Há colaboradores a ir às empresas (porque são obrigados) só “picar o ponto” e voltam para casa. É assim que o estão fazer

À medida que a maré continua a virar contra o trabalho remoto e híbrido, os colaboradores estão a recorrer a formas cada vez mais astutas para evitar o regresso ao escritório, revela o The Telegraph.

 

Desde a pandemia, muitos trabalhadores britânicos descobriram a facilidade com que podiam realizar os seus trabalhos remotamente, enquanto punham uma máquina de roupa a lavar.

Durante algum tempo, os empregadores estavam igualmente satisfeitos, mas o trabalho remoto e híbrido tornou-se o bode expiatório para os problemas de queda de produtividade. A solução? Obrigar os trabalhadores a voltar para o escritório.

O “2025 Labour Market Outlook” do Chartered Institute of Personnel and Development descobriu que 30% dos grandes empregadores do sector privado estão a planear exigir mais dias no escritório, tal como 17% dos empregadores do sector público. Também dados do LinkedIn de 2024 mostram que as vagas de emprego totalmente remoto diminuíram 6% em relação ao ano anterior.

No ano passado, a Boots exigiu o regresso ao escritório a tempo inteiro, a JP Morgan fez todos os trabalhadores regressarem cinco dias por semana (sem poder de decisão da gestão sobre como isso funcionaria), enquanto a Amazon anunciou planos para escalonar o regresso ao escritório a tempo inteiro.

Muitos colaboradores basearam as suas vidas na suposição de que os seus padrões de trabalho híbrido se manteriam.

A preferência pelo trabalho flexível é tal que um terço dos jovens trabalhadores planeia ignorar os pedidos de regresso ao escritório ou procurará um novo emprego se forem forçados a regressar, indica um estudo da TopCV. Outros estão a recorrer a métodos que esperam passar despercebidos junto dos managers.

«Às vezes, simplesmente não me apetece ir»

A mais recente abordagem da Amazon para gerir a assiduidade no escritório – dando aos managers dados sobre os dias em que os colaboradores vão ao escritório, mas não por quanto tempo lá ficam – é disso exemplo.

Como os managers não sabem quanto tempo os colaboradores estiveram no escritório, pode tratar-se simplesmente de “coffee badging” – em que os colaboradores vão ao escritório, “picam o ponto”, dão dois dedos de conversa enquanto tomam um café e depois voltam para casa.

Essa abordagem é bastante comum, explica Gary Cookson, fundador da consultora Epic HR. Actualmente, alguns colaboradores estão a contornar as regras com sistemas de presença digitais que podem ser manipulados ao passar o cartão de identificação, mas sair imediatamente, com alguns a ligarem-se ao WiFi da empresa a partir do parque de estacionamento antes de se irem embora, dando a entender que “estiveram no edifício”.

Um colaborador de uma grande editora, que exige dois ou três dias por semana no escritório, conta que, com horários de entrada e saída flexíveis, para permitir que os colaboradores evitem as horas de ponta, as chefias têm dificuldade em acompanhar quem está a cumprir ou não.

«Muitos colaboradores desaparecem sem avisar. Ninguém está a controlar adequadamente se alguém está no escritório durante 30 minutos, um dia inteiro ou o número de dias contratualmente obrigatório.»

E acrescenta que está preocupado que outros benefícios possam estar em risco se as regras continuarem a ser desrespeitadas.

Noutra empresa, uma colaboradora revela que foi determinado um número específico de dias no escritório, mas a ambivalência da gestão dessa política, bem como a capacidade de manipular a presença física através de uma aplicação de login hotdesk, significa que não é rigorosamente aplicada.

«Os managers que têm filhos ou cargas de trabalho elevadas não se dão ao trabalho de controlar as presenças no escritório», refere, acrescentando que, muitas vezes, as crianças são a desculpa perfeita para sair do escritório. «Quando digo que tenho de ir buscar os meus filhos à escola, 90% das vezes é verdade, mas às vezes simplesmente não tenho vontade de ir e os miúdos são a desculpa perfeita.»

Da mesma forma, outros estão a usar desculpas “mais caseiras” para faltar ao trabalho. Uma profissional de uma empresa ligada à educação afirma que inventou consultas médicas, entregas de encomendas e reparações domiciliária fictícias para trabalhar a partir de casa.

«Digo que tenho consultas marcadas a horas estranhas do dia, ou estou à espera que alguém apareça e arranje a máquina de lavar, ou finjo estar doente para poder sair do escritório a meio do dia e depois trabalhar em casa.»

Outro profissional, que trabalha numa universidade, diz que não inventa desculpas para não ir, mas exagera os acontecimentos reais para retomar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

«O esquentador está avariado? Preciso de uns dias em casa para resolver isto. Criança doente? Preciso de trabalhar em casa para cuidar deles. Os colaboradores precisam de aproveitar ao máximo cada doença e problema», defende. «Não está a perguntar ao seu empregador, está a informar, e como a maioria das empresas tem políticas sobre doenças e emergências, está a usar as políticas de RH contra elas.»

 

Como desencorajar estes comportamentos

O conflito entre impor novos padrões de trabalho e garantir que os direitos dos colaboradores são cumpridos está a colocar os departamentos de RH numa situação delicada.

Idris Arshad, head of People da Asthma + Lung UK, entende que as estruturas de trabalho têm causado debate, com a balança a pender para o lado dos defensores do regresso ao escritório.

O fundamental, diz, é garantir que as empresas têm boas razões por detrás destas mudanças e que estas são devidamente explicadas a todos os colaboradores.

«As organizações devem dizer porque é que estão a tomar essa medida, porque é que isso acrescenta valor», defende Arshad, acrescentando que qualquer mudança deve dar aos colaboradores tempo para se adaptarem, bem como «um forte argumento para que os colaboradores não tentem desrespeitar as regras».

A seu ver, se os motivos para qualquer mudança forem geridos e comunicados de forma eficaz, o ónus de decidir se quer aderir às novas regras ou sair fica do lado do colaborador.

Os empregadores não devem ignorar o facto de aqueles que se manifestam contra o regresso ao escritório poderem prejudicar o sentido de justiça dentro da empresa. «Há uma sensação de injustiça quando as regras não se aplicam a todos.»

Amanda Trewhella, Employment director da sociedade de advogados Freeths, acrescenta que os empregadores que não aplicarem as suas próprias regras só causarão mais problemas no futuro.

«Se uma empresa tem uma política com um número mínimo de dias, mas não verifica se está a ser cumprida, torna-se difícil começar mais tarde a ser mais rigorosa», explica, acrescentando que, ainda assim, os empregadores podem recorrer a uma acção disciplinar se um colaborador recusar cumprir as regras.

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