Pessoal, Recursos Humanos… ou talvez não
Opinião de Mário Ceitil
Director Associado da Cegoc, professor na Universidade Católica e Lusófona e Conselheiro da Revista HR Portugal
A questão não é nova e, em contextos mais académicos e especializados, tem concitado alguma atenção: sendo “Gestão de Pessoal”, “Gestão de Recursos Humanos” ou outra qualquer, é ou não é importante a designação desta função que, por entre vicissitudes diversas e ao longo de pouco mais de um século de uma história atribulada e rica, plena de controvérsias, tensões internas e de sucessivos avanços e recuos, se tem vindo a impor, de uma forma sustentada, como uma das grandes, mais debatidas e mais promissoras funções da gestão empresarial?
Alguns sustentam que a designação não é importante; o que é importante, de facto, é o que se faz no acoitamento da dimensão institucional do jargão, o sentido profundo das práticas reais por debaixo da fachada da nomenclatura. Outros, todavia, sustentarão que a designação apresenta, nesta área como noutras da gestão empresarial, e até da vida em geral, o valor de uma “marca”, sendo que a expressividade e visibilidade da marca servirão para tornar mais facilmente identificável a natureza das práticas que sob ela se adornam de sentido.
Sustento, neste contexto, que a “marca” daquilo que ainda hoje designamos por Gestão de Recursos Humanos é, de facto, importante, na medida em que constitui uma forma privilegiada da expressão de uma identidade que tem não só um sentido histórico como tem tradução em paradigmas filosófico/científicos que tiveram (e têm) consequências sensíveis nas perspectivas e práticas de gestão. Por exemplo, é hoje claro que, quando falamos em Gestão de Pessoal ou Gestão de Recursos Humanos, não estamos, de facto, a falar, nem do mesmo tipo de função, nem do mesmo tipo de perspectivas, nem do mesmo tipo de processos.
Pôr hoje em perspectiva a possibilidade de reinventar uma designação nova que possa constituir uma alternativa credível à expressão neoclássica e “sistémica” de “Gestão de Recursos Humanos”, pode não ser apenas uma mera questão formal, enunciada no deleite equívoco de uma qualquer “tertúlia” académica; pode, sim, constituir uma preocupação legítima para uma nova leitura identitária de uma função que, pela imanente capacidade de reinvenção que tem revelado e pelo cada vez maior peso que vai tendo nos destinos das organizações, pugna por uma maior clareza das suas finalidades e missões e por uma maior e mais precisa focalização das suas propostas e ferramentas metodológicas.
Na verdade, o actual impacte de expressões como “Gestão de Talentos”, e a sua consequente corporização em práticas de gestão coerentes e sustentáveis, parece ter uma dimensão mais nobre e substancial do que a mera adesão a uma moda mais ou menos passageira. A sustentar esta ideia estão, por exemplo, as correntes, tanto anglo-saxónicas como a chamada “escola francesa”, nos domínios da Gestão das Competências, que assinalam claramente que a institucionalização de práticas de gestão orientadas no sentido da “alta performance” constitui uma ressignificação profunda de todas as concepções tradicionais sobre as relações entre o homem e o trabalho, fundando uma nova lógica segundo a qual “o sentido do trabalho retorna ao trabalhador”. Segundo esta lógica, o trabalhador, modernamente designado por colaborador ou “parte interessada”, numa tradução aberta de “stakeholder”, torna-se o proprietário daquele que vem sendo considerado o verdadeiro elemento gerador de valor acrescentado: o talento, quando ele é inteligente e intencionalmente orientado para gerar valor acrescentado para a empresa e para o próprio colaborador.
Sustento, assim, e no contexto do que atrás fica dito, que ser ou não ser… “Recursos Humanos” é uma matéria que releva para questões substanciais importantes e não para florilégios meramente formais.
Cotejando a famosa metáfora da “Alice” de Lewis Carroll que, perante uma encruzilhada de vários caminhos não sabe por qual optar, porque também não sabe onde quer chegar, diríamos que diferentes designações da “Função RH” podem conter em si diferentes concepções das missões e dos respectivos objectivos a alcançar. De qualquer modo, é, de facto, a clarificação destas missões que é fundamental. Porque, tal como refere o Coelho Branco à Alice, “se não sabes onde queres chegar, qualquer caminho te serve”.