Entrevista: «Este ano 31% das empresas assume a intenção de aumentar o número de colaboradores», afirma Marta Dias Gonçalves, Mercer
O estudo Total Compensation é o maior estudo salarial do país. Tendo como objectivo principal traçar o cenário empresarial português num período em que as organizações se mostram mais confiantes, o estudo concluiu que muitas empresas assumem a intenção de contratar – mais de 30% ainda este ano – e de oferecer incrementos salariais aos seus colaboradores.
Por Sandra M. Pinto
Marta Dias Gonçalves, Rewards Leader da Mercer, entidade responsável pela realização do estudo, revelou em entrevista à Human Resources que o número de empresas participantes cresceu, o que evidencia o facto de, estando mais disponíveis para participar, reconhecerem a importância do acesso à informação que o estudo disponibiliza.
Como surgiu este estudo?
A área de Rewards é uma das áreas core da atividade da linha de negócio de Consultoria de Pessoas da Mercer, sendo o Total Compensation um estudo que se publica há décadas e que chegou a Portugal em 1998. Atualmente, é publicado em cerca de 140 países, envolvendo anualmente cerca de 30 mil empresas e 15 milhões de colaboradores, globalmente.
Em Portugal, ao longo dos anos fomos também “desdobrando” o estudo em edições setoriais – focam em particular o contexto e as funções desse sector – e que são actualmente sete: Seguros, Banca, IT e Telecomunicações, Grande Distribuição/Retalho; Hotelaria, Business Service Centers e o mais recente, que publicamos este ano pela primeira vez, o Mercer Life Sciences, dedicado ao sector farmacêutico e relacionados.
Hoje a que necessidades vem ele dar resposta?
O Total Compensation procura dar resposta à necessidade das empresas de se manterem competitivas no mercado no que diz respeito à compensação e benefícios, permitindo-lhes conseguir atrair e reter talento.
Neste contexto, o estudo funciona como uma bússola, permitindo, com uma periodicidade anual, uma visão geral sobre as práticas e políticas prevalentes no mercado português no que diz respeito a compensação e benefícios. A título de exemplo, em 2021 em Portugal, o estudo apresenta referências de compensação para cerca de mil funções.
Quantas empresas participaram no Total Compensation Portugal 2021 da Mercer?
Participaram no estudo de 2021, 502 empresas.
Comparativamente com as edições anteriores foram mais ou menos as empresas participantes?
O número de participantes tem sido consistentemente crescente desde a primeira edição do Total Compensation. Em 2021 alcançámos o maior número de participantes de sempre, 502. Face a 2020, corresponde a um aumento de cerca de 8%.
Que conclusão retira dessa maior participação?
Por um lado, as empresas estão mais disponíveis para participar, porque reconhecem a importância do acesso à informação que o estudo disponibiliza. Por outro, a própria dinâmica do mercado, cada vez mais global e com mais oportunidades, leva a uma maior preocupação em assegurar competitividade e consequentemente a sua capacidade de atrair, recrutar e de reter as suas pessoas.
Depois de mais de um ano complicado, de que forma estão as empresas a reagir relativamente a um possível aumento do número de colaboradores?
Acreditamos que há sinais muito positivos e que podem traduzir o grau de confiança das empresas na recuperação da economia no pós-pandemia. Para 2021, 31% das empresas assumiu a intenção de aumentar o seu headcount e 37% de manter. Apenas 10% das empresas assume que poderá ter que reduzir o número de colaboradores. É importante destacar, no entanto, que estas reduções não estão unicamente relacionadas com a situação de pandemia, elas têm também a ver com as alterações mais transversais que se observam no mercado de trabalho, por exemplo, em resultado da progressiva digitalização dos serviços, como se têm verificado, por exemplo, no sector da Banca.
A incerteza ainda paira sobre a decisão das empresas contratarem?
Apesar de 27% das empresas assumir que pretende aumentar o número de colaboradores, à data de recolha de informação para o estudo (2º trimestre de 2021), existia ainda um número significativo de empresas (41%) que indicava ainda não ter decidido relativamente a contratações para 2022. Neste sentido, sim, acreditamos que existe ainda alguma incerteza e sobretudo alguma prudência, numa fase em que o país e o mundo começam a dar sinais de recuperação da crise ligada à pandemia.
Evidentemente que isso gera muita indecisão, certo? Não só na contratação como no aumento salarial?
Sim, alguma prudência, sobretudo. Relativamente aos aumentos salariais, a percentagem média apurada para 2021/ 2022 não é muito diferente do observado em anos em anteriores – a rondar os 2 a 3%. É importante destacar também que a larga maioria das empresas atribuiu aumentos salariais em 2021, pelo menos a uma parte da sua estrutura e que essa percentagem aumenta ligeiramente para 2022. Sumariamente, em 2021 cerca de 11% das empresas participantes no estudo congelou os salários para toda a sua estrutura, representando já um decréscimo face aos cerca de 17% de 2020 (conforme
avaliado na “edição especial” desenvolvida pela Mercer em 2020 e que procurava identificar os impactos do COVID-19 na compensação). A perspectiva para 2022 é de que este indicador continue a descer, com apenas cerca de 7% das empresas participantes a prever congelar os salários em 2022. Em 2019 este indicador estava em 3%.
Relativamente aos aumentos salariais previstos para 2022, qual a sua opinião sobre o nível de aumentos?
Os aumentos estimados estão em linha com anos anteriores, ou seja, para as organizações que optam por atribuir aumentos salariais aos seus colaboradores – destacando que são a larga maioria – os incrementos médios previstos não são muito distintos do que se observaram em anos anteriores. No comparativo 2021/ 2022 há uma ligeira perspetiva de aumento, no entanto, em termos médios, inferior a 0,5%.
Poderiam ser maiores?
No comparativo 2021/ 2022 há uma ligeira perspectiva de aumento, no entanto, em termos médios, inferior a 0,5%. Da nossa experiência, as percentagens médias de incrementos têm sido mais ou menos estáveis. Mesmo em anos em que o mercado de trabalho dava sinais de prosperidade, como em 2019 as percentagens médias mantiveram-se estáveis – a rondar os 3%.
De que forma e em que percentagem vão eles mudar relativamente aos anos anteriores?
Relativamente aos incrementos salariais, conforme os analisamos no âmbito do estudo, a nossa expectativa é de que os mesmos possam sofrer ligeiros aumentos, no entanto, sem grandes variações em termos médios. O indicador que consideramos para analisar as alterações efectivas dos salários é a variação salarial, que nos ajuda a perceber, de um ano para o outro qual é a diferença real observada ao nível da compensação (aqui refletem-se não só incrementos salariais, mas também a dinâmica de recrutamentos, saídas, promoções, etc.). Relativamente à variação salarial, o que se espera é que, num contexto económico que se espera positivo esta evolua num também no sentido positivo (com aumentos reais da remuneração no mercado) consistente transversalmente, mas com maior aceleração para os níveis até chefias Intermédias.
Quais as áreas e funções onde estes aumentos são mais significativos?
O que se tem observado nos anos mais recentes é que as áreas de Tecnologias de Informação têm estado muito dinâmicas no mercado, com muitas oportunidades e isso tem resultado em alguma pressão sobre os salários, levando a aumentos mais significativos que em outras áreas funcionais. Este contexto existia já na pré pandemia, com uma elevada procura por estes perfis, mas foi reforçado pela pandemia que levou, por exemplo, a uma aceleração da digitalização ou à maior necessidade de responder a temas relacionados com a segurança informática.
No outro lado da moeda, em que sectores se verifica uma maior estagnação relativamente a este tema?
Naturalmente o setor do Turismo e relacionados (hotelaria, restauração, etc.) foram dos mais impactados pela pandemia. Apesar se não termos dados específicos deste setor, a verdade é que estes eram sectores que no pré pandemia estavam num pico, dada a exposição de Portugal como destino turístico e tendo um impacto significativo na economia do país. A pandemia obrigou estas empresas a fechar portas (na maioria dos casos temporariamente, mas em alguns definitivamente), pelo que naturalmente os incrementos salariais deixam de estar no topo da agenda e a tónica fica colocada em salvar postos de trabalho.
Porque acha serem esses os sectores mais atingidos por essa estagnação?
Todos os sectores relacionados com o Turismo foram profundamente afectados pela pandemia pelo que é natural que sejam também os mais impactados pela estagnação ao nível da compensação.
Parece-lhe que o estudo evidencia já alguns sinais de uma recuperação positiva da economia?
Sim, o estudo de 2021 evidencia alguns sinais de uma recuperação positiva da economia no pós pandemia. Sumariamente, a maioria das organizações demonstram agora mais confiança, e assumem a intenção de contratar e de oferecer incrementos salariais aos seus colaboradores. Os próprios colaboradores parecem estar mais confortáveis com situações de mudança, o que se pode observar do indicador de rotatividade voluntária, que também aumentou face a 2020. Apesar de ainda um pouco
distantes do observado em 2019, todos os indicadores apresentam uma evolução muito favorável.
Que desafios identifica nesta matéria no curto/médio prazo?
No mercado de trabalho e focando em particular o que diz respeito à compensação e benefícios, acreditamos que as áreas de Tecnologias de Informação se vão manter como um desafio. À parte das questões da digitalização, Portugal tem demonstrado ser um país atrativo para a instalação de hubs e centros de excelência nesta área, o que tem contribuído para a dinamização e aumento da oferta no mercado. São áreas funcionais que acreditamos continuarão pressionadas e desafiadas a curto/médio prazo no que diz respeito à compensação.
Um outro desafio é a globalização do mercado de trabalho. Ou seja, a lógica de remote first tornou-se uma realidade e, cada vez mais é natural que o recrutamento não seja local, mas sim global. Ao nível da compensação esta lógica traz desafios imensos e são cada vez mais os clientes que nos procuram com esta questão: perdem colaboradores para empresas internacionais, que vêm recrutá-los para trabalhar remotamente, com valores que não são a prática do mercado português – são superiores. A luta por talento é, cada vez mais, global e este vai ser enorme desafio.
Finalmente, destacamos o tema da flexibilidade. A pandemia mudou a nossa forma de estar e de trabalhar, mudou prioridades e necessidades. Neste sentido, mesmo do lado do colaborador e da compensação e benefícios existe uma procura por soluções mais “à medida”, mais flexíveis e sobretudo mais enquadradas numa proposta de valor mais abrangente (que integra, desenvolvimento, compensação, worklife balance…). Assim, agora que a pandemia começa a ser ultrapassada, as organizações estão a reorganizar-se, tendencialmente, evoluindo para formatos mais híbridos e procurando ajustar a sua proposta de valor.
Na sua opinião, como acha que a economia vai evoluir nos próximos anos?
Os indicadores e previsões económicas apontam no sentido positivo, de crescimento. Os indicadores que observamos através do estudo e que permitem aferir sobre a resposta das organizações, também.
Em geral, é possível observar um cenário de confiança. Somos assim conduzidos a acreditar na consolidação da recuperação pós pandemia e numa evolução favorável do contexto económico.
E o mercado de trabalho, iremos assistir a aumentos salariais mais expressivos ou continuará a não ser essa a tendência?
No que diz respeito aos incrementos salariais, conforme partilhado e considerando a consistência do observado em anos anteriores, não se antecipa que possam existir incrementos médios muito expressivos. Num cenário económico favorável, espera-se sim que a percentagem de empresas que opte por congelamentos salariais continue a decrescer. Acreditamos também que iremos sobretudo assistir a variações salariais mais expressivas no sentido positivo, em particular para algumas funções ou áreas funcionais mais expostas a um maior dinamismo no mercado. A globalização do mercado de trabalho também vai contribuir para que assim seja.