São rosas, meu senhor!

Saiba tudo o que os livros de História nunca disseram sobre a estória do Milagre das Rosas. E, já agora, saiba tudo o que ninguém lhe disse sobre como a estória do tal milagre pode influenciar a história das nossas organizações.

Por Pedro Ramos, presidente da APG – Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas

 

Não sei se imbuído do espirito do “amor”, próprio desta época do ano, se por ser um romântico e gostar de estórias de amores e desamores, ou simplesmente por ainda ter de fazer algumas arguencias das dissertações de mestrado em Gestão de Recursos Humanos em Coimbra nos próximos dias, mas fui de repente possuído pela magia da lenda do Milagre das Rosas da rainha Santa Isabel.

Reza a lenda que o rei D. Dinis foi informado sobre as acções de caridade da rainha D. Isabel e das elevadas despesas que essas acções implicavam para o tesouro real.

Assim, certo dia o rei decidiu surpreender a rainha numa das suas habituais caminhadas para distribuir esmolas e pão aos necessitados. Reparou, então, que ela procurava disfarçar o que levava no regaço. D. Dinis perguntou à rainha onde ia e ela respondeu que se dirigia ao mosteiro para ornamentar os altares. Não satisfeito com a resposta, o rei mostrou forte curiosidade sobre o que ela levava realmente no regaço. Ora, D. Isabel, após alguns momentos de atrapalhação respondeu: “São rosas, meu senhor!”.

Desconfiado, o rei acusou-a de estar a mentir, uma vez que não era possível haver rosas em Janeiro. Obrigou-a, então, a abrir o manto e revelar o que estava lá escondido. Dessa forma, a rainha Isabel mostrou, perante os olhos espantados de todos, as belíssimas rosas que guardava no regaço. Por milagre, o pão que levava escondido tinha-se efectivamente transformado em rosas.

O resto da estória [que neste caso fez mesmo História!] já toda a gente conhece, a noticia correu mundo e o povo de Coimbra proclamou D. Isabel como a Rainha Santa.

Ora, mas o que é que isto tem a ver com a actual Gestão de Pessoas?

À primeira, responderia “Nada!”; “muito obrigado senhores leitores e até à próxima.”

… Mas depois de pensar um pouco, talvez “alguma coisa” ou até talvez “tudo a ver”.

Repararam no pormenor de que “alguém” [talvez um head of royal detractors qualquer…] andava a informar o chief kingdom officer D. Dinis dos alegados elevadíssimos custos que as acções de responsabilidade corporativa interna da chief people’s care and happiness officer D. Isabel (se assumirmos um lugar de c-level para a senhora) estariam a representar para a organização?

Alguém resolvera (sabe-se lá por quê?) assumir que cuidar dos colaboradores, atendendo às necessidades básicas, era um custo e nunca um investimento para o reino!

O chefe Rei resolveu “tirar a limpo” de forma directa e objectiva o que a sua mais directa colaboradora andaria a fazer realmente com o pré-conceito que “coisa boa não era de certeza” e que estaria a mentir-lhe.

A verdade é que ou temos aqui um processo de desalinhamento de estratégia, ou temos uma deficiente definição e “leitura” do propósito desta organização (leia-se, reino).

Ou temos – talvez mais grave -, a organização a comunicar e a fazer um conjunto de acções de bem-estar e cuidar, mas que têm de ser feitas às escondidas, pois (neste caso, infelizmente) as mesmas não são congruentes com os discursos oficiais das lideranças de topo para o seu universo de colaboradores (súditos, melhor dizendo!).

Bom, não queria nada, mas vai ter de ser!! Também não me apetecia avançar com a hipótese mais obvia, de que apenas as áreas de gestão das pessoas são as responsáveis pelo cuidar e bem-estar dos colaboradores, e gerar felicidade organizacional, nem que para isso tenham de fazer milagres!

É neste momento que acho que faz sentido avançar com duas expressões populares que cabem aqui mesmo: a primeira é a “clássica” que refere que “nem tudo são rosas, no sentido de valorizar o esforço de quem trabalha, sensibiliza, empreende, desenvolve no terreno acções concretas de melhoria e de envolvimento, tanto “acima”, junto das suas chefias, como “abaixo”, junto do universo dos seus liderados.

E a célebre e determinística expressão de que “quem dá o pão, dá a educação”, que neste caso se aplica em pleno e em sentido literal do termo, dado que as lideranças mais próximas dos seus colaboradores, que melhor conseguem interpretar as necessidades e, consequentemente, arranjar estratégias para as satisfazer, são naturalmente muito mais eficazes na passagem de mensagens poderosas, se verdadeiras, relacionadas com o foco nas pessoas e na preocupação em ir ao encontro das suas necessidades, assumindo que esse foco é um investimento e não apenas um custo.

Para esta última expressão, temos um resultado evidente nesta estória: mesmo com o pedido de perdão à rainha (que até parece que se tornou público), o povo, o conjunto de colaboradores, assumiram que o papel da liderança informal de Isabel era bem mais eficaz e positivo, atribuindo-lhe um “título” ou reconhecimento, enquanto “Rainha Santa”, que se prolongou no tempo até hoje.

Agora aqui para nós… Nem sempre é possível fazer o milagre completo, certo? Às vezes o que são rosas para uns, são objectos coloridos com muitos espinhos, para outros… Mesmo quando alguém das organizações assume o milagroso papel de satisfazer as necessidades ou proporcionar o melhor bem-estar físico e emocional aos seus colaboradores, nem sempre é compreendido e reconhecido enquanto “educador” ou formador de equipas alinhadas.

E, como vimos, existe muitas vezes um grupo de detratores, fortemente empenhados em criar conflitos e desalinhamentos internos, e que na maior parte dos casos, procuram o próprio protagonismo ou uma importância, aproveitando as brechas e eventuais fragilidades existentes, levantando temas relacionados com a (des)confiança, a (des)organização, ou um simples (des)alinhamento estratégico, comunicacional ou de propósito que possa existir entre as lideranças de topo, por forma a chamarem atenção sobre si e obterem ganhos momentâneos e sempre muito pouco duradouros.

Mas a grande lição que podemos tirar desta estória da História é que é mesmo necessário obter um alinhamento estratégico com vista a uma visão comum sobre o papel das pessoas nas empresas e organizações. Tem de existir um alinhamento entre o “discurso oficial” e as acções concretas e, sobretudo, todos os interlocutores – dos níveis mais elevados aos mais baixos – têm de ter, percepcionar e vivenciar uma confiança plena de que tudo está, naquele momento, a ser feito em prole do bem-estar, do envolvimento, alinhamento. E tudo está  ser feito (incluindo eventuais “milagres”!!) para que, no fim do dia, as pessoas sejam vistas como a parte positiva da organização e não apenas como a parte que representa um custo elevado e um mal menor na concretização dos objectivos do negócio.

Outra lição que podemos tirar desta estória, é a importância que as lideranças informais têm para a organização. E esta importância tem dois sentidos concretos: pela negativa, pois poderão influenciar, interesseiramente, os decisores e manipular as pessoas; ou, pela positiva, pois poderão agregar valor, congregar esforços e equipas e obter efetivos resultados. E até obter reconhecimentos duráveis no tempo.

Agora, sejamos pragmáticos: na actual realidade organizacional, à pergunta do chief kingdom officer “que trazeis no regaço?”, as respostas teriam de ser ajustadas para:

  • “podem ser rosas, meu senhor!”
  • “às vezes são rosas, meu senhor!”,
  • “costumam ser rosas, meu senhor!”

ou, simplesmente,

“Deveriam ser rosas, meu senhor!” Mas se não forem rosas, com o necessário alinhamento estratégico e confiança nas equipas, tudo faremos para que o milagre (necessário) se dê!

E, já agora, para quê rosas, se é de pão que as nossas equipas realmente necessitam?

 

Keep it simple (e, sobretudo, não inventem impossíveis e irreais respostas) meus senhores!!!

 

 

 

 

 

 

Ler Mais