A pandemia veio transformar mais chefes em líderes? Nem sempre

Estará a figura do chefe como a entendemos em extinção? Na prática, serão os lideres, efectivamente, diferentes dos chefes? Qual a sua importância para o sucesso das equipas e, consequentemente, do negócio? Para ajudar a responder a esta questão Ana Leonor Martins, directora de Redacção da Human Resources, esteve à conversa com Isabel Borgas, directora de Pessoas e Organização da NOS, e Erica Pereira, associate director da Randstad Portugal.

 

Por Sandra M. Pinto

 

O ponto inicial passa certamente por tentar descobrir se são diferentes e se o são em que assentam essas diferenças. «Na minha opinião, o que distingue um chefe de um líder passa essencialmente por o chefe ser alguém que exerce um controle sobre alguém, e um líder ser alguém que é responsável por», começa por afirmar Isabel Borgas. «Um chefe assume a responsabilidade na gestão de pessoas mas fá-lo numa perspectiva de posição de controle e de tomada de decisão, enquanto que um líder é alguém que tem não só a capacidade de gerir mas tem também a capacidade de inspirar e de mover as equipas à volta do sentido, do propósito e do alavancar de objectivos muito concretos para a organização.»

O líder tem a enorme capacidade de manter as suas equipas motivadas e «sedentas, não só de o seguir,  mas de agir». Na perspectiva da directora de Pessoas e Organização da NOS, o que influencia também a diferenciação entre um chefe e um líder é a própria transformação das sociedades. «Se recuarmos duas décadas, o poder era algo que advinha também da hierarquia, por exemplo ninguém punha em causa da palavra de um pai. Daí eu referir que esta diferença assenta muita na transformação das sociedades e na alteração dos modelos educativos, formais ou informais, na escola ou em casa, que necessária e consequentemente também levam a que aconteçam alterações significativas e profundas nas nossas organizações, porque são as gerações de hoje, que foram educadas à luz de regras radicalmente diferentes que integram as integram.»

Esta mudança de mindset que começa em casa mas que depois se transporta para os ambientes das escolas e da sociedade, tem obrigatoriamente repercussões na forma como as organizações se têm de reinventar e adaptar. «Chegarmos hoje a este conceito de liderança mais comumente dito, não acho que seja penas um tema de semântica, mas também o vejo muito intrinsecamente ligado àquilo que tem vindo a ser a transformação da sociedade», reforça Isabel Borgas.

Na visão de Erica Pereira, a componente inspiração e motivação para com as equipas surge como primordial quando falamos desta distinção entre chefes e lideres. «Esta proximidade que os lideres hoje em dia têm é algo muito natural e que transmite a confiança para puder estar junto das suas pessoas. Enquanto que o chefe antigo mandava fazer, o líder mune-se de ferramentas para depois ajudar as suas equipas a fazer o que é necessário para alcançar o sucesso da organização, sem sufocar as equipas para que os objectivos sejam atingidos de uma forma muito mais natural.»

 

Hierarquias também se estão a esbater?

Há pessoas que nas equipas naturalmente assumem esse papel de líder, algo que temos visto como recorrente neste ambiente de pandemia, quer ao nível das lideranças intermédias quer nas pessoas que naturalmente assumiram esse papel. Para Erica Pereira, liderança não tem de todo de estar ligado ao cargo. «Dentro das nossas equipas, aquilo que nós vimos muito foi que não tinha de ser o líder máximo ou manager da equipa a fomentar toda esta presença e toda esta conexão entre as equipas. Se em cada equipa existir um elemento que tenha mais facilidade em ser líder é natural que tudo aconteça com muita mais naturalidade e seja essa pessoa a assumir a posição. Se dentro de uma equipa de 12 pessoas tiver quatro lideres isso é excelente pois o trabalho do líder máximo da equipa fica bastante facilitado pois passa a ter ao seu lado quatro pilares fundamentais.»
Simultaneamente, as empresas estão menos hierarquizadas, pelo que as próprias organizações já perceberam que não é a hierarquia rígida que traz melhores resultados. «As fronteiras esbatem-se no que concerne às hierarquias sendo que temos organizações cada vez mais flat e nesse sentido o tema da liderança já não está directamente ligado ao tema da hierarquia e isso faz com que mesmo que não seja de forma formal é possível ser líder dentro das organizações», acredita Isabel Borgas, afirmando que, no entanto, há um desafio relacionado com a necessidade que as organizações  têm hoje em dia de se tornarem mais ágeis.

«Isto já é verdade há uns anos mas vai ser mais verdade, até pela evolução da tecnologia, num futuro próximo e isto obriga a que as nossas estruturas tenham de ser também elas mais ágeis e também elas menos hierarquizadas», defende. «Esta necessidade de conseguirmos imprimir um ritmo maior nas nossas organizações, esta necessidade de termos uma agilidade e uma flexibilidade maior nas organizações vai necessariamente levar a que esta hierarquia que era tradicional se vá esbatendo.» Para a responsável é absolutamente critico o tema da colaboração, «cada vez é mais importante as empresas funcionarem em matriz e numa perspectiva colaborativa sobre novas formas de trabalhar, e tudo isto, a prazo, não vai acabar com as hierarquias e com as “chefias” mas necessariamente vai fazer com que elas fiquem mais esbatidas».

 

Necessidade de maior agilidade 

As organizações têm vindo a referir a a cada vez maior necessidade por uma certa agilidade, mas ao mesmo tempo começaram-se a ouvir algumas vozes que davam o exemplo de terem voltado um pouco atrás pois essa agilidade veio dar lugar a uma certa anarquia e não se sabia quem é que afinal decidia. Perante isto também é importante temos aqui algumas linhas orientadoras e regras. «No final do dia tem de haver um decisor e essa figura tem de estar devidamente identificada», destaca Erica Pereira, mas falando relativamente à criação e à possibilidade de existirem vários lideres, refere que não temos de ser lideres apenas dentro da nossa função.

«Cada vez mais, e também numa óptica de agilidade dentro das empresas, são criadas algumas equipas de projecto, e isso acontece connosco, sendo que alguns foram criados por nós a nível nacional e outros que são enviados pela nossa global», partilha. «E dentro destas equipas de projecto, temos os “mini lideres” de projecto, sendo dada aqui a oportunidade aos vários elementos de uma equipa que não são lideres, de puderem exercer um nível de liderança. É aqui que vamos aferir determinadas competências que depois mais tarde vão ser desenvolvidas para inclusive conseguir fazer determinados planos de sucessão.» Com a flexibilidade das organizações, a qual também é exigida pelo mercado, vai-se conseguindo desmantelar algumas hierarquias criando ao mesmo tempo espaço para surgirem outras.

 

Desenvolvimento das lideranças 

No caso da NOS, «o desenvolvimento de lideranças, pelo impacto que têm na cultura organizacional e na performance, são uma prioridade desde o momento zero»,. Isabel Borgas conta que a organização tem recorrido a ferramentas mais formais, através da Universidade Corporativa NOS, que tem inclusive uma Academia de Liderança, quer ainda através de vários assessments que fazem ao longo do ano e que dão origem a planos individuas de desenvolvimento das lideranças da empresa. «Este é um tema que está no centro da estratégia e da actuação da NOS», assegura a responsável.

No caso da Randstad existe um equipa totalmente dedicada ao desenvolvimento de competências, sendo a liderança aqui muito desenvolvida e trabalhada, refere Erica Pereira. A consultora trabalha com escolas de negócio e com programas enviados pela global para a direcção de topo e internamente acaba por ter as suas ferramentas mais formais com vista ao desenvolvimento de competências e de lideranças.

 

Novo tipo de liderança

A pandemia e o teletrabalho em sua consequência vieram por à prova determinados tipos de lideranças. Importa perceber se as equipas não estão próximas como vãos os lideres exercer a sua autoridade. Esta nova realidade traz para cima da mesa e para  discussão a importância cada vez maior da proximidade, apesar do afastamento a que somos hoje obrigados. Hoje é preciso uma liderança mais empática. «Esta nova realidade trouxe a necessidades de novas lideranças muito pela proximidade sendo que eu quero acreditar que isso se vai manter porque acredito que é por aí que se faz o desenvolvimento de talento nas organizações», revela Isabel Borgas. Será preciso ter lideres capazes de desenhar as organizações e as suas equipas de uma forma radicalmente diferente, sempre com muita proximidade e atenção aos seus colaboradores, sabendo escutar e com capacidade para estar atento ao bem-estar dos profissionais que com eles colaboram.

Mas a verdade é que por muito que seja importante termos mais lideres nas empresas, não vem tirar a importância do líder de topo, pois será sempre ele a definir o rumo da organização. «Esse líder vai ter de conseguir antecipar a mudança», acrescenta Erica Pereira. «Terá de ser um líder aberto a diferentes pontos de vista, tem de conseguir criar compromisso e cooperação e que consiga continuar a desenvolver as suas pessoas.»

 

Será possível a evolução de chefes para lideres?

Perante esta questão Isabel Borgas não hesita em responder que «isso será fácil se já estiver no ADN do individuo, mas sim acho que é perfeitamente possível existir essa evolução». Na visão de Erica Pereira, a chegada do nome de manager veio modificar o conceito pesado do chefe. «Muitas destas chefias anteriores perceberam que sem equipas de diferentes gerações a organização não evolui, neste caso o líder tem de ser capaz de chegar a todas estas gerações fazendo-o de diferentes formas com um forte componente de polivalência e flexibilidade. Dito isto acho perfeitamente possível fazer esta transformação e é possível também que estes chefes estejam ávidos de também poderem melhorar.»

 

Outras formas de gerir pessoas 

Com a pandemia houve o desmistificar de algumas situações relativamente ao teletrabalho e ao facto de se a pessoa não está na empresa é sinal de que não está a trabalhar. «Na NOS as equipas em teletrabalho superaram-se», refere Isabel Borgas num claro testemunho que deita por terra essa ideia pré concebida. Em teletrabalho há a motivação e a vontade de mostrar que a empresa está bem e pode seguir em frente, como referiu a responsável, «desde o primeiro momento que os nossos colaboradores nos transmitiram a realidade de que a empresa podia contar com eles mesmo não estando presencialmente no espaço da organização». Para Erica Pereira é fundamental que cada elemento saiba exatamente qual é o seu papel, «se isso estiver bem claro o líder não tem de estar constantemente a “vigiar” e acho que é isso que os lideres esperam das suas pessoas».

Mas e se olharmos para a maioria das empresas nacionais, será que ainda existem mais chefes do que líderes, remata para pergunta final a moderadora. «Diria que sim», responde Isabel Borgas, «mas acho que há excelentes lideres em pequenas e médias empresas pelo que não é a dimensão da empresa que define um chefe ou um líder, pis há aqui um evolução muito positiva. Há diferentes perfis de liderança os quais vão ter de ser adaptados e optimizados em função do contexto e da cultura da organização e do sector onde esta se insere». Erica Pereira concorda com esta opinião, «até porque há determinado tipo de empresas e área de negócio em que estes lideres não estão tão expostos, pelo que ser um chefe ou um líder depende exactamente disso, do tipo de negócio, do tipo de estrutura sendo mais fácil ou não aí identificar e promover um bom líder».

(re)Veja aqui, na íntegra.

As re(talks) são uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources, promovida desde Março. Recorde aqui.

Ler Mais