Teletrabalho? Agora sim, vai começar

Nunca, como nos últimos meses, a palavra teletrabalho esteve tão presente. Mas após um ano a lidar com esta realidade, que se sobrepôs a todas as vontades de forma inesperada e imparável, é tempo de fazer balanços, perspectivar o futuro e, acima de tudo, assumir que o verdeiro teletrabalho ainda está por acontecer.

Catarina Morais  e Filipa Sobral, investigadoras do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano (CEDH) da Faculdade de Educação e Psicologia da Católica no Porto

 

Quatro anos antes do início da pandemia, e de acordo com últimos dados do Eurofound, apenas 3% dos europeus exercia o seu trabalho de forma remota. Hoje, mais de um ano após o início da pandemia, e embora sem números oficiais, sabemos que todos aqueles cujas profissões o permitiram, estiveram, estão, e eventualmente estarão nos próximos tempos, a trabalhar a partir de casa. Mas isso não significa que tenham estado, que estejam ou que estarão verdadeiramente em teletrabalho.

Por isso, será com o fim do teletrabalho obrigatório que se tornaram mais claras as mudanças que a pandemia trouxe ao mercado de trabalho e quais as empresas que estarão preparadas para assumir formatos de trabalho mais flexíveis. Flexíveis no que se refere ao controlo de horários, de assiduidade, de localização física do trabalhador e, no limite, flexíveis no sentido de total adaptação ao regime que melhor convém a cada um dos seus trabalhadores – seja esse regime a exclusividade do trabalho remoto, do trabalho presencial ou um regime híbrido.

No âmbito do Projecto Work@Home, do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano da Universidade Católica Portuguesa (CEDH-UCP), foram inquiridos 2757 trabalhadores em teletrabalho (831 a ocupar cargos de chefia). Os resultados do projecto mostram isso, que a transição abrupta para o teletrabalho trouxe muitas desafios relacionados com questões logísticas, como falta de equipamentos ou a necessidade de formação em tecnologias de informação; mas também, e sobretudo, desafios relacionados com a gestão do espaço e do tempo no que concerne à conciliação da vida pessoal com a vida profissional. Desafio particularmente presente para aqueles que tiveram de partilhar espaço de trabalho com outros elementos da família também a trabalhar, a estudar ou a necessitarem de cuidados constantes.

Curiosamente, e também de acordo com os dados do mesmo estudo, as chefias responderam usando os princípios do conceito acima referido: flexibilidade. Ou seja, mesmo neste regime de teletrabalho abrupto, onde o dia-a-dia foi sendo improvisado, o instinto das chefias levou-as a apostaram em atribuir maior autonomia às suas equipas, em fazer um controlo da gestão do trabalho através do cumprimento de metas, objectivos e prazos (ao invés do controlo de horas e de assiduidade) e permitir que os trabalhadores pudessem ajustar o tempo de trabalho às rotinas da sua vida pessoal. No final, é interessante perceber que, de acordo com os resultados obtidos, os trabalhadores e as chefias apresentam genericamente uma visão positiva deste regime e estão preparados para se manterem a trabalhar num formato de trabalho que não seja exclusivamente presencial.

Agora que o teletrabalho começa a deixar de ser obrigatório, muitas empresas começarão assim a debater internamente qual o futuro do teletrabalho. Naturalmente que “cada caso é um caso” e o teletrabalho não serve todas as empresas, nem todas as funções, e muito menos todos os trabalhadores. Por isso, o caminho a seguir está muito dependente da realidade e do contexto de cada organização.

É verdade que para as empresas e funções onde teletrabalho faz sentido, este traz vantagens indiscutíveis, como a redução do tempo (e despesas) em deslocações, melhor conciliação entre a vida pessoal e profissional (quando realizado em pleno e não em plena pandemia), aumento da autonomia e maior satisfação e bem-estar se for de encontro à vontade do trabalhador. No entanto, existem questões que devem ser acauteladas, para prevenir burnout e isolamento social, dois fenómenos abordados neste estudo financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Os resultados obtidos, sobretudo do isolamento social, mostram níveis significativamente mais elevados no regime de teletrabalho em pandemia quando comparado com o tempo anterior, o que deve constituir sinal de alerta para as empresas cuidarem de forma mais próxima dos trabalhadores mesmo que em regime remoto.

Estar mais próximo de quem está longe pode ser um paradoxo, mas também o mote para se traçar uma nova cultura empresarial, flexível/ híbrida, onde cada trabalhador pode escolher em que horas do dia pode e quer trabalhar (sem que isso interfira com o funcionamento da empresa), onde melhor trabalha e como fazer o seu trabalho; e onde, por isso mesmo, as chefias têm de ter um papel ainda mais interventivo na gestão global da equipa conseguindo respeitar a individualidade e as necessidades de cada um, mas sendo simultaneamente um forte elo de ligação entre todos os elementos e entre estes e a organização. Empatia, afectividade, flexibilidade poderão ser factores chave para as chefias no sucesso da gestão do trabalho em modelo flexível.

Não é ainda o momento de certezas, mas não há como fugir, o teletrabalho veio para ficar!

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