Empresas escola
Opinião de Isabel Heitor
Directora de Recursos Humanos do grupo Accor Portugal e conselheira da revista HR Portugal
Acredito que na vida não há coincidências. Também estou convicta que quanto mais trabalhamos maior é a possibilidade de obter melhores resultados, pese embora em determinadas circunstâncias um pouco de sorte possa ajudar.
Esta crença levou-me há vinte anos a criar uma escola de vendas. Alguns dos que lá passaram adquiriram competências que lhes permitiram outros voos. Os mais dedicados, empenhados na escola de vendas sabiam que essa seria uma das chaves do seu sucesso. Hoje muitos dos que tiveram essa atitude são quadros de topo em empresas de renome. Recentemente, quando há cinco anos me juntei ao grupo Accor, constatei que não obstante o negócio ser diferente, o princípio é o mesmo. A empresa tem 16 academias de formaçãoespalhadas por todo o mundo, parcerias com as melhores universidades internacionais, que permitem o acesso à melhor formação em gestão e programas de formação de um nível excepcional. No entanto, o grupo possiu também um programa denominado “école de vie”. De facto, quando hoje tanto se fala de crise, quando se reflete sobre as Empresas escola, não restam dúvidas do papel preponderante que estas assumem na noss sociedade e o quanto podem contribuir para a empregabilidade dos colaboradores. Só que à velocidade a que tudo se passa, ao ritmo e dinâmica que as empresas experienciam não basta saber fazer e saber estar, é preciso saber ser. Desenvolver o saber ser, não se aprende na escola nem nas empresas escola, mas sim na tal escola de vida, que não nos confere certificado de habilitações, nem diplomas, nem alíneas no curriculum vitae. Também não se aprende sozinho a “saber ser”. A academia tem aprofundado conhecimento na área da liderança, discutindo-se o papel do líder no desenvolvimento dos colaboradores, no modo como os inspiram e motivam e os estimulam intelectualmente.
Há quem questione as lideranças que mais recentemente nos conduziram ao estado actual de crise, mas questiono-me se esses líderes não são também fruto daquilo que nós, os liderados, lhes permitimos ser. Se cada um de nós fizer os “trabalhos de casa”, e se aceitar que a vida é um caminho que nos leva onde quisermos ir, independentemente de podermos ter um líder que nos guie ou a quem seguimos, só depende de nós a forma como percorremos esse caminho. Cada um possui o livre arbítrio que nos permite fazer uma viagem que é única e com uma identidade de cada um. Não importa se vamos sozinhos ou acompanhados, quanto tempo dura e onde vamos chegar. O que faz a diferença é o modo como aprendemos com as experiências do dia-a-dia e com o que a vida nos ensina. Não é por acaso que uns têm oportunidade em empresas escola e outros não, e também não é por acaso que uns têm mais sucesso que outros. Cada vez é mais importante que cada um tenha consciência que vive num mundo global e que compete nessa escala. Crescer numa empresa escola é um privilégio, mas se quisermos ir mais além temos de abrir horizontes para que não estejamos circunscritos a uma realidade.
O “Ministerial Council on Education , Employment, Training and Youth Affairs”, considerou em 2003 que as empresas escola são aquelas que promovem o desenvolvimento, competências e atributos que permitem às pessoas serem inovadoras e identificar, criar e iniciar negócios com sucesso individual e colectivo, gerando negócios e oportunidades de trabalho.
Não existem fronteiras nem limites à nossa imaginação e as nossas capacidades e forças estão para além do que conhecemos normalmente. Em suma as empresas escola despertam em muitos casos talentos adormecidos e promovem a empregabilidade interna e externa. Por outro lado, não estou convencida que seja necessário fazer carreira em muitas empresas para ser bom profissional. Hoje vive-se em modo “zapping”, num saltitar permanente como se o mundo fosse acabar em cada minuto. Experimenta-se e deita-se fora. Tudo é descartável. Corremos atrás de nada e ninguém consegue lembrar-se de todos os “professores ou formadores” como antigamente nos lembrávamos do nome do professor da escola primária e todos os que lhe seguiam. Na realidade, tínhamos referências e absorviamos os valores que eram transmitidos. Gostaria de acreditar que a empresa escola consegue criar esse laço com as pessoas. Não para ser saudosista, parar no tempo ou ser “old school”, mas porque se passamos na vida sem nada aprender, subsiste a pergunta: afinal que escolas são estas?
Temos que transformar a nossa vida numa escola onde se aprende diariamente uma lição e isto está ao alcance de todos. Não lemos na mesma cartilha, não temos todos os mesmos professores, mas seguramente queremos todos o mesmo – ser felizes.