A era da falta de humildade intelectual: Eu podia ter escrito isto!

Eu podia ter feito isto, podia ter sido isto e até podia ter escrito isto. Parece-lhe familiar? Falar é muito fácil, mas executar exige mais do que palavras melódicas: é preciso trabalho, experimentação e paciência.

 

Por Rita Oliveira Pelica, Chief Energy Officer da ONYOU & Portugal Catalyst – The League of Intrapreneurs

 

É curioso como se fala tanto de síndrome do impostor, mas pouco se investe em explorar o tema da síndrome dos “treinadores de bancada”. Uma espécie de lado A e de lado B do mesmo disco. Sob a melodia da confiança e da competência, no lado A – o dos impostores – toca a música da competência, mas com notas mínimas de confiança e de excessiva humildade. No lado B, a dos treinadores, a música é outra. A confiança é exacerbada e a competência pouco vincada, com notas destacadas de arrogância.

Ouvi dizer, em jeito de déjà vu auditivo, que a arrogância é uma soma de ignorância e de convição. Estranhamente, aqueles que se auto-intitulam como muito visionários, sabem bem auto-adjectivar-se no grau superlativo analítico, apesar de não terem obra feita para o demonstrar. Parece que têm uma espécie de cegueira quanto aos seus pontos fracos e que utilizam uma lupa para ampliarem os seus pontos fortes.

Principalmente para quem tem a ousadia de mostrar iniciativa, nas organizações, se o ambiente não soprar a favor da inovação, é muito fácil assistirmos ao seguinte fenómeno. O do renascimento de novos “velhos do Restelo” – não só daqueles que se posicionam mais acima na hierarquia, mas também daqueles que se designam por “pares”. Os colegas do lado, que tendem a desvalorizar o trabalho dos outros, por se julgarem sobejamente superiores, pelo menos na sua criticidade pouco isenta.

Fazendo a analogia para o mundo da arte, por exemplo, é o mesmo que dizer que “eu podia ter pintado” os quadros de Kandinsky (afinal, trata-se de arte abstrata!) ou de Mondrian (afinal, são só umas linhas pretas que se cruzam e cujos espaços entre elas são pintados a três cores). Poder, podias, mas não fizeste.

De volta ao mundo corporativo, o frasear seria mais “eu podia ter tido essa ideia”, “que ideia tão básica” ou, a minha favorita de sempre: “eu já tive essa ideia há uns anos”. “Essa ideia é minha”, mas dela não reza a história, nem há qualquer evidência prática, porque essa ideia provavelmente jaz no “cemitério das ideias” (pode ser uma gaveta sem janelas, no escritório ou em casa), ou apenas numa cloud pessoal (na cabeça do próprio).

Parece tão fácil apontar o dedo ao(s) outro(s), sem sentido de auto-análise, minimizando-o(s), mesmo sem se ter alguma “prova dada”. Pelo menos quem faz, tem um mérito: o da concretização. O resultado, seja ele um sucesso ou não, tem sempre uma vantagem: a do processo de aprendizagem inerente a este experimentalismo e a esta mentalidade de “cientista”.

E quem não faz? E que afirma, peremptoriamente, “eu podia ter feito”? E que podia ter sido isto ou aquilo? Provavelmente, apenas tem um best of de desculpas e um repertório de situações que não lhe foram favoráveis e que foram um impedimento à execução (totalmente externas e fora do seu controlo, claro).

Paradoxalmente, os “treinadores de bancada” parecem sofrer de um enviesamento cognitivo denominado efeito Dunning-Kruger (pessoas pouco competentes numa tarefa sobrevalorizam a sua competência nessa área, não reconhecendo a sua ignorância). A ciência explica.

A supremacia do “bitaite” tem de ser rebatida com ideias para implementar e com opiniões fundamentadas, com abertura de espírito e de aprendizagem contínua. «A ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento », já dizia Charles Darwin. E precisamos de gerar confiança através do conhecimento, do que sabemos e do que não sabemos.

Eu podia ter escrito este artigo. E vocês?

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio (nº.149)  da Human Resources, nas bancas.

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