Ainda tem dúvidas sobre a Agenda do Trabalho Digno? (re)Veja as principais alterações que trouxe à lei laboral e as novas regras que já estão em vigor

São cerca de 70 medidas que vieram reformular o Código de Trabalho. A Agenda do Trabalho Digno tem impacto directo numa grande diversidade de temas que importam a trabalhadores e empresas, das despesas com teletrabalho às licenças parentais, dos recibos verdes ao trabalho temporário, das bolsas de estágio aos processos de despedimento. Pelo meio, há novidades no para cuidadores informais e para quem faz horas extra. O Comparaja reuniu as principais mudanças que já estão em vigor.

A Agenda do Trabalho Digno reúne um conjunto de iniciativas e políticas que visam garantir condições justas e adequadas para todos os trabalhadores. Esta nova legislação vem reformular questões essenciais, como a valorização dos salários, a igualdade no mercado de trabalho e o incentivo à partilha das responsabilidades familiares.

Para o efeito, foram também criados mecanismos de reforço da fiscalização, como o cruzamento de dados entre entidades, para detectar irregularidades como falsos recibos verdes ou trabalho não declarado.

Para que serve a Agenda do Trabalho Digno?
A Agenda do Trabalho Digno foi criada para garantir que todos os trabalhadores têm acesso a empregos dignos, que proporcionem uma remuneração justa, segurança e protecção social. Todas as medidas constantes nesta Agenda passam pelos seguintes objectivos:

  • Combater a precariedade;
  • Valorizar os salários;
  • Incentivar o diálogo e a negociação;
  • Promover igualdade no trabalho;
  • Melhorar o equilíbrio entre a vida profissional, familiar e pessoal;
  • Reforçar os mecanismos de fiscalização.

A missão do Governo passa, assim, pelo aumento da qualidade de vida dos trabalhadores e das suas famílias. Espera-se que ajude ao aumento da produtividade e competitividade das empresas e ao desenvolvimento sustentável e equitativo.

O que inclui a Agenda do Trabalho Digno?
A Agenda do Trabalho Digno inclui uma série de reformulações políticas e novas iniciativas, aplicáveis ao Código de Trabalho. Estas são as principais.

1. O limite aos contratos temporários desce para quatro anos
O período máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário passa de seis para quatro anos. Findo este período, as empresas são obrigadas a integrar os trabalhadores nos seus quadros.

Além disso, nos casos em que o trabalhador tenha sido cedido por uma empresa de trabalho temporário não licenciada, as entidades empregadoras são obrigadas a proceder à sua integração.

 

2. Há novos limites para os recibos verdes
A Agenda do Trabalho Digno prevê que as empresas deixem de poder contratar trabalhadores a recibos verdes para suceder a um trabalhador temporário no mesmo posto ou actividade profissional.

Além disso, passa a ser proibido recorrer a outsourcing durante 12 meses após despedimento colectivo ou por extinção dos postos de trabalho. Ainda, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) vê o seu poder reforçado para converter contratos a termo em contratos sem termo.

3. A legislação das plataformas digitais também mudou
A Agenda do Trabalho Digno presume a existência de contrato de trabalho nas plataformas digitais (como a Uber, Glovo ou TVDE), sempre que verificarem indícios de relação laboral. Estes indícios são reconhecidos quando a empresa fixa uma remuneração, supervisiona a prestação da actividade, controla o horário de trabalho e outros aspectos relativos à organização de tarefas.

 

4. Novas regras para licenças parentais e de luto
A Agenda do Trabalho Digno aumenta o período de licença parental obrigatória do pai. Passa assim a ser obrigatório que o pai goze a licença de 28 dias (seguidos ou interpolados), nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança, cinco dos quais de modo consecutivo imediatamente a seguir ao parto.

Após estes 28 dias, o pai tem ainda direito a sete dias adicionais, desde que gozados em simultâneo com a licença parental inicial por parte da mãe. Esta medida tem como objectivo incentivar a partilha das responsabilidades familiares.

Há também alterações relacionadas com o falecimento de um familiar. Se o cônjuge falecer, a licença passa a ser de 20 dias. Foi também criada a licença por luto gestacional, que tem como limite máximo três dias.

Além disso, os pais de crianças com deficiência, doença crónica ou doença oncológica passam a ter direito ao teletrabalho, sem necessidade de acordo por parte do empregador.

 

5. O trabalho não declarado passa a dar direito a prisão
O trabalho não declarado passa a ser criminalizado com prisão até três anos ou multa até 360 dias. Mesmo quando a situação é voluntariamente regularizada, há sempre lugar a uma contraordenação. Além disso, é obrigatório manter o registo diário dos trabalhadores cedidos ou colocados por outras empresas em explorações agrícolas e estaleiros de construção civil.

6. Aumentam as bolsas de estágios de IEFP
A bolsa de estágio do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) para licenciados beneficia agora de um aumento para 878 euros. É também anulada a possibilidade de pagar a estagiários uma remuneração inferior à prevista no Código de Trabalho, ou seja, 80% da Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG). Os estágios que não beneficiem do apoio do IEFP têm acesso a regime de protecção social equiparado ao trabalho por conta de outrem.

7. A ACT tem novos poderes para acompanhar processos de despedimento
Também a ACT vê os seus poderes reforçados, tendo agora a autoridade de, por exemplo, suspender processos de despedimento com indícios de irregularidade. Os processos estão também mais simplificados, com recurso a notificações electrónicas, inquirição por videochamada ou aplicação de processos com base apenas no cruzamento de informação.

 

8. O estatuto dos cuidadores informais entra em vigor
É criada uma licença de cinco dias para cuidadores informais não principais reconhecidos, além do direito a faltar 15 dias sem perda de direitos (excepto retribuição). De forma a prevenir que o trabalhador seja prejudicado pelo exercício dos seus direitos, foram introduzidas garantias especiais relativas a despedimento e à não discriminação.

Além disso, os cuidadores informais não principais reconhecidos passam a ter acesso a regimes de trabalho flexíveis e ao teletrabalho.

 

9. Despesas adicionais do teletrabalho passam a ser pagas
A Agenda do Trabalho Digno prevê a fixação do valor das despesas adicionais do trabalhador em caso de teletrabalho. Este valor deve estar discriminado no contrato de trabalho. Quando isso não acontece, consideram-se despesas adicionais aquelas que não existiam antes do contrato.

Quando esta compensação não é comprovada por facturas, passa a ser tributada em sede de IRS. Dito doutro modo, reembolsos de despesas adicionais apenas ficam isentos de impostos quando devidamente comprovadas.

10. Horas extraordinárias passam a ser pagas até mais 75%
O valor das horas extraordinárias foi agora aumentado quando ultrapassam as 100 horas anuais. Em dias úteis, o valor sobe de 25 para 50% na primeira hora ou sua fracção e, nas horas seguintes, passa de 37,5% para 75%. Em dias de descanso semanal, o aumento é de 50% por cada hora ou fracção.

 

11. Baixas médicas podem ser pedidas online até três dias úteis
As baixas médicas podem agora ser pedidas online, através da plataforma digital do Serviço Nacional de Saúde, sem necessidade de o trabalhador se deslocar fisicamente a um centro de saúde ou a um hospital. Esta medida também vem libertar os médicos destes actos, abrindo mais espaço para consultas.

Contudo, as justificações emitidas através deste modelo não podem exceder três dias consecutivos de falta ao trabalho, duas vezes por ano. A partir destes limites, o trabalhador terá de recorrer ao método convencional, ou seja, deslocar-se ao hospital ou ao centro de saúde para atestar a sua incapacidade para trabalhar.

Quanto à perda de vencimento, não se verificam alterações, ou seja, a Segurança Social só paga as baixas a partir do quarto dia de impedimento para o trabalho.

12. Semana de quatro dias ainda em testes no privado
A Agenda do Trabalho Digno abriu um projecto-piloto livre e voluntário às empresas do sector privado que queiram experimentar a implementação de uma semana de quatro dias. Esta modalidade implica a redução de horas de trabalho semanais sem perda de salário. Contudo, a jornada laboral diária pode ser aumentada.

Qual a origem de Agenda do Trabalho Digno?
A origem da Agenda do Trabalho Digno remonta à década de 1990, quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) iniciou um debate global sobre o que significa «trabalho digno».

Em 1999, a OIT adotou a Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, que estabelece quatro categorias de direitos dos trabalhadores considerados fundamentais: a liberdade sindical e o reconhecimento efectivo do direito à negociação colectiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a abolição efectiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

A partir daí, a OIT desenvolveu a Agenda do Trabalho Digno, que ampliou o conceito de trabalho digno para incluir outras questões relevantes, como a protecção social, o desenvolvimento de habilidades e competências, a igualdade de oportunidades e a promoção do diálogo social entre empregadores, trabalhadores e governos. Trata-se assim de um compromisso global para promover um mundo do trabalho mais justo e humano.

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