O novo banco de horas

Na sequência das alterações ao Código do Trabalho, foram revogadas todas as normas que permitiam a implementação de um regime de Banco de Horas por acordo individual com os trabalhadores. Mas há uma alternativa.

 

Por Nuno Ferreira Morgado, sócio e coordenador da área Laboral da PLMJ

 

O Banco de Horas surge na legislação laboral portuguesa condicionado pela previsão do mesmo em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, aspecto que, no essencial, inviabilizou a sua utilização. Na sua esmagadora maioria, este regime não foi acolhido na contratação colectiva de trabalho. Em 2012, porém, em resultado do Memorando de Entendimento com as instituições que formavam a Troika, o Código do Trabalho passou a prever a possibilidade de o Banco de Horas poder ser aplicado por acordo entre trabalhador e empregador.

Assistiu-se a uma aplicação ampla desta ferramenta em diversos sectores de actividade, a qual trouxe uma flexibilidade relevante na gestão dos tempos de trabalho e descanso dos trabalhadores.

Não obstante ser um instrumento apreciado por empregadores e trabalhadores, a verdade é que, sob pretexto da reduzida utilização, cedo o actual governo anunciou a vontade em alterar o regime do Banco de Horas, algo que concretizou no final de 2019.

Na sequência das alterações ao Código do Trabalho, introduzidas pela Lei 93/2019, de 3 de Setembro de 2019 e vigentes desde 1 de Outubro de 2019, foram revogadas todas as normas que permitiam a implementação de um regime de Banco de Horas por acordo individual com os trabalhadores (sendo que os acordos individuais de bancos de horas celebrados em momento anterior a 1 de Outubro de 2019, manter-se-ão em vigor por um período de 12 meses).

 

A alternativa
Em sua substituição surge uma espécie de banco de horas grupal, cuja aprovação é realizada por referendo. E é aqui que tudo se complica novamente para as empresas. Antes, porém, de detalharmos os procedimentos e requisitos legais, parece-nos adequado fazer algumas considerações de ordem prática, uma vez que, segundo nos parece, o sucesso deste novo processo está dependente da abordagem estratégica.

Como é sabido, a implementação de um regime de banco de horas passa a estar dependente de um referendo, votado favoravelmente por um mínimo de 65% do grupo de trabalhadores à qual o mesmo será aplicável, sendo tal maioria formada através de votos secretos.

Ora, havendo necessidade de formar uma maioria, é essencial que ocorra uma boa preparação do processo, recomendando-se o seguinte:

a) Diagnóstico: É recomendável que haja uma avaliação (informal) do nível de satisfação dos colaboradores e de como os mesmos vêem a implementação ou a continuação da utilização de banco de horas nas equipas. Tal trabalho permitirá realizar uma estimativa dos resultados de uma possível votação;

b) Definição: Em função dos resultados da fase de diagnóstico, dever-se-á definir quantos referendos se irão realizar, e abrangendo que população. A lei não impõe que exista um único processo de aprovação por referendo do banco de horas grupal. Admite-se, deste modo, que o empregador em função da sua organização e dos seus critérios gestionários promova vários processo, de aprovação por referendo, delimitados, por exemplo, por “área de negócio”, “estabelecimento”ou “linha de actividade”;

c) Proposta: Preparar a proposta de banco de horas, ajustando-a de forma a minimizar os impactos dos pontos de tensão que tenham sido diagnosticados;

d) Comunicação: É essencial que, uma vez apresentada a proposta, a mesma seja objecto de sessões de esclarecimento e, na sequência, de acompanhamento dos trabalhadores por parte das chefias, até à data da votação.

Tendo em conta o que acima expomos, o sucesso de um processo deste tipo começa, em primeiro lugar, na preparação cuidada de um projecto de regime de banco de horas dentro dos limites legais, o qual será submetido à aprovação dos trabalhadores, o qual tem de regular:

a) O âmbito de aplicação do banco de horas deve indicar:
i. A equipa, secção ou unidade económica a abranger,
ii. E, se os houver, dos grupos profissionais excluídos (como acima se disse, a lei não impõe que exista um único processo de aprovação por referendo do banco de horas grupal);

b) O período de tempo durante o qual vigorará o regime de banco de horas (com o limite máximo de quatro anos);

c) A compensação do trabalho prestado em acréscimo, pode ser feita mediante, pelo menos, uma das seguintes modalidades:

i. Redução equivalente do tempo de trabalho,
ii. Aumento do período de férias,
iii. Pagamento em dinheiro;

d) A antecedência com que o empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho em regime de Banco de Horas;

e) O período em que a redução do tempo de trabalho para compensar trabalho prestado em acréscimo deve ter lugar, por iniciativa do trabalhador ou, na sua falta, do empregador, bem como a antecedência com que qualquer deles deve informar o outro da utilização dessa redução;

f) Eventuais compensações adicionais pelo trabalho em regime de Banco de Horas.

O processo concreto de organização e convocação do referendo depende do número de trabalhadores a abranger no mesmo (mais ou menos de 10 trabalhadores), bem como da existência, ou não, de representantes de trabalhadores.

Convocação do referendo para aprovação do regime de Banco de Horas grupal e divulgação do projecto de regime de Banco de Horas

10 ou mais trabalhadores abrangidos
a) O empregador tem de proceder à convocação do referendo com a antecedência mínima de 20 dias, com ampla publicidade, devendo informar os representantes dos trabalhadores (se os houver) e os próprios trabalhadores a abranger sobre o projecto do regime de Banco de Horas, e a data, horário e local ou locais do referendo;

b) O projecto de regime de Banco de Horas tem de ser publicitado nos locais de afixação dos mapas de horário de trabalho e tem de ser comunicado:

Aos representantes dos trabalhadores (se existirem) [para o efeito “consideram-se representantes dos trabalhadores a comissão de trabalhadores, as comissões intersindicais, as comissões sindicais e os delegados sindicais existentes na empresa, pela ordem de precedência indicada”. Na falta de representantes dos trabalhadores abrangidos pelo regime de Banco de Horas grupal, estes podem designar, de entre eles, no prazo de cinco dias úteis a contar da recepção da convocatória e do projecto de Banco de Horas grupal, uma comissão representativa com o máximo de três ou cinco membros, consoante o regime de Banco de Horas se destine a abranger até cinco ou mais trabalhadores.]

À Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), na mesma data em que o empregador proceder à convocatória para o referendo, tem de remeter cópia da convocatória.

 

Menos de 10 trabalhadores abrangidos e não há representantes dos trabalhadores
a) O empregador tem de comunicar à ACT o projecto de regime de Banco de Horas e requerer a designação de uma data para a realização do referendo;

b) A ACT deve notificar o empregador, nos 10 dias úteis a contar da data de recepção do requerimento, da data e do horário para a realização do referendo;

c) Se no prazo de 90 dias, a ACT não marcar a data para o referendo, o empregador pode proceder à sua marcação, com 20 dias de antecedência, devendo informar a referida Autoridade que supervisiona o acto;

d) Na mesma data em que o empregador proceder à marcação do referendo, tem de informar os trabalhadores a abranger pelo regime do Banco de Horas do respectivo projecto e afixá-lo no local de afixação dos mapas de horário de trabalho.

A lei não nos dá orientações no que concerne à realização de referendo, nem à forma de apuramento de resultados (em particular nos processos que cobrem 10 ou mais trabalhadores). Em todo o caso, é do interesse do empregador que o mesmo decorra de forma a poder demonstrar a regularidade do procedimento e a veracidade do resultado do referendo. Deverá ter em conta os normais procedimentos utilizados em processo de votação, no caso por via de referendo (ou seja, em que determinada questão é submetida a votação).

Sejamos claros, este novo regime do Banco de Horas é mais um exemplo de que, em matéria legislativa, continuamos a caminhar num sentido oposto à realidade das organizações e ao futuro do trabalho. Ninguém defende um trabalho sem direitos, mas a rigidez, em vez de flexibilidade, o favorecimento dos trabalhadores em vez do equilíbrio dos interesses das partes, tem sempre como resultado (óbvio e tantas vezes visto) que, em momentos de crise, a única forma de ajustamento é destruir emprego e penalizar (aí sim, e gravemente) os trabalhadores.

Queremos, porém, concluir num tom positivo e realçar que a melhor notícia que saiu desta alteração legislativa é que o Banco de Horas não foi pura e simplesmente eliminado (como se chegou a anunciar). As empresas que quiserem investir tempo e energia na preparação de um processo deste tipo, terão algumas hipóteses de conseguir implementar um Banco de Horas. Resta, porém, ver se alguma organização tem vontade e coragem de o fazer.

 

Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro da Human Resources. 

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