A “uberização” do trabalho

Por Valter Ferreira – Marketer, Economista do território, Inovador e Especialista em cidades humanas e inteligente

Ter um emprego tradicional, com horário regular, salário fixo e férias pagas juntamente com alguma segurança laboral todos meses, deixou de ser um dado adquirido para as novas gerações, que cada vez mais querem liberdade de movimento – vejamos por exemplo o caso dos nómadas digitais (temática que irei abordar num próximo artigo).

Surge-me então uma pergunta. Precisamos mesmo de estar no mesmo sítio das 9 às 18, cinco dias por semana, para fazer o nosso trabalho?

Esqueçamos por momentos o teletrabalho obrigatório por via da Covid-19. Dirijamos o nosso foco para a revolução digital e economia partilhada, assim como na mudança de como se vê o emprego, ou seja, mudar da visão “carreira”, para “trabalho”, e por fim para “tarefa”.

Todos sabemos como a Uber tornou possível a qualquer pessoa que tivesse um carro fazer dinheiro como “taxista”, quando e onde quisesse. E esta é a base do conceito da “uberização” do trabalho, o modelo de negócios da Uber foi inspiração para milhares de empreendedores que escolheram experimentar o mesmo modelo em diferentes indústrias.

Muito em breve com a mesma simplicidade que chamamos um Uber no nosso smartphone vamos recrutar um programador a tempo parcial para um pequeno projetos, um contabilista certificados para trabalhar três meses num relatório financeiro ou mesmo um operador de callcenter para cobrir uma ausência por licença de maternidade. Qualquer um com talento razoável e uma ligação à Internet pode fazer/ter uma série de trabalhos à distância de um clique no rato ou um swipe no seu smartphone trazendo um exponencial crescimento a esta “uberização” do trabalho. E, tudo isto pode ser feito de qualquer lugar do mundo e a qualquer hora.

Ainda que o crescimento seja exponencial, este conceito é ainda pequeno na europa, em que aproximadamente 19 milhões de pessoas são trabalhadores por conta própria, o equivalente a 4% dos europeus (800 mil em Portugal, 8% – o dobro da média europeia), no Reino Unido o número ascende aos 5 milhões, 7% dos britânicos e nos USA 54 milhões de pessoas, ou seja, 16% da população.

Mas o paradigma pode alterar, a revolução digital reduziu substancialmente os custos de começar um negócio próprio, as pessoas podem agora facilmente utilizar o tempo livre e as suas competências para se tornarem empreendedores com custos relativamente baixos e com a vantagem de estabelecerem o seu próprio horário e serem os seus próprios patrões. Se no mundo do trabalho dependente o trabalho árduo nem sempre significa promoções ou melhor salário, no mundo “uberizado” o trabalhador consegue uma visão mais ampla das coisas, ganha novas experiências e competências e desenvolve a sua rede de atuação.

Ao mesmo tempo que toda esta liberdade pode ser vista como uma conquista, acarreta em si uma série de preocupações como a proteção ou desigualdade social. Também o lado perverso desta nova economia pode ser explorado por grandes empresas que podem aqui encontrar trabalhadores a custos relativamente mais baixos. Esta mudança poderá ir ao ponto das empresas deixarem de contratar serviços de outsourcing, passando simplesmente a “encomendar” trabalhadores no momento em que precisam.

No entanto, a “uberização” das relações laborais é um trabalho em progresso. Esta transição trará profundas alterações no modo com os trabalhadores “vendem” as suas competências. Já existem variadas formas diferentes de trabalho (independente, temporário, teletrabalho, etc.) que estão disponíveis para quem procura mais independência e flexibilidade. Para as empresas, é uma questão de encontrar a fórmula certa para obter vantagem das oportunidades ligadas à “uberização” do trabalho.

Importa também que os governos comecem a pensar regulamentos para os novos negócios emergentes e a criação de condições justas e adequadas para a proteção social de todos.

Lanço uma nova pergunta para discussão futura e nas redes sociais, num mundo potenciado por milhões de pequenos empreendedores que têm o seu próprio negócio, ao invés de meia dúzia de grandes empresas, pode a desigualdade económica reduzir no longo prazo?

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