A neurobiologia da liderança e a saúde mental

O nosso cérebro é um orgão social, e as suas reacções são directa e profundamente moldadas pelas interacções sociais, emocionais e (ir)racionais nos nossos locais de trabalho. Mas os líderes podem criar ambientes que incidem em emoções positivas, levando a elevado desempenho, colaboração e inovação nas pessoas.

 

Por Marco Neves, autor, palestrante e coach executivo, que utiliza a ciência para apoiar e alavancar a liderança e o desempenho de equipas nas organizações.

 

O que acontece quando se coloca um padre, um sociólogo, um jornalista e um engenheiro que usa a ciência para alavancar equipas de liderança numa sala para debater o tema da Saúde Mental?

Parafraseando Barack Obama no seu discurso no Parlamento do Reino Unido, «ou isto soa como o início de uma piada muito engraçada», ou é claramente o caminho para a definição e implementação de soluções holísticas e práticas na área da saúde mental, que exige a aceitação e integração de diferentes perspectivas, tal como aconteceu no Hospital de Neurociências da Trofa Saúde, no 1.º Congresso de Psiquiatria dedicado à Saúde Mental.

Quando as diferentes origens, experiências e diversidade das perspectivas são enriquecedoras e entusiasmantes, começamos a ter os ingredientes certos para a definição de estratégias e tácticas eficazes e exequíveis para promover, proteger e restaurar a saúde mental. Este é um ponto de partida fundamental, para que a acção indiscutível e necessária seja consolidada através da interacção de diversas disciplinas, de modo a assegurar o sucesso do bem-estar das pessoas nas organizações.

Nesse sentido, o diálogo entre a neurociência, a psicologia, as ciências sociais e outras disciplinas tem vindo a relevar evidências e técnicas diversas, que nos permitem não só tomar consciência dos “insights” científicos, mas também aplicar soluções concretas para levar as pessoas e as equipas para um estado que os cientistas chamam “toward state” (para cá, para perto) versus o “away state” (para lá, para longe).

Ao explorarmos as circunstâncias sociais e emocionais que levam os indivíduos a terem comportamentos muitas vezes irracionais e a serem afectados pela ansiedade extrema, o stress, o burnout, a depressão, ou outras psicopatologias similares, compreendemos como a biologia e o ambiente interagiram ao longo de milhões de anos de formas complexas para moldar e esculpir os nossos sistemas cerebrais interligados, através de mecanismos evolutivos, selectivos, e adaptativos de ameaça-recompensa, de eficiência de energia e de previsão, embora com algumas falhas.

São estes mesmos sistemas cerebrais, escondidos da consciência, que evitam instintiva e constantemente as ameaças e defendem hábitos profundamente enraizados, que, conjugados com as nossas experiências e acontecimentos ao longo do caminho da nossa infância e da nossa vida adulta, definem as nossas perspectivas do bom e do mau, do certo e do errado, e criam zonas de conforto social e emocional e fronteiras defensoras aparentemente racionais em torno destes.

A este enquadramento acrescem ambientes exigentes, prazos apertados, elevada tensão, escassez de recursos para entregar resultados, pequenas mudanças constantes, a imprevisibilidade e a incerteza, ou, no extremo oposto, trabalho monótono, previsível e repetitivo.

 

Um caldeirão de ingredientes que exercem pressão psíquica
Nestes cenários que vivemos hoje, com todas as suas possibilidades e mobilidades, ora pelo trabalho remoto, ora pela tecnologia existente, com uma procura constante de interacções sociais, cada vez mais expressas através dos diferentes meios de comunicação social, da necessidade de autonomia, auto-estima e segurança, da procura pela realização pessoal e liberdade de escolhas, da falta de referenciais (ou pelo seu excesso), temos um caldeirão de ingredientes que contraditoriamente criam condições ideais para uma pressão psíquica nas pessoas, levando a situações precárias de afastamento, isolamento, solidão, ansiedade, burnout e outras psicopatologias similares.

Nestas situações, o “feedback loop” cérebro-corpo tende a ser instantâneo e as nossas respostas são automáticas, instintivas, escolhidas pelo nosso subconsciente. Perante as pressões psíquicas no nosso dia-a-dia, o nosso cérebro demora um quarto de segundo para detectar o que considera ser um erro, e um quarto de segundo para sinalizar ao nosso corpo para entrar em acção. Nestas situações, as nossas emoções, ou respostas fisiológicas, que são dados neutros no primeiro instante, facilmente se transformam em hábitos e comportamentos negativos, moldando as nossas percepções e o nosso sistema de identidade.

Nestes casos, a toxicidade para o cérebro poderá ser devastadora, acabando por afectar os neurónios do hipocampo, relacionado com as nossas memórias e orientação espacial, e o nosso córtex pré- -frontal, o nosso sistema executivo, importante para o pensamento estratégico, tomadas de decisão, gestão de emoções, e outras competências de ordem superior.

Um estudo recente mostrou que pessoas saudáveis que viviam perto (num raio de 2,4 quilómetros) do World Trade Center, em 11 de Setembro de 2001, tiveram uma redução na massa cinzenta no hipocampo, amígdala e PFC medial três anos após o ataque!

E o que acontece quando as interacções sociais não funcionam, quando as pessoas se sentem isoladas, menosprezadas, julgadas?

Naomi Eisenberger, neurocientista social da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, queria entender o que se passava no cérebro quando as pessoas se sentem rejeitadas pelos outros. Desenvolveu uma experiência na qual voluntários jogavam um jogo de computador chamado Cyberball, enquanto deitados numa máquina de ressonância magnética funcional (fMRI). «As pessoas pensavam que estavam a jogar à bola pela internet com duas outras pessoas», explica Eisenberger. «Podiam ver um avatar que representava eles próprios e avatares [aparentemente] de outras duas pessoas. Então, mais ou menos no meio desse jogo entre os três, o participante parou de receber a bola e os outros dois supostos jogadores jogaram a bola apenas um para o outro. «Mesmo depois de saberem que nenhum outro jogador humano estava envolvido, os jogadores falavam de se sentirem zangados desprezados ou julgados, como se os outros avatares os excluíssem porque não gostavam de algo neles.»

Ao analisar os scans do cérebro dos participantes, Eisenberger e a sua equipa chegaram à conclusão de que as áreas do cérebro que “acendiam” nos “scans” perante a dor social eram similares às que “acendiam” com momentos de dor física. O nosso cérebro percepciona a dor física da mesma forma que a dor social, porventura esta última com maior intensidade.

Mas como reagimos perante situações similares com os nossos amigos, com os nossos colegas? Quando um colega chega atrasado a uma reunião, entrando de moletas, somos capazes de brincar e aceitar o atraso, mas de que forma reagimos quando outro colega chega atrasado à mesma reunião, e temos conhecimento que foi repreendido publicamente pelo seu chefe. Será a nossa reação e aceitação a mesma?

Mas são precisamente estes momentos no nosso mundo que são importantes, na medida que o nosso cérebro é um órgão social, e as suas reacções fisiológicas, neurológicas e estruturais são directa e profundamente moldadas pelas interacções sociais, emocionais e (ir)racionais nos nossos locais de trabalho.

Nesse sentido, e parafraseando Santiago Ramón y Cajal, neuroanatomista espanhol, «como podem os líderes ser escultores dos seus cérebros, como poderão tornar-se arquitectos culturais, de modo a elevar as suas pessoas e estabelecer culturas positivas e prósperas?»

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Novembro (nº.155) da Human Resources, nas bancas. 

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