A verdadeira revolução é a das pessoas

Nunca como nos dias de hoje a realidade foi tão desafiante. Que o digam Mário Vaz e José Miguel Leonardo, que lideram empresas, nada mais nada menos, do que no sector da Tecnologia e da Gestão de Pessoas. E concordam: o factor-chave do que quer que a transformação digital traga, são as pessoas.

 

Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho

 

Mário Vaz, chief executive officer (CEO) da Vodafone, está na empresa desde que ainda se chamava Telecel e lidera os seus destinos desde 2012. José Miguel Leonardo é CEO da Vodafone desde 2014. Tempo mais do que suficiente para ambos constatarem que qualquer semelhança com a realidade que conheceram quando entraram nas respectivas empresas pode ser pura coincidência. A culpa é da tecnologia, da velocidade a que tem evoluído e da transformação a que tem “obrigado”, empresas e pessoas, na forma de fazer negócio e na forma de trabalhar. Mas será que é mesmo assim? E é assim para todas as empresas e todas as pessoas? E que novos desafios veio isso trazer? Como podem empresas e pessoas manter-se competitivas? Os desafios são grandes, é certo, mas as oportunidades também. É nisso que acreditam os dois presidentes executivos.

 

Mário, entrou para a empresa que hoje lidera, na altura ainda era Telecel, em 1992, ano em que foi criada. Em 2001 surgia a Vodafone, tendo assumido a direcção executiva em 2012. Como evoluiu a Vodafone, nomeadamente nestes últimos sete anos? Se é que ainda existe alguma semelhança…
Mário Vaz (MV): Em sete anos, a evolução tem acontecido a grande velocidade, no nosso sector, em geral, e na Vodafone, em particular. E tem sido muito expressiva, nomeadamente do ponto de vista da natureza do negócio. Começámos como operador móvel, há 27 anos, e entretanto houve uma mudança no core do negócio: passámos de operador móvel a operador convergente. Foi esse o grande desafio e motor da transformação nos últimos sete anos. Isso teve um conjunto muito vasto de implicações na organização, mas, apesar dessas enormes transformações, há algo constante na Vodafone desde o início, a cultura da empresa. Sempre se manteve fiel aos seus princípios: centralidade no cliente, flexibilidade, inovação, criatividade e resiliência, pois só com resiliência se consegue ter sucesso nas transformações.

 

E actualmente, qual o vosso grande desafio, ou prioridade, em termos de negócio?

MV: Temos três grandes prioridades. A primeira, naturalmente, e que é trans- versal a qualquer organização, é a sus- tentabilidade do crescimento. A segunda é a garantia do alinhamento de todas as equipas, entre si e com os objectivos da organização, que devem ser sempre claros e conhecidos, até porque são passíveis de alteração e adaptação ao longo do percurso. E, por fim mas não menos importante, garantir a nossa relevância junto dos clientes. Não podemos limitar-nos a suprimir uma necessidade.

 

Como estão a dar resposta a essas três prioridades? No fundo, em que assenta a vossa estratégia?
MV: A nossa estratégia passa pela diferenciação e pela relação com o cliente, independentemente de onde ela acontece. Temos de antecipar as razões que levam o cliente a contactar-nos, surpreendendo-o. Depois há desafios de natureza tecnológica. Hoje, mais do que um mero operador, somos uma empresa tecnológica, e temos de ser exemplo e pioneiros nesse campo. E não podemos esquecer tudo o que tem a ver com a cultura da empresa, com as pessoas e com as suas competências. Por outro lado, o propósito da empresa passa pela valência tecnológica, mas também pela inclusão. Queremos garantir um futuro melhor para todos, não deixando ninguém de fora nesta trans- formação tecnológica. Tudo isto baseado na sustentabilidade, porque as consequências daquilo que fazemos é relevante, e central, no nosso negócio.

 

Antes de voltarmos ao tema do propósito, gostava de enquadrar a evolução da Vodafone na do mercado. Nomeadamente o mercado de trabalho, como tem evoluído nos últimos anos, José Miguel? Que dinâmicas destaca?

José Miguel Leonardo (JML): A evolução é tremenda, muito por culpa das tecnologias, que têm alterado a forma como trabalhamos. Mas as práticas não se alteraram de igual maneira nem à mesma velocidade. Dou um exemplo: no nosso sector, o CV continua a ser a porta de entrada mais utilizada num processo de recrutamento. Este anacronismo deve levar-nos a pensar que ainda há uma alteração por acontecer na relação entre as pessoas e o mercado de trabalho.

 

Com tanta tecnologia disponível, porque é que não se alteraram?
JML: A questão está na adopção. Ainda há muito por fazer, apesar de todas as ferramentas disponíveis. Nunca como
hoje o centro de gravidade das decisõesde recrutamento esteve, de forma tão clara, numa das partes, e está na parte dos indivíduos. São quem comanda os processos, já não tanto as empresas. Obviamente que isto varia de sector para sector e de segmento para segmento.

Como “casamos” a tecnologia com a realidade, é um processo de aprendizagem que todos estamos a percorrer. Mas
já foram introduzidos muitos mecanismos novos no processo de recrutamento. Já conseguimos antecipar necessidades, seja da parte do mercado, seja dos clientes e, com isso, criar alertas para os nossos candidatos e para a necessidade de determinadas competências.

 

Quais os principais desafios que Portugal enfrenta, actualmente, neste âmbito do trabalho? Estão em sintonia com o que se passa a nível global?
JML: A realidade portuguesa não é muito diferente das dinâmicas que estamos a observar a nível europeu. A tão falada escassez de talento é um fenómeno transversal a toda a Europa Ocidental. Há uma desadequação entre aquilo que é solicitado pelas empresas e a disponibilidade desses perfis no mercado. E isso dá-se em duas dimensões: quantitativa, porque não há pessoas suficientes para responder a todas as solicitações do mercado; e qualitativa.

 

Mas isso nas áreas tecnológicas ou especializadas…Depois não há outras áreas com excesso de oferta para procura?
JML: É uma realidade bastante transversal. Nós próprios temos centenas, para
não dizer alguns milhares, de ofertas de emprego para as quais não temos candidatos, e não é só na área das Tecnologias. Nesta área acresce a volatilidade, as pessoas trocam muito frequentemente, e com enorme facilidade, de emprego, porque a oferta é enorme.

 

E estava a dizer que é também uma questão de qualidade…
JML: Sim, por causa desta desadequação entre as competências disponíveis e as procuradas. E não podemos esquecer que, hoje, não são só as empresas tecnológicas que procuram estes perfis. A Randstad é um exemplo, pois tem a tecnologia omnipresente na sua realidade, através das ferramentas mas também como sistema de inovação. Criámos em Portugal uma ferramenta – a XPT – cujos algoritmos permitem criar previsibilidade em relação às dinâmicas do mundo do trabalho.

 

Mário, na Vodafone têm sentido esta escassez de talento?
MV: Sim, sentimos isso do ponto de vista directo e indirecto, porque os nossos parceiros enfrentam o mesmo desafio.
Estamos praticamente em pleno emprego em Portugal. E o País tem ganho grande apelo junto de muitas multinacionais para instalar os seus hubs de desenvolvimento. São ambos factores positivos, mas que vêm reduzir ainda mais a disponibilidade de recursos.

Depois, estamos num momento de transformação digital, que, como o José Miguel dizia, é transversal a todas as
organizações e a todos os sectores. Há novas funções, como a de data scientist, que há muito pouco tempo não existiam. As próprias universidades não estavam a formar pessoas nesse âmbito, e estão agora a adaptar-se. Assim, naturalmente que há uma procura que é superior à oferta.

 

Leia o artigo na íntegra, na edição de Novembro da Human Resources, nas bancas.

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