Não conseguimos dormir bem. A culpa é do trabalho?
Ao rigor do conhecimento científico que nos revela a importância e nos dá a conhecer as funções e os contornos do Sono, contrapõe-se a pressão pessoal e organizacional que dificulta uma gestão inteligente desta função vital. Todos queremos dormir bem. Só não sabemos como.
Por Helena Rebelo Pinto, psicóloga, professora catedrática convidada e coordenadora da pós-graduação em Psicologia do Sono, da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa.
“Não tenho tempo para dormir”, queixa-se o executivo atarefado, submerso por múltiplos afazeres que enchem o dia e invadem a noite. “Dormir é mesmo uma perda de tempo”, gaba-se o jovem fascinado por tantas e tão estimulantes atracções, sem limites de horas. Cada um à sua maneira, e sem se dar conta, negligencia, desvaloriza e destrói um recurso vital de sobrevivência que é o Sono.
Tema que é hoje abundantemente falado, porém, mal compreendido na sua complexidade e vertentes. Muitas vezes maltratado na organização do quotidiano das pessoas, das famílias, das empresas, das cidades, com graves repercussões no bem-estar, na saúde física e mental, na aprendizagem, no desempenho escolar e profissional, no equilíbrio emocional, ou na regulação da vida social.
As crenças irracionais e os mitos acerca do sono não raro se sobrepõem aos conhecimentos que a Ciência tem proporcionado – quer em termos curativos, quer preventivos – levando a perpetuar e a difundir ideias ultrapassadas ou falsas expectativas que prejudicam a qualidade de vida e frequentemente incapacitam as pessoas para uma vida de qualidade.
Por outro lado, o estilo de vida frenético e denso, próprio da sociedade actual, o stress do quotidiano, no trabalho, na família, na cidade, a competitividade nas organizações comporta exigências excessivas ao presente e geram incertezas quanto ao futuro. Ao rigor do conhecimento científico que nos revela a importância e nos dá a conhecer as funções e os contornos do Sono, contrapõe-se a pressão pessoal e organizacional que dificulta uma gestão inteligente desta função vital. Todos queremos dormir bem. Só não sabemos como. Ou não conseguimos lá chegar. Culpa-se o excesso de trabalho, a azáfama do dia a dia, o acumular dos problemas. Aspira-se a uma vida mais saudável onde o Sono tem necessariamente – sabemo-lo hoje bem – uma posição de destaque.
É uma espécie de encruzilhada entre o possível e o desejável, geradora de impasses no processo de tomada de decisão sobre o que fazer e como fazer para conseguir um sono de qualidade, para nós próprios e para os que estão à nossa volta – na família, no trabalho, nas comunidades de vida, na organização social, na definição de políticas. Questões como o sono das crianças, a duração do tempo de trabalho, a harmonização dos papéis de vida e respectivas tarefas, os horários das escolas, os tempos de lazer, o trabalho por turnos ou a simples mudança da hora, interpelam diferentes níveis de decisão e implicam medidas concretas que favoreçam a qualidade do sono como um elemento fundamental da saúde e bem-estar, da aprendizagem ou da produtividade.
As situações de sofrimento associadas aos problemas de sono estimulam a procura de soluções fáceis e de efeito imediato, de que são exemplo os designados “remédios para dormir”, sugeridos por amigos ou familiares, naturalmente com boa intenção, mas duvidosa competência. A automedicação enquadra-se também nesta atitude imediatista que pretende eliminar sintomas sem cuidar de compreender e mudar o que é a verdadeira raiz do problema, e o que possa, de forma fundamentada, contribuir para a sua resolução.
A importância do sono é reconhecida oficialmente pela Organização Mundial de Saúde e por instituições nacionais e internacionais que têm dinamizado a Medicina e outras Ciências do Sono. Porém, cada um de nós, apenas se dá conta dessa importância, nas experiências dolorosas, e perigosas, das noites de insónia, do adormecimento ao volante, das obstruções respiratórias ou de outros problemas de saúde ou de comportamento. Temos hoje, felizmente, respostas específicas e bastante eficazes para tratar estes problemas e minorar o seu impacto. Os Centros de Sono, as técnicas de observação e diagnóstico, a medicação adequada, a par da intervenção educativa ou reeducativa, proporciona respostas cientificamente fundamentas. Urge consciencializar os poderes públicos para o incremento da sua acessibilidade, bem como informar e sensibilizar a sua procura por parte de quem precisa, e pretende, melhorar a qualidade do seu Sono.
Este é um desafio que nos interpela a todos, em diferentes áreas e em diferentes níveis de responsabilidade de decisão e de execução.