A (r)evolução das entrevistas de recrutamento. De entrevistadores a entrevistados (e ainda bem)

Era mais um dia normal de trabalho, com uma entrevista marcada na agenda, na qual participaria um responsável de uma Unidade de Negócio e eu. Procurávamos alguém júnior para reforçar a equipa de trabalho do meu colega. Previamente e, como era nossa prática, estudámos o curriculum (CV) do potencial candidato e recolhemos referências junto de quem no-lo tinha feito chegar.

Por Joana Russinho, People Enthusiastic, head of Human Resources e autora de Eu e os Meus rh

 

30 minutos antes liguei ao meu colega:

– Queres alinhar algum aspecto antes, ou seguimos? – perguntei.

– O curriculum é linear, pouco tem para além da experiência da Faculdade… – respondeu.

– Sim – anuí – business as usual. Eu inicio a conversa e tu vais colocando as questões técnicas como costumamos fazer.

À hora marcada juntámo-nos ao candidato na sala onde seria feita a entrevista. Tinha concluído há poucos meses o seu Mestrado. A minha primeira impressão perante um semblante fechado foi a de que seria alguém por quem teria que “puxar” para obter informação.

Começámos de forma habitual, agradecendo a disponibilidade, explorando os interesses académicos e as motivações para um futuro a curto e médio prazo. As respostas eram concisas, pouco elaboradas, o que corroborava a minha primeira impressão. Até que lhe perguntámos se teria alguma questão para nós. Pensávamos estar a finalizar a entrevista, mas os papéis inverteram-se. Eu e o meu colega passámos de entrevistadores a entrevistados!

– Tenho – se não se importam vou consultar as minhas notas. E retirou o telemóvel do bolso.

Tipicamente, o número e a pertinência das questões, pelos ouvidos de quem as escuta, apresenta uma correlação positiva com a senioridade da posição em questão, pelo que, tenho a confessar, não contávamos com o que estaríamos prestes a vivenciar.

– Falaram dos vossos valores, podem dar-me exemplos de como são medidos e avaliados?

– Qual o compromisso da empresa para com a responsabilidade social e como se manifesta em termos concretos?

– Qual é a vossa política de sustentabilidade e o que estão a fazer para diminuir a pegada ambiental?

– Que tipo de iniciativas têm para além do trabalho usual? Por exemplo, há tempo para participar em projectos de outras áreas em que possa desenvolver outras competências?

– Existe algum grupo de voluntariado ao qual me possa juntar?

– E de desporto?

E à medida que íamos respondendo, mais questões iam surgindo e mais respostas nos eram colocadas. Senti-me como naquele sketch dos Gato Fedorento “Entrevista ou Entrevistado”. Estávamos a perder o controlo da conversa, e a gestão do tempo, mas ao mesmo tempo a descobrir uma pessoa tão mais interessante do que a que se deu a conhecer durante a primeira parte desta.

As questões não constituíam uma checklist de perguntas politicamente correctas para nos impressionar. Eram, sim, colocadas de forma entusiasta e cordata. Tinham relação directa com as paixões do entrevistado. Recém-licenciado, mestrado concluído, aluno de quadro de honra, não colocara no CV o que o diferenciava como talento (aos nossos olhos).

Tinha sido também um atleta de alta competição até aos 18 anos, fora vice-presidente da associação de estudantes durante dois anos da licenciatura, criara um núcleo de sustentabilidade mobilizando colegas para dele fazerem parte e ainda trabalhava como voluntário numa associação apoio a idosos da nossa cidade. Sempre que alguma coisa nova lhe chama a atenção, arrisca e vai ver se vale a pena investir o seu tempo, como é o caso do curso de língua gestual que estava na altura a frequentar.

Confesso que não foi agradável esta sensação súbita de escrutínio alheio, mas fizemos o que pudemos escutando e respondendo.

– Obrigado pelas vossas respostas às minhas questões e pela partilha que fizeram. Desculpem ter colocado tantas, mas quero ter a certeza de que me identifico com o lugar para onde vou trabalhar pela primeira vez – disse, agora com uma voz firme. Do inicial semblante fechado já não havia memória.

– Tens toda a razão, Diogo, é importante que conheças antes de escolheres. Devíamos ter antecipado algumas. Lanço-te um desafio: independentemente de vires a preencher o lugar em aberto na nossa empresa, refaz o teu CV, integra todas as experiências que tiveste e em que participaste para além da tua licenciatura. Isso faz com que acrescentes valor à tua apresentação. Eu, por exemplo, tenho a certeza de que, por teres feito desporto de alta competição, desenvolveste uma série de competências que são relevantes. Assim como o facto de teres desenvolvido um núcleo de sustentabilidade de raiz, me diz que podes ser um excelente reforço para um projecto novo para o qual precisaremos de reforços!

Os olhos do Diogo brilharam. Despedimo-nos e eu e o meu colega permanecemos na sala.

– Isto acabou de acontecer? Sim acontecera, e algumas reflexões se levantam.

 

Do lado dos candidatos mais juniores:

Atrevam-se a inovar no formato do CV. A vossa experiência de vida interessa a quem está à procura de recrutar. Vocês são importantes não somente pela licenciatura, mestrado e outros certificados académicos que tenham, mas também por todas as outras valências que em paralelo desenvolvem. Pertença a órgãos de cariz social, a comunidades de interesses, a grupos de voluntariado, a causas, a própria pratica de desporto, tudo isto é o que vos pode diferenciar face a outros que tenham terminado o mesmo grau de ensino. E todas estas experiências, escolhas, gostos, devem, na minha opinião, constar do vosso curriculum. Acreditem que estão a dar a quem o lerá informação muito pertinente sobre a vossa pessoa.

 

Do lado dos entrevistadores:

Não se orientem apenas e de forma cega por nomes de instituições de ensino e médias alcançadas. Ousem ler a informação adicional: quem é a pessoa que vão entrevistar para além do percurso académico que se resume a umas linhas? Associem as experiências, escolhas, gostos que estão registados no curriculum a uma ou mais fonte(s) de desenvolvimento de competências. Verão que mapearão muito melhor o potencial da pessoa ao descritivo funcional.

 

A (r)evolução das entrevistas de recrutamento? Um desafio de inovação e de mudança de perspectiva, que deve merecer toda a nossa atenção.

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