Pessoas em tempos de crise

Carla Gouveia

Directora de Recursos Humanos no Banco Popular e conselheira da Revista HR Portugal

Por agora, em redor da gestão de pessoas em tempos de abundância, está quase tudo dito. Voltarão os tempos em que todas as experiências serão possíveis de novo, em que todos os erros são reversíveis, em que o talento para gerir comportamentos tem o espaço dado pela facilidade. Por agora, o que se espera são respostas em tempos de contenção, em que são mais estreitos os caminhos, mais exigentes as decisões.

Mais do que nunca, não restam dúvidas que o que de mais estimulante existe no dia-a-dia das organizações é a interpretação dos comportamentos e dos atributos individuais e a sua condução em linha com objectivos que são comuns e muito concretos. A margem de manobra que o sucesso, como principal motor da motivação colectiva, nos assegura, perde-se quando vivemos, como agora, em tempos de adversidade. Quando se vive num mar de incerteza a pergunta mais usual é simples e clara: e agora? Seguro é que no centro de tudo continuaremos nós, as pessoas. As que têm responsabilidades de gestão e as que esperam que lhe mostrem o caminho e as ajudem a percorrê-lo. E faz-se luz. Por mais incertos que sejam os tempos, persiste uma certeza. São as mesmas, as pessoas. O que se move é a paisagem que as influencia.

Com as mesmas pessoas, o que nos impõe a crise? Em primeiro lugar, que ajustemos a perspectiva. Passa a ser muito mais exigente a leitura que fazemos da realidade, muito mais cruas as opções com que nos confrontamos. Deixamos de alimentar-nos com os amanhãs férteis e sorridentes. Por outro lado, vamos ao mais fundo de nós à procura de novas reacções, novas energias, novas ideias, porque sabemos que velhas e já deslocadas receitas só dão abrigo à nostalgia que nos afasta da realidade. A resposta aos tempos está na reinvenção. Primeiro de nós próprios e depois do que e como fazemos. Tal como terá Ghandi um dia afirmado, be the change you want to see .

Não mudaremos em nós o que é imutável, mas ajustaremos os nossos contornos aos tempos que mudam. Sem dor, aprendendo com a experiência, mas sabendo que não há retorno. É esse também o desafio quando temos a responsabilidade de gerir pessoas. Nelas há a capacidade para compreender e para fazer diferente. É nestes momentos que tem mais valor a descoberta. Soltar-nos de velhas amarras e estimular os que connosco partilham os desafios a libertarem-se é o grande imperativo destes tempos. Tudo isso sem perder o norte e sem abdicar da clareza e da verdade. Nunca como em tempos difíceis é mais importante o falar claro e olhos nos olhos. Nunca como em tempos difíceis fazem tanta diferença os pequenos detalhes.

A mudança que não tem alternativa é a da nossa visão do mundo e do que devemos esperar de nós e das nossas equipas. São as mesmas pessoas a olhar, ver e perceber uma realidade em movimento e a ajustar comportamentos. Por momentos deixámos de ser motivados pelo sucesso imparável e passamos a ser movidos pela vontade de traçar novos mapas, criar novos conceitos, encontrar novas soluções. O sucesso terá certamente outros contornos e são esses os contornos que começamos agora a desenhar. Nós seremos os mesmos e os nossos interesses individuais manter-se-ão. Muda a forma de os perseguirmos.

É a gerir sob pressão que se descobre muito do que temos de bom. Ser complacentes, repetitivos e meras caixas de ressonância de teorias que iluminados produzem, já não chega. São os nossos atributos pessoais, os nossos talentos adormecidos, a nossa flexibilidade e a nossa determinação para nos auto motivarmos e criar uma atmosfera criativa à nossa volta, que fará a diferença.

A crise é apenas uma passagem, uma reviravolta onde as pessoas ganham oportunidades de se reencontrarem e reinventarem a paisagem onde continuarão a ser o centro. Gerir pessoas em tempos de crise é, no essencial, descobrir mesmo o que há de melhor em cada uma delas, começando por nós mesmos.


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