Por estes dias tem-se falado muito em despedimento por justa causa. Um advogado explica (e avança que não é fácil despedir)

O despedimento consiste numa das causas previstas para a cessação (unilateral) de um vínculo laboral. Ora, se atendermos ao critério da motivação, evidenciam-se dois tipos de despedimentos: o despedimento livre e o despedimento com causa (objectiva ou subjectiva).

Por Nuno Cerejeira Namora, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio na Cerejeira Namora, Marinho Falcão

 

O primeiro (despedimento livre) permite à entidade empregadora, como o próprio nome indica, despedir o trabalhador sem qualquer causa justificativa. Veja-se o caso dos Estados Unidos da América, onde existe a figura do “at-will employment”, que permite, regra, à entidade patronal despedir um trabalhador de forma imotivada e, inclusive, sem qualquer aviso prévio.

Já o despedimento com causa objectiva ou subjectiva exige que o despedimento tenha subjacente determinada motivação, que, no segundo caso, passa pela existência de um facto imputável ao trabalhador. Esta exigência encontra respaldo na Constituição da República Portuguesa, que garante aos trabalhadores a segurança no emprego, proibindo despedimentos sem justa causa.

Com efeito, no ordenamento jurídico português, o despedimento por facto imputável ao trabalhador, além de implicar a existência de uma motivação – leia-se, um comportamento culposo do trabalhador –, obriga a que esse comportamento tenha tal gravidade e cominado em tais consequências que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Neste sentido, a lei laboral exemplifica uma série de comportamentos que podem constituir justa causa de despedimento. É o caso da desobediência ilegítima a ordens dadas por superiores hierárquicos, da provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa, do desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo,  da lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, de falsas declarações relativas à justificação de faltas, de faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco, entre outros.

Ora, a verdade é que a maioria dos comportamentos culposos dos trabalhadores tendem a inserir-se num dos acima referenciados. Porém, é essencial uma análise profunda do caso concreto, para se aferir se, naquela relação laboral, os comportamentos em causa foram ou não susceptíveis de gerar uma quebra total da relação de confiança existente entre as partes.

Pense-se, por exemplo, no caso do trabalhador que se apresenta alcoolizado no local de trabalho. Ainda que pareça evidente que existe uma enorme quebra de confiança, a verdade é que vários factores podem determinar a ilicitude do despedimento, nomeadamente aqueles respeitantes à legalidade da realização dos testes de alcoolémia.

Por outro lado, casos existem em que, ainda que pareça surpreendente, à sociedade civil, que um trabalhador seja despedido com base naqueles, os tribunais têm considerado que efectivamente existe uma forte quebra de confiança, suficiente para suscitar a aplicação daquela sanção. Penso, por exemplo, no caso de um trabalhador que consumiu um produto no valor de um euro existente no estabelecimento de cafetaria da entidade empregadora, sem o ter pago previamente.

Um outro caso paradigmático é o do trabalhador que incorre em cinco faltas injustificadas seguidas. Ora, sendo certo que o Código do Trabalho prevê que constitui justa causa de despedimento a existência de cinco faltas seguidas, os tribunais portugueses têm vindo a entender que a aplicação dos critérios do grau de lesão dos interesses da entidade empregadora deve, também, aplicar-se às faltas não justificadas, o que pode implicar que ainda que um trabalhador dê cinco faltas seguidas, não consubstancie tal comportamento facto grave o suficiente para determinar uma quebra total e irremediável de confiança.

Quer isto significar que o preenchimento de uma ou mais das alíneas constantes do preceito legal relativo à noção de justa causa de despedimento não é suficiente para se afirmar a existência de tal justa causa.

Ao mesmo tempo, no ordenamento jurídico português,  precisamente por não existir um modelo de “despedimento livre”, a entidade empregadora que queira despedir um seu trabalhador vê-se obrigada a instaurar um procedimento disciplinar, o que, em termos gerais, implica que os comportamentos susceptíveis de constituir justa causa de despedimento sejam comunicados, por escrito, ao trabalhador que os tenha praticado, através de uma “Nota de Culpa”.

Nessa nota de culpa, deve constar a intenção de proceder ao despedimento do trabalhador, assim como uma descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, o que deve acontecer com respeito, em princípio, por dois prazos: i) um ano sobre a prática da infracção, e ii) 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.

O trabalhador tem direito a defender-se, apresentando resposta à nota de culpa no prazo de 10 dias úteis após a recepção da mesma, na qual pode requerer a realização de diligências probatórias necessárias para o esclarecimento da verdade – por exemplo, a inquirição de determinadas testemunhas. Pode ainda, querendo, consultar o processo, através de requerimento ao Instrutor do procedimento disciplinar.

Finda a fase de instrução, surgem os prazos conexionados com a decisão: i) 30 dias a partir da data da conclusão da última diligência probatória para proferir decisão e ii) três meses para aplicação da sanção após a decisão.

Por fim, no que tange à ilicitude do despedimento, refira-se que se trata de uma matéria alvo de elevada litigância judicial, sendo certo que uma das causas corresponde à improcedência do motivo justificativo do despedimento.

Entre nós, as consequências não são brandas. O tribunal judicial que declare a ilicitude do despedimento poderá condenar a entidade empregadora: 1) a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais; 2) a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, OU, consoante a opção do trabalhador, no pagamento de uma indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade; 3) a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.

O sobredito reflecte, eficazmente, as complexidades que subjazem ao despedimento de um trabalhador em Portugal. De facto, um simples “you’re fired” não só é insuficiente, como configura um despedimento ilícito, sendo de evidenciar que o nosso ordenamento jurídico, num ponto de vista de direito comparado, é um dos mais exigentes e ritualistas no que tange à cessação unilateral, por iniciativa da entidade empregadora, do contrato de trabalho.

É assim relevante que a entidade empregadora esteja ciente de todos os trâmites legais e procedimentos que subjazem ao despedimento por facto imputável ao trabalhador, para que não venha a ser surpreendida pelas graves consequências que advêm da declaração da ilicitude do despedimento.

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