissional, uma conversa poderá ser sempre um bom (e precioso) primeiro passo.

Aliás, não são poucas as histórias em que, partilhada a situação do trabalhador, o empregador acaba por se revelar determinante na identificação e implementação de uma solução.

Depois, em termos formais, embora possa e deva sempre consultar o seu departamento jurídico ou o profissional habilitado – solicitador ou advogado – que o acompanha e aconselha, a comunicação que recebeu indicará todas as acções que deverá tomar, bem como o cálculo que deverá ser aplicado.

De qualquer forma, há critérios que têm de ser sempre salvaguardados: só poderá ser penhorado o equiparado a dois terços do valor líquido do vencimento e assume-se impenhorável o montante correspondente ao salário mínimo nacional. Além disso, importa não esquecer que são penhoráveis todos os prémios e subsídios, inclusive o de alimentação.

Bem sabemos que esta é uma situação pela qual nenhum empregador ambiciona passar. Afinal de contas, e perante um tecido empresarial maioritariamente composto por micro, pequenas e médias empresas, há sempre uma relação criada com os trabalhadores. Muitas vezes, conhecem-se as famílias, há convívio para lá do período laboral e perde-se a conta aos anos de trabalho por objectivos comuns.

Daí ser tão importante haver uma conversa que deixe claro o quanto este processo pode ser o caminho para a solução e para que haja um efectivo recomeço.

Assim sendo, pela relevância do seu papel e da sua colaboração, por mais clara e completa que seja a comunicação que acaba de receber, caso reste alguma dúvida, não hesite em contactar o agente de execução pelos canais estabelecidos para o efeito. Porque, enquanto “braço da Justiça”, este profissional não representa nem exequentes, nem executados. Ao agente de execução compete assegurar o cumprimento de uma decisão judicial, mediante o pleno respeito pelos direitos, liberdades e garantias de todos os envolvidos.

E embora já muito possa ser feito de forma automática, num clique e à distância, com recurso a um sistema de suporte que interage com dezenas de entidades, inclusivamente bancárias, a penhora do salário pode, naquele caso específico, demonstrar-se a melhor alternativa ou, mesmo, a única disponível.

E não, não há os maus e os bons quando a história é um processo executivo. Contrariamente ao que acontecia em tempos de “homens de fraque”, há uma dívida comprovada e uma cobrança legitimada. E há, acima de tudo, uma figura neutra e que age em função do que a lei prevê e permite, tendo em vista, nomeadamente, a observação de limites como os que já referimos e que servem, acima de tudo, para que jamais a dignidade humana seja beliscada ou posta em causa.

Nessa senda, não faltam casos em que é o agente de execução, por sua vontade e iniciativa, que vai bater à porta de entidades e instituições em busca de respostas para quem, de repente, não consegue sair de uma encruzilhada que, sim, pode condicionar toda a sua vida e dar lugar a um círculo vicioso, a uma bola de neve crescente e imparável, capaz de destruir tudo aquilo que resta.

É neste instante que voltamos ao início do nosso artigo: sim, aquela conversa pode mesmo fazer toda a diferença. E não me refiro ao sucesso do processo executivo. Refiro-me, sim, às vidas que ficam em suspenso enquanto um processo executivo se resolve.

Por isso, se acabou de receber uma comunicação de um agente de execução, a dar conta de que uma parte do salário de um funcionário da sua organização vai ser penhorada, não hesite: chame-o, converse com ele, ajude-o a pensar e a concretizar a solução. E lembre-se: um dia poderemos ser nós a precisar que alguém nos chame para conversar.

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