Produtividade e horas trabalhadas, duas irmãs de pais diferentes

Por Valter Ferreira – Data Scientist, Marketeer, Economista do território, Inovador e Especialista em cidades humanas e inteligentes

Semanas após a aprovação da agenda para o trabalho digno, semanas após greves por melhores condições de trabalho, semanas após protestos por melhores salários e condições de carreira, fui ouvindo opiniões, lendo artigos e refletindo, e finalmente consegui tirar umas horas para escrever sobre uns dos principais indicadores do valor do trabalho – a produtividade.
Começo este artigo por evidenciar as diferenças entre horas trabalhadas e produtividade do trabalhador, até porque estamos num país em que o setor privado trabalha por norma 40h e o público 35h, e nos últimos dias começaram os testes às semanas de quatro dias. Assim, e sem grande reflexão podemos afirmar que controlar as horas trabalhadas e a produtividade de um trabalhador podem fazer parte de uma estratégia abrangente de melhoramento da performance da força de trabalho, assente na premissa, claro, que não o fazer pode levar a um ambiente de trabalho propenso a burnout e a problemas com a retenção de talentos.
Para facilitar o processo de criar esta opinião vou me fixar na premissa das 40h, sendo que, e como sabemos não se referem a 40h de trabalho, mas a sim, a 40h de permanência no local de trabalho, divididas entre conversas entre colegas, ler noticias, ver email e redes sociais, fumar, comer, falar ao telefone, etc. É certo, porém, que estas atividades paralelas existem para o bem da organização, mas não estão diretamente relacionadas com o output que o trabalhador entrega, talvez por isso o modo como encaramos a produtividade medida em horas deve ser alterado.
Vou também assumir a definição mais universal de produtividade, em que é esta é a quantidade de output tangível produzida por um trabalhador num determinado período, por norma expressa em unidade monetária. Foquei-me no trabalhador, mas podia ter-me focado na equipa, num departamento ou numa organização como um todo.
Assim, as horas trabalhadas e a produtividade devem ser consideradas quando queremos desenvolver uma efetiva cultura de trabalho, com alguma leviandade poderíamos mesmo afirmar que se um trabalhador trabalhar um número excessivo de horas pode obter um maior output no curto prazo, mas será isto sustentável? Em princípio não, aliás os números que apresentarei de seguida provam exatamente isso mesmo.
Olhando para dados de 2019 da ONG, parceira da universidade de Oxford, “Our World in Data”, temos que os países mais produtivos do mundo são a Noruega que produz cerca de $100/h em 1348 horas/ano, ou seja, em aproximadamente 27 horas/semana, seguindo-se o Luxemburgo, a Dinamarca, a Alemanha, os Países Baixos, a França e a Islândia que produz cerca de $65/h em 1454horas/ano, ou seja, em aproximadamente 33 horas/semana.
No outro lado da balança temos os menos produtivos, o Camboja  que produz cerce de $3/h em 2475 horas/ano, ou seja aproximadamente 51 horas/semana, o Bangladesh, o Myanmar, o Vietnam e a India $8/h em 2123 horas/ano, ou seja, aproximadamente 42 horas/semana.
E Portugal?
Bem em Portugal produz cerca de $35/h em 1865 horas/ano, ou seja, aproximadamente 40 horas/semana. O nosso país está aproximadamente no patamar da Roménia que produz cerca de $34/h em 1792 horas/ano, ou seja, aproximadamente 39 horas/semana, a Hungria que produz também cerca de $34/h em 1725 horas/ano, ou seja, aproximadamente 37 horas/semana, a Eslováquia que produz cerca de $35/h em 1695 horas/ano, ou seja, aproximadamente 37 horas/semana e a Polónia que produz cerca de 37usd/h em 2023 horas/ano, ou seja, aproximadamente 40 horas/semana.
Assim, em Portugal com as mesmas horas trabalhadas produz menos 2 dólares por hora que na Polónia, e com mais 13 horas trabalhas que na Noruega produzimos menos 65 dólares por hora.
Podemos com base nestes números extrapolar que trabalho a mais pode fazer decrescer o output final? Tomemos como exemplo a média do primeiro grupo de países (mais produtivos), a do segundo grupo (menos produtivos) e a dos que se comparam com Portugal (o meio da tabela), e podemos observar que o número de horas trabalhadas leva ao decréscimo da produtividade, ou seja, multiplicarmos o número de horas trabalhadas por semana pelo output gerado pelo trabalho nessas horas (P) temos notoriamente um decréscimo.
Assim, e considerando as horas trabalhadas no primeiro grupo 30, no terceiro 35 e no segundo 46,5 e o seu output temos que: 46,5 x P46,5 < 35 x P35 < 30 x P30, efetivamente estes números demonstram que a produtividade caí em média 50% em semanas de 35h e caí 79% em semanas de 46,5h. Naturalmente não estamos a contabilizar nesta análise os custos de contexto nem os custos geográficos dos países.
Com base no exposto podemos facilmente afirmar que é irrealista esperar que os trabalhadores trabalhem sempre no ponto ótimo de produtividade. O corpo humano requer intervalos frequentes e tempos mortos para recuperar de períodos de foco intenso, e impedir que fatores como o stress ou a fadiga influenciem a sua eficiência. Os números acima reforçam também os estudos que apontam que horas excesso tendem a baixar o nível de produtividade.
Mas, e convém ter sempre em linha de conta, que sem perceber a produtividade e o número de horas trabalhadas, é impossível compreender a performance da força de trabalho, a não ser que a medida da performance seja meramente um instrumento financeiro (mas isso será tratado em outro artigo). Se uma organização apenas mede a performance baseada em objetivos, os gestores dificilmente terão instrumentos para encorajar medidas de equilíbrio entre vida pessoal e profissional e de aumento de eficiência.
O truque não está então em trabalhar mais para produzir mais, mas sim em perceber como é que as horas trabalhadas impactam na produtividade.