Trabalho a partir de casa e tempos de trabalho: o que diz a lei?

Teletrabalho, produtividade e conciliação com a vida pessoal e familiar: desafios em plena pandemia.

Por Luisa de Albuquerque Inácio, associada, da Abreu Advogados

 

O teletrabalho é, actualmente, utilizado amiúde pelas empresas portuguesas em resposta às medidas decretadas para o controlo da pandemia da COVID-19, mantendo a obrigatoriedade em todas as funções que o permitam até fim de Maio.

No entanto, este regime foi excepcionalmente aplicado em Portugal.  Dados divulgados pelo Eurostat indicam que, em 2019, apenas 6,5% dos trabalhadores portugueses trabalhavam à distância.

Desde o seu surgimento em Portugal com o Código Trabalho de 2003, o teletrabalho constitui para as empresas um método eficaz de gestão de recursos humanos, da optimização de infraestruturas e uma medida de diminuição de custos, contribuindo para o aumento da competitividade.

A aplicação deste regime potencia também o aumento dos níveis de produtividade e a organização da jornada de trabalho pelos trabalhadores.

O teletrabalho traz assim variadíssimas vantagens às empresas e aos trabalhadores, ao possibilitar a compatibilização da vida profissional, pessoal e familiar, o que comporta uma alteração de paradigma comportamental no contexto laboral.

No entanto, o teletrabalho não é uma solução aplicável a todos os trabalhadores, estando tendencialmente mais direccionado para o exercício de funções de índole intelectual, que tenham por base o recurso a meios informáticos.

Pese embora os trabalhadores em teletrabalho tenham os mesmos direitos que os demais trabalhadores, pela salvaguarda do Princípio da Igualdade de Tratamento, a implementação inesperada deste regime pelas empresas, enquanto medida obrigatória decretada pelo Governo durante a actual pandemia da COVID-19, através do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de Março, requer alguma reflexão, designadamente quanto à delimitação e organização dos tempos de trabalho.

Se cumpre às empresas que utilizam o teletrabalho a adopção de medidas para a organização dos tempos de trabalho, na conjuntura actual estas medidas são ainda mais prementes para o incentivo à produtividade dos trabalhadores que, pouco familiarizados com esta forma de prestação de trabalho, podem perder facilmente o controlo sobre os seus tempos de trabalho.

A maior disponibilidade dos trabalhadores pela permanente “teleconexão” é actualmente uma realidade devido è recomendação de confinamento.

O esbatimento dos limites que separam a vida profissional da vida pessoal e familiar potencia o aumento de stress e de cansaço dos trabalhadores, o que leva à diminuição da sua produtividade e, em última instância, à quebra de competitividade das empresas.

Por forma a definir esses limites, os trabalhadores devem gerir a flexibilidade que o teletrabalho lhes proporciona e, por outro lado, compete às empresas proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista físico e psicossocial, através da adaptação da sua organização e modelo de negócio a esta forma de prestação de trabalho.

As empresas poderão assim continuar a controlar os registos de tempo de trabalho, desde que constituam soluções tecnológicas específicas e adequadas que garantam o respeito pelos direitos de personalidade dos trabalhadores, nomeadamente, a privacidade e a reserva da intimidade da vida privada, conforme a recente orientação emitida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados a 17 de Abril, mas não só.

Segundo, as “19 Recomendações para adaptar os locais de trabalho /proteger os trabalhadores” emitidas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), as empresas devem minimizar os riscos físicos e psicossociais, assegurar, sempre que possível, formação e informação específica sobre os riscos associados ao teletrabalho, incentivar os trabalhadores a fazerem intervalos regulares ou pausas, a cada 30 minutos, para se levantarem, moverem e, se possível, fazerem exercício físico. Devem ainda garantir uma comunicação regular entre os trabalhadores e entre estes e as chefias, através de reuniões online e videoconferências que permitam a partilha de experiências, dúvidas e contacto social.

A ACT recomenda também a flexibilidade de horários, com enfoque para os trabalhadores com filhos menores que não frequentem presencialmente a escola e para os trabalhadores que coabitem com outras pessoas em teletrabalho no mesmo espaço ou com pessoas com necessidades especiais.

Importa mencionar que, de acordo com o Comunicado do Conselho de Ministros de 30 de Abril de 2020 que aprovou a estratégia para o levantamento das medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia da COVID-19, as medidas de controlo estão a sofrer uma atenuação gradual, mantendo-se o teletrabalho sempre que as funções o permitam.

Subsistem assim também os desafios colocados às empresas por forma a assegurarem uma organização eficaz do trabalho e de garantirem uma correcta gestão do tempo de trabalho dos seus trabalhadores.

Finalmente, se estes meses de adversidade têm demonstrado capacidade de adaptação social, saibamos, trabalhadores e empregadores, aprender com esta experiência e ponderar seriamente sobre os benefícios do teletrabalho enquanto solução a adoptar de forma mais frequente e generalizada a longo prazo, quando “ficar tudo bem”.

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