O que leva os colaboradores a sair das empresas? Mais importante, o que os faz ficar?

Uma cultura de compromisso sólida passa pela aposta no talento interno, na formação e desenvolvimento, na flexibilidade e autonomia. Pelo menos na AstraZeneca, na Delta Cafés e na Sovena.

 

Por Tânia Reis

 

O AESE Business School começou o ano a promover mais um pequeno-almoço executivo People & Management, no qual três líderes de Recursos Humanos partilharam as melhores práticas e aprendizagens sobre atrito e retenção de talento. Ana Rita Lopes, directora de Recursos Humanos da Delta Cafés, Maria João Maia, Legal & HR director da AstraZeneca, e João Guerreiro, People and Culture director do Grupo Sovena, estiveram à conversa com José Fonseca Pires, professor da AESE e um dos autores do estudo “Atrito e retenção de talento”, que serviu de mote ao debate.

«É uma realidade que há uma certa “batalha” pelo talento nas empresas», e isso torna «a atracção e fidelização do talento um ponto importante na agenda das organizações», começou por afirmar José Fonseca Pires. À pergunta «no último ano, pensou seriamente em sair da sua empresa», revelou que quase 40% dos inquiridos responderam afirmativamente. Destacou contudo «uma geração intermédia, daquelas pessoas que levam as empresas para a frente, com enorme potencial e grandes responsabilidades», à qual apelidaram de «geração negligenciada», e aí a percentagem subia para 42,5%.

Entre as causas, o top 5 de factores de atrito resumia-se a «chefias tóxicas; cultura empresarial tóxica; falta de perspectiva de carreira; reconhecimento; e remuneração». No extremo oposto, os factores de fidelização incluíam «as chefias; a perspectiva de carreira; a cultura empresarial; a conciliação vida pessoal e profissional; e os incentivos financeiros».

Partindo destes dados, quis saber de que forma na AstraZeneca, na Sovena e na Delta Cafés lidam com o tema da escassez de talento. Na AstraZeneca, aposta-se primeiramente no talento interno, referiu Maria João Maia. «Das contratações e promoções, 80% acontecem internamente», não só a nível funcional, ou seja, na mesma área, mas também lateral, de áreas diferentes e a nível global. «Só no ano de 2024, num universo de 250 na parte de Farma, tivemos 80 movimentações entre talento interno», partilhou. Outro factor-chave é a retenção. «Queremos criar uma cultura de oportunidades, e que seja informal, onde as pessoas se sintam bem» e isso comprova-se com «1% de turnover».

Já João Guerreiro, responsável de Pessoas do grupo detentor das marcas Oliveira de Serra e Fula, realçou a importância da certificação de empresa familiar e responsável, dando nota que a atracção e a retenção estão intrinsecamente ligadas. «Tínhamos medidas de conciliação e de benefícios, mas não estavam interligadas. Esta certificação permitiu-nos sistematizar, harmonizar e comunicar de forma concreta e mais transparente todas as nossas medidas», que vão desde seguros, programa de nutrição, o Dia da Família, o Dia Sovena, entre outros. «Todo este pacote, sob esta certificação, além da melhoria contínua e métricas, permitiu uma melhor e maior visibilidade no que diz respeito à atracção e retenção», reconheceu.

Estando presentes nos três sectores – vertente agrícola, área industrial e bens de consumo –, o Grupo Sovena implementa estratégias diferentes para cada uma delas para mitigar a escassez de talentos. «Na área industrial, temos programas com escolas técnico-profissionais para dar resposta e alimentar o pipeline de que necessitamos», dando como exemplo a Escola de Elvas e de Serpa no programa de inovação e empreendedorismo, ou a ligação à Fundação Amélia de Mello no âmbito das bolsas de licenciatura e de mestrado.

No caso da Delta Cafés, empresa familiar, Ana Rita Lopes realçou como ponto de partida o próprio conceito de talento. «Para mim, é um conjunto de habilidades, de conhecimentos de capacidades, mas também muito atitude, comportamento e forma de estar, independentemente da idade», disse. Na empresa de Campo Maior, todas as oportunidades de emprego são partilhadas primeiro internamente. «Há dois ou três requisitos mínimos, mas todos os colaboradores podem candidatar-se às posições internas.» Com uma forte área comercial, a responsável de Pessoas partilhou também o programa Salesforce Talent, onde recorrem a escolas profissionais em busca de «alunos com vontade e atitude». «Depois, o conhecimento técnico damos-lhes cá dentro», explicou.

 

Como gerir ambientes tóxicos?
Na Sovena, a gestão da toxicidade passa pela «prevenção, minorar e procurar eliminar», através de mecanismos eficazes, como «o quadro e as políticas de conduta e de ética da empresa», revistas anualmente e transmitidas aos colaboradores. Ainda que a equipa de Pessoas e Cultura ajude, facilite e coordene, «são as chefias as responsáveis pelas pessoas e, com estas ferramentas, têm de estar atentas no dia-a-dia», sublinhou João Guerreiro, assegurando que, além da formação e da sensibilização, é fundamental estar no terreno. «Costumo dizer que, pelo menos na equipa de Pessoas e Cultura, devíamos ser todos engenheiros e arquitectos: engenheiros para derrubar muros e arquitectos para construir pontes.»

Ana Rita Lopes acrescentou a transparência, a frontalidade e a criação de zonas seguras para os colaboradores poderem partilhar «problemas internos ou externos, porque muitas vezes não se sabe o que se está a passar» e podem ser factores externos. Mas a transparência e a frontalidade devem funcionar nos dois sentidos, tanto por parte dos colaboradores como das lideranças. E exemplificou com a «mensagem do CEO, em que Rui Miguel Nabeiro fala trimestralmente com os colaboradores sobre o que aconteceu nos últimos meses e o que se prevê nos próximos». Mas quando as coisas não correm bem, também é fundamental ser frontal e conversar com o colaborador. Para a directora de Recursos Humanos da Delta Cafés, «esta transparência, as pessoas perceberem que fazem parte dos problemas, mas também das soluções, ajuda a que este ambiente tóxico não exista».

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Fevereiro (nº. 170) da Human Resources, nas bancas.

Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

Ler Mais