É preciso questionar (e rever) a fundamentação dos contratos a termo
Por Joana Enes, advogada de Direito Laboral da CCA
Estava a rever uma minuta de um contrato de trabalho a termo certo para uma empresa que espera retomar a sua actividade ainda durante este ano. Deixei a fundamentação do contrato de trabalho “em aberto” para que, em devida altura, seja preenchido pela empresa de acordo com o que forem as suas necessidades.
Esta revisão de minutas de contratos de trabalho a termo para um futuro que se espera ser de retoma económica, mas que se prevê ainda incerto, fez me questionar sobre a fundamentação dos contratos a termo perante a realidade existente no momento da reabertura e/ou reinício de funcionamento da actividade das empresas.
Como sabemos a contratação a termo apenas é legalmente admissível:
- para a satisfação de necessidades temporárias de trabalho, de que são exemplo as elencadas no artigo 140º nº 2 do Código do trabalho, como é o caso do acréscimo excepcional de actividade da empresa, previsto na sua alínea f);
- como meio de redução do risco empresarial, quando esteja em causa o lançamento de uma nova actividade de duração incerta ou o início de funcionamento da empresa ou estabelecimento (pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores), previsto na alínea a) do nº 4 do artigo 140º do Código do Trabalho; e
- por motivos de política de emprego, quando trate de contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração, previsto na alínea a) do nº 4 do artigo 140º do Código do Trabalho;
Com efeito, e embora as empresas utilizem frequentemente o acréscimo excepcional de actividade da empresa para fundamentar os contratos a termo certo, fundamento que, certamente, utilizarão nas próximas contratações, questionei-me se, tratando-se de uma empresa que, por força da pandemia e das medidas governamentais que vêm sendo tomadas tem sido obrigada a encerrar os seus estabelecimentos (o que também se aplicaria às empresas que têm suspensa a sua actividade), não seria mais adequado motivar os contratos com base no fundamento “início do funcionamento da empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa”?!
É certo que, nesse caso, estamos perante um “reinício” de funcionamento da empresa ou da sua actividade, mas a razão de ser deste fundamento, como meio de redução do risco empresarial, não se verifica actualmente?
Em anotação ao nº 4 do artigo 140º do Código do Trabalho referem os autores Pedro Romano Martinez, Luis Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito Guilherme Machado Dray e Luís Gonçalves da Silva que o fundamento de contratação a termo presente na alínea a) [início do funcionamento da empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa”] não é a necessidade temporária de trabalho correspondente ao período em que é incerta a viabilidade da nova iniciativa empresarial, “mas um critério temporal genérico, abstrato, aplicável a toda a vida económica, o qual exige que ao lançamento de nova atividade corresponda risco empresarial. Sendo este uma das características da economia de mercado, conclui-se que o início de qualquer atividade económica permite a contratação a termo, por período não superior a dois anos.”
Considerando que estamos perante uma realidade nunca antes vivida, que desde Março de 2020 tem obrigado as empresas a encerrar e/ou a suspender as suas actividades e que perante um futuro, novo e incerto as empresas estão obrigadas a reinventarem-se, será que não estamos precisamente perante um (re)início de uma actividade económica a que corresponde um risco empresarial merecedor de protecção legislativa? O que permitiria às empresas na retoma da sua actividade económica utilizar tal fundamento na contratação a termo certo durante os próximos dois anos? E devendo tal abranger todas as empresas afetadas e não só as que tenham menos de 250 trabalhadores?!
Na minha opinião, e enquanto medida de apoio às empresas na retoma da sua actividade económica, importava prever a possibilidade legal de as empresas, que durante um determinado período de tempo estiveram com a sua actividade suspensa ou foram obrigadas a encerrar os seus estabelecimentos, poderem, no reinício das suas actividades, recorrer ao contrato de trabalho a termo certo, durante dois anos, por motivos de diminuição do risco empresarial à semelhança do que se encontra previsto na alínea a) do nº 4 do artigo 140º, para o seu início.