Será que estamos ON 24×7? A (Des)conexão Digital fora do horário de trabalho

Por Ana Sabino, Codiretora do Mestrado em Psicologia Social e das Organizações, Investigadora APPsyCI – Applied Psychology Research Center Capabilities & Inclusion, Ispa – Instituto Universitário

Imagine este cenário: Fim de semana, está numa esplanada a ler o jornal e a beber um café, os miúdos estão a brincar no parque e o telefone toca. Pega no seu telefone e verifica que acabou de receber um email do seu chefe e, apenas pela leitura do assunto do email, percebe que é um tema importante. O que faz? Lê o email? Lê e responde imediatamente? Ou simplesmente ignora a notificação e continua a ler o jornal?

Esta situação é familiar para muitas pessoas e ilustra um dilema cada vez mais presente na nossa sociedade: até que ponto conseguimos, de facto, desligar do trabalho?

A capacidade dos trabalhadores se desligarem após o trabalho é um fenómeno com uma relevância social e científica crescente. A introdução das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no quotidiano do trabalho ofereceu benefícios como mais autonomia e a flexibilidade, mas também coloca desafios como a pouca clareza entre as fronteiras entre o trabalho e a vida pessoal. Este cenário levanta um paradoxo: se por um lado as organizações incentivam a conectividade constante, por outro, há uma crescente preocupação com a necessidade de estabelecer limites. Por exemplo, apesar de a União Europeia não dispor de legislação sobre o direito a desligar, várias diretivas europeias recomendam a necessidade de estabelecer limites para o horário de trabalho dos trabalhadores. Vários países já legislaram sobre o direito a desligar, incluindo a Bélgica, a França, Luxemburgo e, mais recentemente, a Espanha. Em Portugal, apenas no âmbito da revisão do regime de teletrabalho em 2021, foi introduzido um artigo relativo ao dever de abstenção de contacto, pela entidade empregadora, no período de descanso do trabalhador.

Desta forma, a desconexão digital relacionada com o trabalho fora do horário de trabalho refere-se aos comportamentos deliberados dos trabalhadores em absterem-se de utilizarem os dispositivos eletrónicos para fins profissionais fora do horário normal de trabalho. Por exemplo, isto pode implicar desligar todos os dispositivos profissionais durante a noite, fins de semana ou feriados. Neste contexto, a desconexão digital serve para reforçar as fronteiras entre as esferas profissional e privada. Esta questão é crucial por ter fortes impactos na vida das pessoas, nomeadamente fadiga física e psicológica, conflitos de equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada, maior isolamento social e níveis mais elevados de stress e de esgotamento.

No entanto, existem evidências que sugerem que os trabalhadores ainda utilizam as TIC relacionadas com o trabalho fora do horário de trabalho e, adicionalmente, não existem evidências da aplicação do dever de abstenção do contacto das entidades empregadoras, bem como da existência de políticas organizacionais referentes a esta situação.

No Ispa – Instituto Universitário estamos a realizar um conjunto de estudos que nos permitirão obter dados concretos sobre os comportamentos de desconexão digital dos trabalhadores qualificados portugueses. Alguns resultados preliminares de um estudo realizado com uma amostra de aproximadamente 400 participantes parecem sugerir que 36% dos participantes não desconectam digitalmente fora do horário de trabalho. Verifica-se também que esta tendência parece ser mais premente para participantes que trabalham em regime presencial e que ocupam cargos de chefia e cujas organizações não têm uma política de desconexão explicita.

No entanto, é fundamental continuarmos a recolher dados para conseguirmos avaliar este fenómeno no contexto de trabalho português. Queremos ouvir a sua experiência! Participe no nosso estudo, e ajude-nos a compreender melhor este fenómeno.

https://ispawjrc.qualtrics.com/jfe/form/SV_267h6v2UiR4U9gi

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