Transparente, eu sou transparente – Ninguém repara em mim

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

 

Recentemente tive a oportunidade de assistir à estreia da nova temporada do musical “Chicago” e recomendo vivamente como consumo cultural. Mas as coisas que vivemos devem promover a reflexão e, sobretudo, levar-nos a tirar lições de cada pequena parte da vida, para toda ela. No espetáculo, numa performance excecional, um dos atores representando o papel de Amos Hart, recordou-me a letra do fantástico (no original) Mr. Cellophane, que se transcreve uma parte de seguida, e que fez pensar nos tantos “transparentes” que existem nos contextos de trabalho.

 

“Cellophane, Mr. Cellophane

shoulda been my name

Mr.Cellophane ‘cause you can look right through me
Walk right by me

and never know I’m there”

Com a adaptação da letra para o espetáculo – “transparente, sou transparente, ninguém repara em mim” fui levada para o mundo da gestão de pessoas, num instantinho. Felizmente, parece que as adversidades, necessidades de adaptação e um novo significado do trabalho e das relações de trabalho, trazidos pelos tempos da pandemia, fizeram com que a dimensão humana do trabalho ganhasse uma nova dimensão e novas expressões. Mas nem sempre.

Discutia-se há muito o papel do ser humano no mundo do trabalho face a fenómenos como a robotização, a mecanização ou a digitalização, e parecia já consensual que grandes mudanças se revelam dia-a-dia a esse nível, trazendo-nos a hipótese de humanizar o trabalho de forma diferente, em que o ser humano seria, precisamente, o foco. O surgimento de uma pandemia a nível global veio então voltar a baralhar a equação, e hoje está demonstrado em diversos estudos que foram traços/competências intrinsecamente humanos que permitiram (e vão continuar a permitir) vencer as adversidades – resiliência, capacidade de inovar no sentido de encontrar soluções, gestão emocional e suporte social, são algumas que aqui se destacam.

Dois temas, portanto: Os transparentes e a forma como hoje vemos a relação pessoa/trabalho/empresa, o que nos leva a algumas perguntas – quem são os transparentes da nossa organização? Por que razão são transparentes, ou seja, porque não se dá por eles? O que fazem, porque fazem e como fazem o seu trabalho, cumprem as suas tarefas? Quem permite que sejam transparentes, ou quem faz com que o sejam? Se são transparentes, mas existem por alguma razão válida, como apreciá-los, dar-lhes oportunidades e valorizá-los? Se gere pessoas, quem são os seus transparentes? Resumindo, poderia não contar com os transparentes?

A questão de fundo desta reflexão é a importância que têm, ou podem ter, os menos visíveis e destacados num sistema de trabalho. A gestão de pessoas sempre deu bastante importância e destaque aos “key players” – as lideranças, as funções chave, os “raros e difíceis”, os “experts”, até as chefias intermédias – e está certo. São muitas vezes papéis determinantes para que tudo funcione, e a “cola” que deve agregar e traga efeitos positivos no cumprimento dos papéis e dos objetivos. Mas não se esqueça que sem estes transparentes, nada funcionaria – pelo menos da mesma forma. Se tanto do que somos e fazemos depende (também) dos transparentes, demos-lhe, também, palco.

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