Quem são (deviam ser) os líderes do amanhã?

Os novos modelos de trabalho trouxeram novos desafios para as lideranças e a velocidade da mudança é cada vez maior, tal como a incerteza em relação ao futuro. O mundo mudou. E as lideranças? De que líderes precisamos para responder, não só aos desafios de futuro, mas aos actuais? Estão preparados? Especialistas da Zurich e da Randstad Portugal juntam-se para mais uma HR Talk e dão as suas perspectivas sobre o tema.

 

Fotos Basic Method – Broadcast Services

 

Os últimos anos obrigaram trabalhadores e empresas a reinventarem-se. A pandemia está ultrapassada, mas é ainda inevitável falar do seu impacto, não só nos modelos de trabalho, com o híbrido a tornar-se mais a regra do que a excepção, mas também porque fez com que as pessoas reavaliassem as suas prioridades. Há agora um maior foco no bem-estar, no equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal; talvez mesmo uma nova forma de encarar o trabalho. E a vida.

Por outro lado, não se pode ignorar o ritmo acelerado da evolução da tecnologia, nomeadamente da inteligência artificial. É preciso ter pessoas qualificadas. Atraí-las, mas também olhar para “dentro de casa” e promover o upskilling e o reskilling. Sem esquecer que o contexto é de escassez de talento. Tudo isto traz desafios acrescidos para as empresas, nomeadamente para as lideranças.

E liderança é precisamente o tema do nono episódio das HR Talks – uma iniciativa promovida em parceria pela Human Resources e Randstad Portugal –, que juntou Nuno Oliveira, director de Recursos Humanos da Zurich, e Pedro Empis, director de Outsourcing da Randstad Portugal. Com moderação de Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources Portugal, a conversa começou com uma provocação: «O mundo do trabalho mudou. E as nossas lideranças, mudaram»?

Nuno Oliveira aceita o repto e, sem receio de afirmar que não mudaram, ressalva que «estão a mudar», sobretudo após uma série de disrupções. E identifica em que aspectos: «Os líderes deixaram de ter uma abordagem tão centrada neles próprios, o foco mudou para as equipas. Passou a ser necessária alguma sensibilidade da parte dos líderes para perceberem como é que os outros se estão a adaptar em função das circunstâncias. E já começam a ter em atenção um conjunto de outras preocupações, que antes não tinham tanto. Mas ainda existe um longo caminho pela frente.»

Na mesma linha de raciocínio, Pedro Empis destaca que «existe um antes e um depois da pandemia de COVID-19», nomeadamente no que diz respeito à forma como as lideranças passaram a desempenhar os seus papéis. «As lideranças tiveram de se adaptar, não só porque liderar à distância não é o mesmo do que liderar presencialmente, mas também porque passámos de uma lógica preventiva para um trabalho efectivo. » O responsável da Randstad Portugal salienta ainda que «os líderes actuais já perceberam que a fórmula anterior não é a fórmula de sucesso para o futuro». Apesar de reconhecer que ainda «estão por apurar alguns efeitos do modelo híbrido», está certo de que esta nova forma de trabalho obrigou os líderes a «estarem mais atentos aos sinais dos colaboradores».

 

Desafios e competências a desenvolver
Sobre os grandes desafios para as lideranças, Nuno Oliveira acredita que «a grande dificuldade foi passar de um modelo 100% presencial para outro praticamente remoto e tentar conciliar o melhor de dois mundos. Estamos ainda numa jornada de aprendizagem», faz notar. «Antes da pandemia, os líderes geriam um ambiente de trabalho único onde as necessidades eram mais semelhantes e mais facilmente controláveis, agora existem cada vez mais variáveis que diferem de pessoa para pessoa. O local de trabalho era único e o que mudava eram as características pessoais dos colaboradores. Agora, essas características continuam a ser diferentes e, adicionalmente, ainda temos alguns dias da semana onde as pessoas desenvolvem as suas actividades fora da empresa.» Os novos modelos de trabalho vieram acentuar características que já eram exigidas às lideranças, como «maior acompanhamento, diálogo permanente e foco nas preocupações dos colaboradores», enuncia o director de Recursos Humanos da Zurich. Sublinha ainda a necessidade de gerir as ferramentas de comunicação com eficácia, sobretudo no que diz respeito às temáticas mais importantes da empresa. «As lideranças devem estar muito mais atentas aos canais de comunicação e à forma como comunicam e interagem com as equipas, porque agora existe uma multiplicidade de canais, que antes da pandemia não eram tão explorados.»

Já Pedro Empis deixa a nota de que «as empresas vão precisar de lideranças mais humanas. Antes, havia uma lógica unidireccional; agora existem outros aspectos que merecem a atenção dos líderes, como, por exemplo, a saúde mental dos colaboradores. Aquilo que funciona muito bem para algumas pessoas, porque se calhar têm essa capacidade e essas condições, pode não funcionar tão bem ou ser difícil para outras.»

De uma forma geral, o director de Outsourcing da Randstad Portugal considera que os novos modelos de trabalho obrigam a uma lógica muito individual e de maior sensibilidade por parte das chefias. «As lideranças têm de passar a ler as entrelinhas e a ter conversas que antes não tinham, para conseguirem maximizar os resultados do seu grupo de trabalho.» Além disso, «os novos líderes têm de ter a capacidade de definir os momentos e os modelos para situações específicas. É imperativo que as chefias saibam seleccionar as mais-valias do trabalho remoto e do trabalho presencial », reitera.

No que concerne às principais competências a desenvolver, Pedro Empis aponta a autonomia como sendo a aptidão que ainda tem de ser (mais) desenvolvida. «As chefias têm de trabalhar muito para garantir que os colaboradores sejam autónomos, caso contrário vai ser caótico.» Para isso, é essencial que as lideranças saibam utilizar os chats, os emails e os diversos canais de comunicação, online e presencial, para definir um conjunto de objectivos individuais e colectivos. Ainda assim, lembra que é preciso que os líderes assumam um papel determinante e mantenham algumas das acções do passado, como as interacções humanas.

Concordando com a importância de dar autonomia, Nuno Oliveira junta a responsabilidade como uma das competências que devem ser desenvolvidas pelas lideranças no futuro. «As pessoas precisam de saber as expectativas que as organizações e as lideranças têm nelas para conseguirem resultados mais eficientes.» Igualmente importante para o responsável da Zurich é a questão da adaptabilidade. «Seja devido às especificidades das tarefas ou pelas vicissitudes do contexto de trabalho, as pessoas têm de ter a capacidade de se adaptar e conseguir ir ao encontro das expectativas de todas as partes.»

Mais: «É também essencial existir uma atitude crítica, tanto da parte das equipas como da parte das lideranças, sobretudo porque antes da pandemia os ambientes de trabalho eram muito mais supervisionados e controlados. Hoje, as variáveis são muito mais imprevisíveis, e a capacidade crítica de todas as partes é cada vez mais importante para dar resposta ao presente e prever o futuro.»

Pedro Empis acrescenta ainda a importância de, num contexto de mais ambiguidade, ser necessário existir «preparação e trabalho por parte parte das chefias – como sessões de coaching e mentoring –, para conseguirem avaliar e ter noção das várias vertentes de um problema. Os líderes têm de ter alternativas e pensar mais à frente do problema, antecipando um mercado altamente dinâmico. Até ao final da década, vamos deixar de fazer coisas que estávamos habituados a fazer para executar de uma forma diferente», defende.

 

Atrair talentos é assunto de liderança?
Incontornável é também o tema da escassez de talento. Num mercado altamente competitivo, as empresas sentem a necessidade de atrair profissionais mais qualificados e desenvolver as competências dos colaboradores já existentes. E, para Pedro Empis, a atracção e a fidelização de talentos também fazem parte do papel do líder. Nuno Oliveira afirma mesmo que as chefias são um factor diferenciador. E são-nos através da postura que assumirem.

Mais do que ordens ou indicações, é muito importante os líderes assumam mais um papel de coach ou mentor, para incentivar os talentos a desenvolverem um pensamento crítico e um espírito de superação, por exemplo. «Se tratarmos as pessoas como crianças, a probabilidade de se comportarem como tal é muito maior», enfatiza o director de Recursos Humanos da Zurich. «Isto não difere muito daquilo que temos em casa. Sempre que tentamos ter uma conversa mais adulta, somos muitas vezes surpreendidos pelas respostas. A transparência é aqui fundamental, associando-se à inteligência emocional para criar um modelo de trabalho flexível e eficiente.»

E em relação ao tema diversidade e inclusão – considera que os líderes têm uma «pérola nas mãos e ainda não sabem muito bem como a esculpir». E alerta: «Não se pode pedir aos colaboradores para pensarem de forma diferente e obrigá-los a trabalhar da mesma forma.»

 

Os líderes estão preparados?
Mas e as empresas, que tipo de líderes procuram? Na qualidade de especialista em Recrutamento, o director da Randstad Portugal partilha que procuram «líderes que se adaptem a perfis diferentes», respeitando valores como a diversidade e inclusão. «Procuram líderes que saibam gerir cada vez mais pessoas com pontos de vista muito diferentes. Contudo, actualmente, o perfil ainda está muito preso aos líderes que escolhem os membros da equipa em função do nível de identificação», faz notar.

Questionado sobre se existe maior dificuldade em contratar profissionais para funções de liderança, com as competências que hoje se exigem, Nuno Oliveira admite que é um processo mais desafiante para as empresas, sobretudo numa altura em que os colaboradores valorizam cada vez mais o teletrabalho e são mais selectivos em relação às empresas. «Temos de ser cada vez mais ágeis e não podemos continuar a apostar em profissionais mais convencionais. Por outro lado, abre uma oportunidade: considerar perfis que antes, provavelmente, não seriam considerados por não cumprirem determinados critérios.»

Uma das questões fundamentais deste debate foi perceber se os actuais líderes das empresas – sobretudo as chefias intermédias – estão preparados para este novo mundo do trabalho. Nuno Oliveira faz uma comparação com o que aconteceu em relação à nova lei laboral: as empresas viram- se obrigadas a adoptar modelos de trabalho distintos, sem estarem preparadas. «Tal como as empresas, as lideranças também sentiram dificuldades em mudar um conjunto de hábitos e mindsets face ao ambiente de incerteza em que vivemos.» E a nova realidade veio tornar mais evidente que nem sempre pessoas muito boas tecnicamente são bons líderes, «exigem-se outras competências. Existem profissionais que a nível técnico são muito importantes para a empresa, e essas pessoas devem ser mantidas na organização. Mas os líderes não podem ser apenas bons tecnicamente, as competências humanas são cada vez mais importantes, e são mais valorizadas pelas novas gerações », afirma. Assim, reconhece que «os líderes actuais ainda não estão preparados para os desafios, actuais e de futuro», mas acredita que «se quiserem continuar a evoluir e a fazer um trabalho transparente, ficarão mais bem preparados».

Pedro Empis concorda que «ainda existe muito a ideia de que aquele que for melhor a nível técnico deve ser o responsável pela liderança ». Mas «uma das competências fundamentais de um líder de futuro é ser capaz de desenvolver as suas próprias capacidades e as capacidades da sua equipa. Se um líder não estiver seguro das suas incumbências, não vai conseguir manter os colaboradores e não vai conseguir encontrar e atrair os melhores talentos.»

Ressalvando que «existem todas as condições – como investigações ou estudos sobre o tema – para que os líderes possam vir a assumir grandes papéis no futuro», o responsável da Randstad admite que, «com humildade, é preciso reconhecer que, efectivamente, os líderes ainda não estão preparados ». Entre as razões, aponta sermos um país de PME, «mais pequenas e muito pequenas do que médias», e a necessidade de se apostar na inovação e na formação contínua. Além disso, também alerta para «a falta de consciência de alguns líderes para perceberem as suas próprias limitações e abrirem novos horizontes».

Por último, e questionados sobre de que características devem os líderes abdicar para estarem mais bem preparados, os dois especialistas apontam «a resistência à mudança» e a «insistência no modelo do passado», porque, «cada vez mais, as chefias têm de encontrar ideias criativas e inovadoras para gerir equipas. A aptidão indispensável será, na opinião de Nuno Oliveira, a resiliência, enquanto Pedro Empis refere a autoconsciência. «Há que ter a capacidade de se perceber onde se está, o que ainda falta desenvolver, e que competências se podem desenvolver, para, a partir daí, se traçar um plano de acção», conclui.

 

Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 154) da Human Resources, nas bancas. 

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