A jornada da liderança é dura. Há uma nova competência que se exige

A jornada da liderança é duríssima e ninguém fala sobre isso. Sempre foi uma trajectória muito solitária.

 

Por Mariana Clark, Psicóloga e Conselheira de Talent Engagement na LLYC Brasil

 

A crise impõe-nos um novo modo de operar. Muitas perdas, sociedades em dor e estatísticas assustadoras sobre as doenças mentais. Equipas sobrecarregadas e a emocionalidade comprometida. Stress evidente potenciado pela pandemia. Líderes a terem mais exigências e, por isso, em crise. Como apoiá-los, como consumir um maior repertório, como ampliar os seus recursos emocionais para melhor lidarem com as adversidades e os desafios emocionais apresentados nesse contexto?

Sugiro uma nova competência: a Regulação Emocional. A capacidade que o indivíduo precisa de ter para modular os seus estados emocionais. Com o longo caminho do autoconhecimento feito, à medida que ele alcança esse nível de consciência, poderá oferecer uma base segura para os seus subordinados.

Em paralelo, temos desafios enquanto sociedades. Ao longo dos últimos anos, construímos uma forma de fazer negócio que está cada vez mais insustentável. Temos um modelo de capitalismo que não se preocupa com os recursos naturais, que não observa os problemas da desigualdade social. O modelo económico actual que nos trouxe até aqui, levou-nos para esta situação de crise: crise socioambiental, falta de conexão com o colectivo, crise energética, violência, fome, desigualdade social e perda de diversidade.

Existe, porém, uma nova consciência que liga esses aspectos e percebe que o meio ambiente é o equilíbrio fundamental. O movimento do Capitalismo Consciente e a Liderança do Cuidado traz essa proposta. Como podemos repensar a forma de fazer negócios e investimentos, para que possamos alcançar sociedades nas quais o bem-estar social é o foco de toda a humanidade?

O movimento é baseado no capitalismo para todos os stakeholders, para além do lucro das organizações e para além das fronteiras das organizações. Todos são impactados ou inspirados pelo propósito dessas organizações.

Entendemos que as empresas são verdadeiras potências capazes de transformar os seus ambientes e, consequentemente, a sociedade em que estão inseridas. Mas, para isso, precisaremos de lideranças com coragem para nos apoiar nessa transformação. E os líderes sentem-se preparados para essa mudança?

 

A exigência emocional
Quando entregamos a nossa carteira de trabalho, entregamos também uma série de competências descritas no nosso currículo, de acordo com o nosso percurso profissional. Na entrevista de trabalho, apresentamos as nossas competências, casos de sucesso e insucesso, conquistas, resultados, capacidades, desejos, aspirações, sonhos e, sobretudo, uma responsabilidade de entregas e resultados técnicos para aquela função específica. Precisamente à medida do que a organização nos remunera.

O resultado esperado precisa de ser entregue, mas isso não está em questão. Podemos até dialogar e negociar tudo aquilo que envolve as metas exigidas pelo cargo. Porém, sabemos que existe uma procura velada que extrapola o técnico.

No geral, para ocupar uma cadeira de liderança, procuramos alguém do tamanho dessa vaga. Sabemos também que, em muitos casos, escolhemos alguém que ainda está aquém dos desafios exigidos, mas que apresenta capacidades, sinais e desejos de se desenvolver e alcançar maturidade e conhecimentos para o fit ideal.

Ou seja, para um maior esforço de sucessão das organizações e da preparação prévia para ocupar cargos de liderança, o mais habitual é: apostas. Apostamos em profissionais capazes de assumir novos desafios, o que significa assumirmos que, muitas vezes, colocamos esses profissionais na “boca do leão”. A partir daí, nascem dúvidas, inseguranças, síndromes do impostor, ameaças e muita solidão. E essa distância afasta ainda mais esse líder da possibilidade de troca, sobretudo da possibilidade de encurtar caminhos para o seu desenvolvimento.

A jornada da liderança é duríssima e ninguém fala sobre isso. Sempre foi uma trajectória muito solitária, porque além das responsabilidades técnicas, são exigidas responsabilidades com o outro, e isso às vezes não está nos planos de muitos daqueles que desejam crescer e assumir posições de maior visibilidade. E quando está nos planos, de um modo geral, as lideranças são surpreendidas sobre o quanto nos exige emocionalmente e nos requer uma energia extra em liderar pessoas.

 

Reflectir sobre o papel do líder, precisa-se
Depois de muitos anos a rever o papel do líder, hoje está claríssimo que a agenda pode ser positiva, de afecto e de acolhimento. Cada vez mais se torna necessário uma reflexão sobre o papel do líder. É imprescindível falarmos sobre os desdobramentos que a pandemia nos impôs e de todas as oportunidades que foram agregadas nessa função.

É importante reconhecermos que nos encontramos no meio de um processo de profundas transformações e é importante procurarmos saídas e rotas, dentro do que for possível para cada liderança, para conseguirmos resgatar a confiança e a esperança no desafio social de liderar e encorajar pessoas a partir de um lugar mais humanizado.

Há uma exigência de assimilar o novo, de reflectirmos sobre como me vou posicionar, como vou atravessar esse processo, como quero sair do outro lado. Precisamos de reconhecer o que de facto está a acontecer individualmente para que possamos ser bons exemplos para as nossas equipas.

O líder que reconhece estar em dor não perde a sua autoridade, muito pelo contrário, expressa-se de uma forma muito mais potente: quando o seu humano se conecta com o humano do outro, e essa talvez seja a maior beleza e ganho da pandemia, um novo conceito de empatia.

À medida que cada líder absorve e toma consciência de tudo o que está a viver, desenvolve uma capacidade de investigar o que de facto essa situação lhe desperta, podendo assim articular os seus próprios sentimentos. A partir daí, o líder é capaz de articular os sentimentos daqueles que estão sob a sua responsabilidade de gerir pessoas. Quando conhecemos as nossas dores, damos conta de olhar para as dores do outro.

As lideranças não precisam de ter todas as respostas. Conectar-se emocionalmente extrapola o técnico e não retira autoridade. A forma como os indivíduos são acolhidos na dor vai determinar e definir a qualidade do relacionamento com a organização, mas sobretudo desse indivíduo com a liderança. Estenda a mão para um colaborador em sofrimento e ele devolverá com um imenso salto de produtividade, envolvimento, resultados e vínculo afectivo, que também extrapola o técnico.

No final, preferimos investir, trabalhar e consumir produtos de empresas com essa dimensão afectiva.

 

Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº. 154) da Human Resources, nas bancas. 

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