A fricção é positiva, se não for com os seus colaboradores
Por Nuno Pereira, cofundador e CEO da Paynest
A ideia de fricção é algo que gera logo, numa primeira impressão, um sentimento negativo. Quando mencionada, provavelmente é porque algo não correu como o esperado, teve mais obstáculos do que o previsto e pode mesmo nem ter chegado a acontecer. Inclusive, cria-se a ideia de que algo até pode ser mais meritório por ter encontrado mais fricção no seu caminho.
E a verdade é que a fricção é algo positivo – sem ela, deslizaríamos como pinguins no gelo, nenhum prédio seria mais estável do que uma torre de jenga e definitivamente que uma das maiores invenções do homem nunca teria acontecido: o fogo. Até entre pessoas a fricção pode ter resultados incríveis, com a oposição de duas ideias a gerar uma terceira mais potente e unificadora.
Em suma: a fricção é algo bom. Mas não se surgir entre uma empresa e os seus colaboradores. E muito menos se o tema for o dinheiro destes. Neste contexto, a existência de qualquer atrito poderá pôr em causa o bem-estar, a produtividade e a lealdade das pessoas para com o empregador. Consequências? Essas serão óbvias, mas valem a pena recordar: menor performance da empresa, custos e tempo despendidos em gestão de recursos ou na sua substituição – já que um aumento da rotatividade será esperado -, e uma consequente perda de atractividade e competitividade, num mercado que já há muito que não apresenta disponibilidade de talento em excesso.
A discussão mais macro pode prender-se com o nível salarial, enquanto prefiro voltá-la para o bem-estar financeiro do colaborador como um todo. Isso inclui o salário, claro, mas vai além disso – a flexibilidade, a acessibilidade e a transparência em relação a pagamentos, sejam salário, subsídios, comissões ou prémios de produtividade; a rapidez e a eliminação de burocracia associadas a processos de reembolso de despesas; a clareza e a visibilidade em tempo real de benefícios financeiros estabelecidos; o acesso e a promoção de mecanismos de educação financeira para criar uma força de trabalho motivada e confiante com o seu futuro financeiro, entre outros.
Para eliminar as más fricções à volta do dinheiro, adoptar uma cultura de transparência e comunicação sobre os temas financeiros é um factor basilar. Mas, além disso, as próprias equipas de recursos humanos e financeiras devem estar munidas das melhores ferramentas para o fazer, já que elas próprias enfrentam imensos atritos – e estes também pouco frutíferos – nos seus processos diários. O excesso de ficheiros, plataformas e a complexidade que o simples pagamento de um salário, subsídio, comissão ou reembolso de despesas, entre outros, pode ganhar são faíscas para que ocorram erros e se ponham barreiras a soluções que procurem promover o bem-estar de que falava.
Imagine o dia em que o trabalhador tem uma clara visão e (igualmente importante) uma total compreensão dos seus rendimentos, incluindo benefícios e outros rendimentos extra; sabe como está a sua performance e a da empresa, podendo antecipar períodos mais ou menos favoráveis para as suas finanças; escolhe livremente quando e quanto quer receber com base no método que lhe permitirá gerir melhor o seu dinheiro – assumindo as boas práticas de poupança e investimento -, e tem a confiança e autoconhecimento para saber quando recorrer a um especialista que o esclareça em relação à sua situação financeira. Acredita que existiriam tantas fricções?
Para isso, há que também dar essa clareza e visão global às equipas de RH, muni-las das ferramentas certas (e não de muitas ferramentas). Só desta forma estas conseguirão dedicar-se à gestão do talento e à identificação de oportunidades de valorização individual dos colaboradores, proporcionando-lhes as melhores condições para prosperarem profissionalmente, mas também financeiramente. Vale a pena parar para pensar nas outras camadas que estão a criar fricção entre a empresa e os colaboradores – pode ser a chave de ouro para uma equipa mais feliz e estável e para uma empresa mais forte e competitiva.