A Psicologia dos Incentivos: o dinheiro é tudo? E se lhe disser que, por vezes, quanto mais se paga, pior o desempenho?

Num ambiente de contração económica, assegurar máximo desempenho das pessoas numa organização com menor investimento financeiro em compensação é um tema em cima da mesa. O binómio desempenho-incentivos tem sido largamente estudado e as conclusões são surpreendentes.

Por Margarida Ribeiro, Principal, Leadership Consulting, da Boyden Portugal

 

Era expectável: afinal, não somos máquinas e o dois-mais-dois-igual-a-quatro não funciona em psicologia. Aquilo que me motiva a mim é diferente do que motiva o meu colega do lado. Mas há alguns factores transversais que podemos aprofundar.

De acordo com Pavlov e o seu cão, se eu recompensar um comportamento, estou a aumentar as probabilidades de ele acontecer. Pelo contrário, se o punir, a probabilidade é que ele se retraia ou até que desapareça. Mas como é que o Comportamentalismo de Pavlov explica a psicologia dos incentivos? Hoje em dia, nas organizações, o modelo de compensação segue uma lógica de recompensa pelo bom desempenho – a tão falada cultura de meritocracia. Recompensamos os top performers e ignoramos os low performers. Mas será assim tão simples e linear?

A verdade é que já ficou demonstrado na literatura que, para funções mecânicas e rudimentares esta lógica de recompensa do desempenho funciona, mas para funções que exijam pensamento crítico, competências cognitivas e um pensamento conceptual e criativo, a relação entre o incentivo e o desempenho é inversamente proporcional: quanto mais se paga, pior o desempenho. Quem diria?

Fica assim claro que, apesar de o dinheiro ser um factor motivador do desempenho, as pessoas não trabalham só por dinheiro. As pessoas querem receber o suficiente para não pensar em dinheiro. E existem alguns factores que influenciam a motivação no trabalho.

Por exemplo, a necessidade de domínio de uma competência. As pessoas são motivadas pela capacidade de se superarem e isso cria-lhes uma sensação de satisfação. Pensemos por exemplo nas pessoas que correm ao fim de semana. Não ganham dinheiro por isso. Também não vão correr a maratona nos Jogos Olímpicos. Correm porque a sensação de autossuperação é um factor motivador poderoso.

Também a experiência organizacional influencia a motivação. Se pensarmos na necessidade de retenção de talentos nas organizações fica claro que, mais do que o pacote salarial, é a experiência vivida na organização que condiciona a motivação do colaborador. Como é que eu me sinto face ao objectivo do meu trabalho, face à cultura da minha organização e quanto é que eu “visto a camisola”.

Se pensarmos nas mudanças ocorridas no mundo de hoje, que já não é do de hoje numa fracção de segundo, o principal impulsionador da revolução digital nas empresas foi a pandemia COVID-19. O verdadeiro líder e acelerador da transformação digital nas empresas foi a necessidade fundamental de distanciamento social, por um lado, e de não total estagnação económica por outro, que implica a comunicação entre pessoas numa base diária. Empresas por todo o mundo foram “obrigadas” a dar o salto tecnológico há muito planeado para garantir que o negócio não pára. Com medidas de modernização do ambiente de trabalho, implementando ferramentas digitais e espaços físicos mais colaborativos, que aumentem a flexibilidade no trabalho que os millennials tanto procuram e a inovação que os gestores tanto precisam.

Acompanhando a retracção da economia e do mercado de trabalho, as políticas de atracção e retenção de talentos num ambiente de distanciamento social – onde há onboardings e festas de natal feitas online, onde pessoas nunca se conheceram ou cumprimentaram efectivamente – acresce um factor decisivo: retemos só através de dinheiro ao fim do mês? Quais as implicações do teletrabalho no commitment e na gestão do turnover organizacional? Mais importante, qual o papel não só dos Recursos Humanos, mas dos line managers, em desenhar incentivos que compensem as suas equipas de forma a manter níveis de desempenho elevados?

Torna-se óbvio que o dinheiro em si é apenas parte da solução. E o formato de atribuição deste dinheiro também desempenha um papel importante. Sejam através recompensas intrínsecas ou extrínsecas, recompensar eficazmente, para conseguir máximo desempenho, não é uma tarefa simples.

A Psicologia dos Incentivos permite-nos perceber que o dinheiro não é tudo e, mesmo sendo parte (necessária) do sistema de recompensas, não se sobrepõe necessariamente ao reconhecimento. Se o dinheiro é percebido como parte de um conceito retributivo necessariamente equitativo, o incentivo está relacionado com o reconhecimento. E esta necessidade de reconhecimento desempenha um papel fundamental na nossa motivação e, em última instância, no nosso desempenho.

 

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