A nova missão dos recursos humanos na era da re-humanização
Precisamos, mais do que nunca, de profissionais de Recursos Humanos que nos mantenham “humanos”; mas precisamos também que estes profissionais sejam empreendedores, gestores e mentores, capazes de traduzir o idioma “humano” para linguagem de gestão.
Por Pedro Brito, Associate dean para Formação de Executivos na Nova SBE
Há uns anos tive oportunidade de lançar alguns livros que tinham exactamente o mesmo título – “Use your HED – Human Evolution Design”. As diferentes edições prometiam uma colecção de reflexões e boas práticas sobre o papel dos gestores de Recursos Humanos (RH) no futuro. Sempre acreditei que os profissionais ligados ao ensino, à liderança de pessoas, ou em funções que influenciam o destino das equipas numa organização, têm a capacidade, e a responsabilidade, de ajudar a desenhar a forma como evoluímos enquanto pessoas.
O mundo muda e, por vezes, sinto que os humanos mantêm os mesmos hábitos, as mesmas crenças, as mesmas ambições. Por isso, se hoje escrevesse a 5.ª edição do HED, iria procurar explorar a ideia de como o papel dos RH evoluiu de uma função crítica da organização para uma função crítica para as pessoas. É neste sentido que destaco quatro áreas críticas de intervenção destes Human Evolution Designers:
Skills Forecast
Aquilo que os gestores “tradicionais” mais desejam é a previsibilidade do mercado e, consequentemente, do processo de tomada de decisão. A previsibilidade oferece a capacidade de manter uma aparente estabilidade organizacional, uma visão clara sobre o futuro a todos os stakeholders, e uma tomada de decisão rápida e firme.
No entanto, esta realidade deixou de existir há bastante tempo, e apesar das múltiplas projecções financeiras, cenários de impacto da economia no negócio, estudos de mercado e milhares de outros mecanismos que continuam a prometer previsibilidade na gestão, a verdade é que está na hora de pensar numa alternativa que responda às violentas mudanças de paradigma, e que seja efectivamente mais sustentável.
Os Recursos Humanos têm a rara oportunidade de criar o seu próprio modelo de cenarização. Mas, neste caso, poderão oferecer à organização uma visão sobre as competências que são efectivamente relevantes para um futuro incerto e altamente volátil. Estas projecções, à semelhança de algumas projecções económicas, devem ter em consideração diferentes variáveis:
a) As equipas devem passar a aprender como se fossem astronautas: quando um astronauta é lançado para o espaço, passa a fazer parte de um cenário altamente incerto e volátil. Por isso, tem de estar preparado para tudo – e isso passa por aprender diferentes competências, desde astrofísica a medicina.
Como humanos, temos de evoluir como astronautas, aprendendo diferentes competências para conseguir responder à mudança de forma eficaz, qualquer que ela seja.
b) A jornada de aprendizagem deve ser contínua e aplicável na realidade em que opera. Existe uma razão pela qual os atletas treinam durante toda a sua carreira: porque sabem que, para poderem competir ao mais alto nível, devem procurar melhorar continuamente.
Como humanos, temos de evoluir como atletas, criando mecanismos de aprendizagem contínua e deliberada, testando e errando para acelerar o processo durante os momentos em que as crises e as mudanças são menos agressivas e inesperadas.
c) As lideranças estão em todo o lado, e toda a equipa deve assumir um papel de liderança; ainda que com responsabilidades distintas, a mentalidade deve ser essa. Isto irá acelerar o processo de tomada de decisão, irá tirar partido de competências em diferentes níveis hierárquicos para resolver problemas específicos, e irá promover o desenvolvimento individual e organizacional de forma exponencial.
Como humanos, temos de evoluir para profissionais que aprendem com todos e ensinam todos.
Cultural Asset Management
A cultura organizacional pode ser comparada a um qualquer outro activo da organização – por exemplo, a infra estrutura física onde uma empresa opera. Neste caso, tipicamente existem equipas dedicadas a garantir que o edifício e o seu equipamento funcionam sem falhas, para que as pessoas possam operar com qualidade, focadas no atingimento dos objectivos que permitirão a empresa crescer.
Se não existisse uma pessoa ou equipa a garantir a manutenção preventiva e correctiva destes activos, assim como a sua valorização, de forma consistente, o que aconteceria? Provavelmente falhas na qualidade do trabalho, quebras na produtividade e desvalorização do próprio activo, podendo impactar até a sustentabilidade do negócio.
Agora, imaginemos o activo “cultura organizacional” – aquele conjunto de valores que se traduz na forma como as decisões são tomadas, nos rituais e artefactos que emergem dos fundadores e, ao longo do tempo, das próprias equipas. Quando não existe consistência na manutenção dos valores e rituais, nem são introduzidos símbolos e metáforas que guiam as equipas, perde-se o sentido de identidade e o propósito profissional, com impactos inevitáveis na sustentabilidade de qualquer empresa.
Mas a pergunta-chave aqui é: quem é que toma conta da cultura organizacional? Podemos fugir à questão respondendo que “somos todos”, mas os profissionais de Recursos Humanos têm uma oportunidade única de assumirem formalmente esta responsabilidade e valorizarem este activo estratégico, impactando positivamente o negócio da empresa.
Sobretudo em tempos de crise, nos quais a cultura fica inevitavelmente mais vulnerável, as decisões são feitas muitas vezes num regime ad hoc e perde-se a coerência que demorou tanto tempo a construir. Mais, o foco na sobrevivência pode levar elementos da organização a ter comportamentos que colocam em causa os valores da empresa – e as equipas, atentas a incoerências culturais, reagem como se se tratasse de um alarme de incêndios.
Por isso, os profissionais de Recursos Humanos devem colocar a cultura no topo das prioridades da sua missão, gerindo este activo de forma preventiva e correctiva, assegurando a sustentabilidade da organização.
Return on Engagement
A maioria das empresas reconhece que um forte compromisso organizacional tem impacto positivo no seu negócio.
Mas a dificuldade de traduzir o nível de engagement em impacto financeiro dificulta muitas vezes o compromisso dos gestores em investir de forma séria nesta matéria.
O que é afinal o engagement e porque é assim tão importante? Qual o papel das organizações e, em particular, dos profissionais de Recursos Humanos? Talvez a pergunta seja mais simples: o que é que esperam, afinal, as pessoas das suas organizações?
Acredito que aquilo que as pessoas mais querem é sentir que a organização se preocupa com o seu bem-estar. Pura e simplesmente. É evidente que a “moeda” de bem-estar é diferente de pessoa para pessoa e depende de variáveis sociais, financeiras e até culturais. Ainda assim, a palavra-chave é bem-estar.
Então, porque é que a maioria das empresas procura medicamentos de largo espectro que funcionem para todos? Cada pessoa tem as suas próprias expectativas, necessidades, desejos e sonhos. O que aconteceria se procurássemos trocar os serviços prestados pela pessoa por aquilo que é realmente importante para ela? Não falo apenas de remuneração; falo do tipo de relacionamento que se tem com a organização, o alinhamento do propósito individual com o propósito organizacional, o ajuste da função para que se consiga tirar o máximo partido de competências, potencial e motivação individual, a flexibilidade que permite ajustar a profissão à vida pessoal. Que tipo de retorno poderíamos esperar?
Os mais cínicos poderão responder que isso é uma utopia porque devem existir regras que são iguais para todos. Certo! E se não for bem assim? Que tipo de retorno podemos esperar?
Acredito que os profissionais de Recursos Humanos podem evoluir para um papel de “human concierge” capaz de promover um estado de bem-estar tal, que os domingos à noite deixarão de ser um momento de ansiedade para um momento de entusiasmo.
Blended Net Profit
O aumento do trabalho remoto, bem como a facilidade com que passaremos a interagir através de ferramentas digitais, está a aumentar exponencialmente a abertura que as pessoas e organizações demonstram ter na adopção de modelos de aprendizagem e colaboração remota. As barreiras geográficas esbatem-se, criando a oportunidade de acesso a novas oportunidades profissionais. A necessidade de instalações para todos os colaboradores passou definitivamente a fazer parte do passado.
No entanto, o modelo misto, ou blended, é um desafio que ainda está por ultrapassar. Como gerir a justiça e o equilíbrio de ter equipas a trabalhar remotamente e outras a trabalhar a partir do escritório? Como assegurar que as reuniões com parte dos participantes online e outra parte fisicamente têm a mesma qualidade quando comparadas com reuniões 100% online ou presencialmente? Como tirar verdadeiramente partido das vantagens do online e do presencial?
Nem sempre é fácil capturar as vantagens do online e do presencial, mas acredito que, no futuro, as empresas que souberem tirar proveito das diferentes opções assumirão uma posição muito mais competitiva no mercado. A título de exemplo, existem vantagens que o ensino à distância oferece que não devem ser ignoradas.
Por um lado, as plataformas de ensino são cada vez mais interactivas e permitem um envolvimento mais equilibrado de todos os colaboradores, trazendo maior diversidade e riqueza de pensamento para a sessão; os sistemas de votação automática tornam a dinâmica mais interessante e é mais fácil convidar elementos que noutra situaçã nunca estariam disponíveis.
Por outro lado, não são apenas as funcionalidades destas novas tecnologias que marcam pontos no processo de aprendizagem. Se a abordagem online for devidamente desenvolvida e implementada, existem benefícios económicos que não podem ser ignorados, nomeadamente o tempo e dinheiro investido em deslocações, estadias e, sobretudo, o custo de oportunidade que esse tempo “morto” representa para o negócio.
É muito importante compreender que nem tudo são vantagens e existem vários inconvenientes e cuidados a ter com a aprendizagem online. Em primeiro lugar, a capacidade de concentração diminui e é necessário estruturar o processo em blocos de tempo muito mais reduzidos. Depois, existe o risco de o participante realizar ou lhe ser exigido realizar outras actividades em simultâneo com a formação: uma chefia que marca uma reunião à mesma hora que a sessão de formação, uma solicitação doméstica que distrai o colaborador de momentoscríticos do processo de aprendizagem, e até mesmo o próprio assumir que é incapaz de realizar várias actividades ao mesmo tempo.
Existe ainda o fenómeno da fadiga online. Para as pessoas com funções que exigem estar constantemente ligadas através de ferramentas de videoconferência, existe um esforço invisível, mas muito significativo, para compreenderem o que todas as pessoas nas reuniões estão a dizer. Por vezes, a falta de rede cria cortes nas frases que obrigam os restantes participantes da reunião a “juntar as peças”. Este processo contínuo de esforço mental contribui para um sentimento de exaustão que não é sustentável no médio a longo prazo.
Neste contexto, acredito que o futuro é blended, ou seja, um misto entre a aprendizagem presencial e a aprendizagem online. Contudo, isso irá exigir por parte de todos mais colaboração, seja na forma como trabalhamos, como aprendemos, como ensinamos e até como vivemos.
O profissional de RH será, por isso, um Human Evolution Designer organizacional. Será um astronauta para a exploração humana no contexto da empresa, capaz de gerir a cultura da empresa como um activo-chave do sucesso do negócio, assegurando o retorno do engagement e bem-estar de toda a equipa e capturando valor numa realidade cada vez mais ambígua e complexa.
Este artigo foi publicado na edição de Setembro (nº. 117) da Human Resources, nas bancas.