Rui Cordeiro, Critical TechWorks: «O que nos guia é o sonho, não os números num ficheiro de excel.»
A comemorar dois anos de existência, a Critical TechWorks, joint venture entre a BMW e a portuguesa Critical Software para criar o “carro do futuro”, foi dos 0 aos (quase) 1000 em 24 meses. A velocidade é alucinante, mas é de pessoas que estamos a falar. Em facturação, os números são igualmente impressionantes. Este ano, esperam duplicar a facturação face a 2019, para 57 milhões de euros. Mas Rui Cordeiro, à frente da empresa desde o seu início, acredita o sucesso não se mede em objectivos e indicadores, em rentabilidade ou em número de pessoas. «A Critical TechWorks é um caminho e não um destino específico. E o que nos guia é a nossa visão, é o sonho, e não um conjunto de números num ficheiro excel.»
Por Ana Leonor Martins
Por ocasião do segundo aniversário da Critical TechWorks, Rui Cordeiro, CEO e Chief of Purpose da empresa, partilha, em entrevista à Human Resources, alguns dos “feitos” alcançados, mas com os pés bem assentes na terra. Reconhece que terem criado uma comunidade de quase 1000 pessoas, «forte, criativa, talentosa e motivada para, em conjunto, conseguir deixar algo no mundo», é uma conquista, mas uma conquista de todos. Aspiram não a ser muitos nem os melhores, mas a ter orgulho e satisfação no que fazem. «Para isso, trabalhamos para criar um contexto onde, todos os dias, cada um de nós, possa ser um pouco melhor e que a empresa dependa de todos e não de ninguém em particular.»
A Critical TechWorks comemora este mês de Setembro dois anos. O que destacaria como principais conquistas?
A principal conquista foi, sem dúvida, a nossa capacidade de criar um grupo de pessoas diversas, talentosas e com um grande potencial de crescimento, e que sentem e vivem os mesmos valores e cultura. Sermos capazes de criar esta comunidade, partindo do zero, para perto de 1000 pessoas, em apenas dois anos é, sem dúvida, uma conquista de todos.
Adicionalmente, conseguimos integrar-nos bem com os nossos colegas do Grupo BMW. Temos vindo a conquistar o nosso espaço e a mostrar que somos merecedores de confiança. Estamos, cada vez mais, a ganhar autonomia e responsabilidade no desenvolvimento dos diversos produtos.
Quais foram/têm sido as principais dificuldades nestes 24 meses?
Criar uma empresa de perto de 1000 pessoas em dois anos não é algo isento de dificuldades. Contudo, não foi uma surpresa para nós, sabíamos que não ia ser fácil, mas tínhamos a confiança de que ia ser fantástico.
A integração de tantas pessoas num curto espaço de tempo, pessoas com idades muito diferentes, com culturas e experiências também diferentes, foi sem dúvida um desafio. Tivemos de nos ir adaptando e melhorando ao longo do tempo. Quando pensávamos que tínhamos construído um bom modelo para integrar novas pessoas, surgiu a pandemia e tivemos de nos readaptar novamente.
Um outro desafio importante foi a necessidade de iniciar dezenas de projectos em simultâneo em áreas totalmente novas para muito de nós.
A necessidade de compatibilizar a nossa cultura e forma de trabalho com os colegas em outras geografias do grupo BMW foi também algo desafiante, mas que temos vindo a mostrar que somos capazes.
Em termos de equipa, está á vista que o crescimento foi exponencial. E em termos de negócio?
Terminámos 2019 com pouco mais de 600 pessoas e o nosso objectivo para 2020 é chegar às 1000 pessoas. O crescimento da equipa dá uma visão do investimento que o Grupo BMW está a fazer na Critical TechWorks e em Portugal – crescimento esse que continuará nos próximos anos.
Como somos um centro de desenvolvimento interno do grupo BMW e não actuamos no mercado, falar em valores de volume de negócios é algo com pouco significado, mas posso dizer que, este ano, devemos duplicar a facturação face a 2019 para um valor de 57 milhões de euros.
O recrutamento não abrandou com a pandemia? Estavam a recrutar, em média, 30 pessoas por mês…
Temos mantido a mesma média mensal de recrutamento. Já recrutámos mais de 100 pessoas desde o início da pandemia. Contudo, tivemos de adaptar o nosso processo de integração de novas pessoas passar a fazer a incorporação à distância.
E como foi feita essa adaptação? Se tinham as equipas todas em trabalho remoto, como foi feito o onboarding?
Foi também feito à distância, devido às limitações de contacto físico para evitar a possível propagação do vírus. Não houve grande dificuldade em converter tudo o que era feito no escritório para remoto, já que desde o início que somos uma empresa que está 100% na cloud.
O maior desafio é, sem dúvida, conseguirmos criar um acolhimento que deixe os novos colegas confortáveis. Se para nós a situação não é fácil, para eles é ainda mais difícil. Nós trabalhamos baseados em equipas – tipicamente de seis pessoas – e temos nessas equipas pessoas motivadas em integrar os novos colegas, o que torna o processo escalável, mais intimista e personalizado para quem chega.
Temos também áreas de suporte à operação da empresa com pessoas muito competentes e dedicadas, que sabem adaptar-se as novas situações e criar soluções, não apenas dar respostas.
A menor dificuldade que temos sentido neste contexto de pandemia não é fruto do acaso. Muito antes da COVID-19 estar no nosso horizonte, a nossa cultura baseada na flexibilidade, autonomia, confiança e responsabilidade já tinha os ingredientes necessários para lidar com as dificuldades impostas pela pandemia.
O recrutamento também terá mudado, pelo menos na fase final. Não houve dificuldade acrescida para escolher os candidatos, pela falta de conhecer pessoalmente?
Mudou, mas não de forma muito significativa. Já tínhamos integrado no processo de recrutamento entrevistas à distância e outros métodos que não necessitam de presença física.
O mais complicado foi de facto perdermos a capacidade de estar com os candidatos presencialmente. Ainda não há nada que substitua o valor de sentir e perceber quem está à nossa frente. Prefiro um processo que tenha algum contacto presencial.
Ainda a quatro meses do fim do ano, estão já muito próximos da meta estabelecida de chegar aos 1000 colaboradores. Quais os planos/ objectivos para 2021?
Actualmente, contamos com 850 pessoas. Se continuarmos no mesmo ritmo de crescimento dos meses anteriores, atingiremos o nosso objectivo sem dificuldade.
Sei que os números são importantes, mas queria deixar claro que para nós são secundários – é uma consequência e não um objectivo. O que nos importa é criarmos uma comunidade forte, criativa, talentosa e motivada para em conjunto conseguimos deixar algo nosso no mundo. Não temos nenhuma ambição específica em sermos muitos, nem os melhores. Queremos ter a coragem de não ser perfeitos nem obedientes. Queremos sim, em conjunto, ter orgulho e satisfação no que somos e fazemos. Para isso, trabalhamos para criar um contexto onde, todos os dias, cada um de nós, possa ser um pouco melhor e que a empresa dependa de todos e não de ninguém em particular. Se o conseguirmos fazer, duraremos para sempre!
Os objectivos para 2021 serão continuar a consolidar a empresa e ganharmos mais responsabilidade nos produtos que desenvolvemos. Apontamos para um crescimento acima de 20%, mas ainda é prematuro falar em números neste momento.
Agora, qual é o cenário? Já retomaram a “normalidade”? Várias empresas – sobretudo as que trabalham com tecnologia – ponderam adoptar o trabalho remoto a 100% como estratégia de longo prazo. É algo que se imaginam implementar?
Achamos que a normalidade vai ser diferente do que estávamos habituados como normal. Não sabemos como será, mas do ponto de vista das relações laborais, olhamos para tudo o que está a acontecer como uma oportunidade. No entanto, sabemos que não queremos ser uma empresa virtual. Passarmos para um modelo 100% remoto para todos é algo que não queremos. Defendemos a flexibilidade e obrigar as pessoas a trabalharem remotas não é flexibilidade.
Temos um plano em duas fases. Uma mais imediata, que contempla um plano de total flexibilidade até final de 2020, onde as pessoas decidem onde trabalham, incluindo, dar capacidade a quem queria estar no escritório com as devidas medidas de segurança.
A médio prazo, estamos a pensar e testar o que queremos para nós, independentemente da pandemia. Como disse, o nosso objectivo é olhar para a situação como uma oportunidade e não apenas como uma solução para o tempo de pandemia.
No início de Junho, realizamos um inquérito interno para perceber o que as pessoas pensam sobre o tema e essas respostas estão a ajudar-nos a definir o futuro, contemplando as diferentes visões. Desenvolvemos uma aplicação, intitulada “Wally”, que permite aos nossos colaboradores reservarem diariamente o lugar e o piso onde pretendem trabalhar no escritório, assim como lugar de estacionamento no edifício. É uma forma prática de garantirmos que o limite de ocupação dos nossos espaços do Porto e Lisboa não são excedidos.
Iniciámos um trabalho de revisão dos nossos layouts de escritório para os adaptar ao que queremos que seja o nosso futuro modelo de trabalho. Vamos implementar, em Setembro, um piso com o novo layout no Porto e em Lisboa, para que possamos testar, adaptar, evoluir e depois replicar para todo o escritório.
E em termos da comemoração do 2.º aniversário, a pandemia veio afectar os vossos planos?
Sinceramente, a eventual festa de aniversário foi o que menos nos preocupou. Pertencemos a uma das poucas indústrias que tem a sorte de poder manter a sua operação normal, o que, por si só, já nos deixa numa situação de vantagem face a muitas outras empresas e pessoas. Mas, dando vida aos nossos valores, decidimos fazer algo que não fosse apenas para nós e que servisse para dar um contributo, mesmo que pequeno, às comunidades locais onde nos inserimos.
Que comemoração estão a preparar, para quem e em que moldes?
Quando nos confrontámos com a possibilidade de comemorar o segundo aniversário, pensámos logo que apenas fazia sentido se fosse algo que envolvesse a comunidade e que permitisse dar algum apoio a quem está a passar por tempos difíceis. Foi então que surgiu a ideia de descentralizar o nosso evento comemorativo para 40 estabelecimentos, como bares, restaurantes e cafés, na sua maioria esplanadas, entre Lisboa e Porto. Importante referir que os limites impostos internamente para estes locais são inferiores aos recomendados pela DGS e que já tomámos várias medidas para garantir a segurança, tanto da nossa equipa, como do staff dos estabelecimentos.
Durante o primeiro dia de Setembro, as nossas pessoas, que já marcaram o local onde pretendem estar, vão poder celebrar o segundo aniversário da Critical TechWorks acompanhadas de alguns colegas e de uma bebida. Acreditamos que esta é a melhor forma de apoiarmos o comércio local e de, ainda que não possamos estar todos juntos, manter o espírito de equipa e união vivo – estamos longe, mas perto.
Sendo uma empresa que trabalha com tecnologia, não teriam com certeza dificuldade em organizar um evento 100% digital. Por que decidiram não o fazer?
Podíamos fazer um evento 100% digital, mas se o fizéssemos estávamos a fazer mais do mesmo. Estamos em modo praticamente 100% digital há vários meses e a fazer algo teria de ser diferente.
Penso que o modelo que encontrámos é disruptivo face ao momento que vivemos. Permite-nos estar – os que quiserem, claro! – algum tempo juntos, num ambiente diferente e, ao mesmo tempo, permite dar algumas horas de normalidade a um conjunto de estabelecimento comerciais.
Apesar de todas as possibilidades do digital, acredita que é importante as empresas – e as pessoas – manterem alguns “hábitos”, até porque há outras empresas/ negócios a depender disso…? Ou o apoio ao comércio local acabou por ser “só” juntar o útil ao agradável?
Houve uma fase em que nos focámos todos nas questões de saúde e em combater a pandemia, algo que todos devemos continuar a fazer, mas também temos de olhar para a questão económica. Está na altura de todos fazermos um esforço para fazer a economia funcionar. Nós achamos que temos uma responsabilidade nesse sentido e este evento é apenas uma dessas iniciativas, entre outras que estamos a preparar.
O evento em 40 bares, restaurantes e cafés, como criar as condições de segurança para as pessoas poderem voltar ao escritório, faz parte dessas iniciativas. É tempo de cada um de nós agir.
Quais são, agora, os principais desafios para a Critical TechWorks?
Estamos inseridos num grupo do ramo automóvel e perceber como podemos ajudar o grupo BMW a enfrentar esta crise é uma das nossas principais responsabilidades e desafios.
Focando na Critical TechWorks, em particular, os desafios principais prendem-se com o sabermos agir com o momento actual de forma a compatibilizar as necessidades das pessoas com as da empresa e os condicionamentos que a pandemia tem para a nossa operação.
Em que projectos/ ideias – que possam partilhar – estão a trabalhar?
Estamos actualmente a trabalhar em vários projetos. Entre os que podemos revelar, temos, por exemplo, a introdução sem fios do Android Auto e do Apple CarPlay nos veículos, que permite aos condutores utilizar o telemóvel sem que se distraíam da estrada. Estamos a dotar de mais funcionalidades o assistente pessoal personalizado, que é um óptimo exemplo de como a inteligência artificial aliada à nossa voz pode facilitar uma tarefa tão mundana quanto conduzir. Por fim, temos o lançamento da aplicação mobile para os condutores BMW e Mini, que virá facilitar as deslocações dos condutores, permitindo, entre muitas outras funcionalidades, planear rotas e perceber onde há postos de carregamento, por exemplo.
Como se imaginam daqui a dois anos? Que objectivos já querem ter alcançado?
Percebo que a prática instituída seja medir o sucesso com base em objectivos e indicadores, em rentabilidade, em número de pessoas. Considero que a Critical TechWorks é um caminho e não um destino específico. Acredito que se colocarmos a nossa competência, energia, entusiasmo e paixão no que estamos a fazer agora, mantendo a nossa capacidade de adaptação não condicionada por objectivos a dois anos, estou seguro de que ficaremos fascinados no que vamos conseguir atingir no futuro.
Para mim, o verdadeiro sucesso é olhar para trás e ficar orgulhoso pelo que conseguimos alcançar. É uma forma de ter os pés bem assentes na terra. Especular sobre o futuro e ficarmos satisfeitos com objectivos grandiosos daqui a dois anos não é para nós.
O que nos guia é a nossa visão, é o sonho e não um conjunto de números num ficheiro excel.
O vosso desafio passa por construir o “carro do futuro” para a BMW. Que tendências perspectivam em termos de mobilidade?
Entre os projetos que temos trabalhado, antevemos que o futuro da mobilidade passe pela ultraconexão, tanto entre veículos, numa altura em que a condução autónoma for uma realidade mais alargada, como nos nossos aparelhos pessoais. Isto é, vamos ter os nossos dispositivos electrónicos, como os smartphones, constantemente ligados, sem atrito, aos veículos. Isto permitirá, entre muitas outras coisas, apostar na personalização da experiência de condução: falo, por exemplo, de algo tão simples quanto o género musical preferido ou da adaptação do carro ao condutor – e não o contrário, como acontece com a maioria dos veículos ainda hoje. A par disto, antevemos também que a inteligência artificial desempenhe um papel cada vez mais importante, sendo mais um canal que permitirá levar a personalização da experiência e a facilidade de uso a um nível superior.
No fundo, o futuro da mobilidade passa por trazer maior comodidade aos passageiros e condutores e, com a tecnologia que estamos a desenvolver, sentimos que estamos no caminho certo.