
Alinhar as necessidades das equipas e as prioridades estratégicas da organização. É por aqui que passa o papel dos gestores de Pessoas
Ana Gama Marques (MEO), Ana Rita Lopes (Delta Cafés / Grupo Nabeiro) e Joana Queiroz Ribeiro (Fidelidade) foram as convidadas da talk com o tema «Qual será o papel dos gestores de Pessoas nas empresas?», um dos momentos da XXIX Conferência Human Resources, onde analisaram como os gestores de Pessoas podem assumir um papel estratégico e transformador nas organizações.
Num mundo em rápida mudança, os gestores de Pessoas enfrentam desafios como a longevidade, a escassez de talento e a necessidade de novas competências. Como podem os Recursos Humanos (RH) tornar-se uma força estratégica de impacto no negócio? Esta questão, colocada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources, que moderou o debate, guiou uma conversa que combinou reflexões teóricas com experiências reais, oferecendo um olhar abrangente sobre o papel dos gestores de pessoas nas empresas de hoje e de amanhã. Esta talk fez parte da conferência dedicado ao tema “O futuro do trabalho, tudo o que (não) sabemos”, organizada pela Human Resources.
A transição dos Recursos Humanos de um papel tradicionalmente operacional para uma posição estratégica foi o ponto de partida desta conversa. Ana Gama Marques sublinhou que, na MEO, essa evolução é uma prioridade quotidiana, com a gestão de pessoas elevada a pilar estratégico da organização. Para a directora de Pessoas e Organização, o sucesso dos RH depende de compreenderem profundamente a estratégia do negócio, indo além de tarefas administrativas para acrescentar valor real às decisões da empresa. Esse desafio é particularmente complexo em grandes organizações, onde alinhar equipas dispersas exige um esforço contínuo e estruturado.
Na prática, esse alinhamento na MEO é concretizado através de kick-offs anuais, encontros que reúnem administradores e direcções para comunicar a estratégia e garantir que todos, desde os líderes às equipas operacionais, saibam como contribuir para os objectivos globais. Ana Gama Marques acrescentou que «o recrutamento também precisa de perceber do negócio», enfatizando que esta área não se limita a preencher vagas, mas deve entender o papel de cada função, a sua relevância para a organização e o seu valor no mercado.
Ana Rita Lopes, por sua vez, trouxe a experiência da Delta Cafés / Grupo Nabeiro, onde assumiu a direcção de RH há seis anos com o desafio de responder a uma multiplicidade de actividades numa empresa de grande capilaridade. Para a directora de Recursos Humanos, a criação de interlocutores próximos do negócio foi uma solução essencial. Identificando-os como Business Partners, apontou o papel crucial que desempenham em processos como o recrutamento, a selecção e a integração, actuando como pontes entre as necessidades das equipas e as prioridades estratégicas da organização. «Preciso de ter mais Ritas ao meu lado, porque eu não vou chegar a todo o lado», confessou, ilustrando a importância de delegar e capacitar esses parceiros para assegurar uma gestão de pessoas eficaz.
No entanto, Ana Rita Lopes alertou que o verdadeiro desafio muitas vezes reside dentro das próprias equipas de RH. Para ela, construir uma estrutura interna coesa, capaz de equilibrar operação, desenvolvimento e estratégia, é tão ou mais difícil do que responder às exigências externas. «Temos muitos jogadores de meio-campo; falta-nos chutar à baliza», afirmou, criticando a tendência para discussões teóricas que não se traduzem em acções concretas.
Joana Queiroz Ribeiro trouxe uma perspectiva mais ampla, centrada nas transformações do mercado de trabalho. «Mudou quase tudo», declarou a directora de Pessoas e Organização da Fidelidade, descrevendo um contexto «competitivo e sem fronteiras» onde os trabalhadores têm hoje um leque muito maior de escolhas. Esta realidade obriga as empresas a reposicionarem-se como opções atractivas, indo além de salários para oferecer projectos claros e desafios que inspirem. «Tenho de conhecer o negócio e de me posicionar num papel em que sou capaz de vender o projecto àquelas pessoas. Hoje, os colaboradores, movem-se por projectos», sublinhou.
Transformação em foco
A interligação entre transformação e estratégia emergiu como outro tema central do debate. Ana Gama Marques enfatizou que, na MEO, a transformação deve estar intrinsecamente ligada à estratégia, especialmente num cenário de mudanças rápidas impulsionadas por factores como a globalização, a demografia e a crescente escassez de talento. «A transformação passa por ajudarmos no upskilling e reskilling, percebendo como damos as competências certas aos líderes e às pessoas para se adaptarem a este mundo em constante mudança», afirmou a directora de Pessoas e Organização. A velocidade das mudanças, amplificada pela inteligência artificial, exige que os RH assumam um papel proactivo na capacitação das equipas, identificando as competências que serão críticas no futuro e preparando a organização para as adquirir ou desenvolver.
Por outro lado, Ana Rita Lopes realçou a aplicabilidade destes conceitos às Pequenas e Médias Empresas (PME), que constituem a maioria do tecido empresarial português. A directora de Recursos Humanos da Delta Cafés / Grupo Nabeiro, o essencial é ajustar as soluções às necessidades de cada organização, chamando a atenção para a tendência de usar palavras grandiosas sem as traduzir em resultados palpáveis.
Desafios do futuro
Na recta final, o debate voltou-se para os grandes desafios que os gestores de pessoas enfrentarão num futuro próximo. Ana Rita Lopes sublinhou a importância de manter o foco, num contexto onde a multiplicidade de temas emergentes pode facilmente desviar as prioridades. «Somos todos os dias abalroados por N temas», observou, alertando que, sem uma direcção clara, os RH correm o risco de se perderem em discussões ou iniciativas que não chegam a concretizar-se.
Ana Gama Marques defendeu que os RH devem antecipar as competências necessárias para o negócio, conhecendo profundamente a organização. Esse conhecimento detalhado permite-lhes identificar lacunas actuais e preparar as equipas para os desafios futuros, como a rápida evolução tecnológica ou as mudanças demográficas. «Temos de estar um passo à frente, ajudando a dotar a organização das ferramentas certas para o que aí vem», reforçou.
Por último, Joana Queiroz Ribeiro trouxe a longevidade para o centro do debate, apresentando-a como um desafio tanto social como organizacional. «As organizações devem reflectir sobre que papel querem ter em prol da sociedade e, acima de tudo, como podem apoiar os seus trabalhadores para que tenham vidas mais longas, mas com qualidade», afirmou a directora de Pessoas e Organização da Fidelidade. Explicou que, com a expectativa de vida a aumentar, as empresas precisam de considerar como podem ajudar os colaboradores a manterem-se saudáveis, produtivos e financeiramente estáveis ao longo de décadas. «Não sabemos se vamos viver com saúde ou sem saúde, com dinheiro ou sem dinheiro», observou, desafiando as empresas a assumirem um papel activo nessa preparação.
Com um equilíbrio entre estratégia, transformação e humanização, os gestores de pessoas consolidam-se como protagonistas na construção do futuro das organizações e da sociedade.