Ana Porfírio, Jaba Recordati: A falácia do tempo

As expressões “Guerra pelo Talento”, “Gestão de Talento” e até a, hoje mal-afamada, “Retenção de Talento” têm em comum não só o foco no “talento”, mas também a aparente transversalidade do mesmo. Mas será que o talento é realmente transversal e universal.

 

Por Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos da Jaba Recordati

 

Parece-me que, de repente, decidimos normalizar o talento e aquilo que por definição é uma “pessoa que sobressai pela aptidão excepcional para determinada actividade” (fonte: Wikipedia), tornando- -se todo o universo de colaboradores e/ ou candidatos no mercado de trabalho.

Onde ficam então os “high flyers”, as “estrelas” das organizações? Se todos são talentos, como definimos estratégias e planos para estes 5% ou 10% da nossa curva de Gauss, que efectivamente não queremos perder a custo nenhum? E estes são apenas fruto do talento ou incluem-se aqui também os chamados “hard workes”? Ou serão um produto dos dois?

Há uns tempos, vi uma TED talk com o título “Forget talent and get to work”, de Suzanne Lucas, que fala precisamente deste fenómeno, daquilo que faz e transmite aos reais talentos, assim como àqueles que, não sendo talentos naturais, são “hard workers”, com excepcionais resultados.

Anders Ericsson, professor catedrático de Psicologia na Universidade da Flórida, publicou o famoso estudo das 10 mil horas que acabou, mais tarde, por inspirar Malcolm Gladwell no seu livro “Outliers”. Neste estudo, Ericsson acompanhou vários estudantes de violino, desde a infância até o final da adolescência, de forma a descobrir o que diferenciava os músicos extraordinários dos medianos. No final, constatou que os violinistas mais extraordinários eram aqueles que tinham praticado uma média de 10 mil horas.

Ericsson concluiu que «muitas das características que acreditávamos reflectir um talento inato são, na realidade, resultado de uma prática que se estende por um mínimo de 10 anos».

O “hard work” (trabalho árduo) refere- se ao esforço e dedicação empenhados por uma pessoa para alcançar um objectivo específico ou melhorar suas competências (podemos chamar “talentos”?). Ser expert numa competência requer prática, persistência e perseverança.

Embora o talento possa ser uma vantagem, ele não garante o sucesso. O hard work é essencial para o cultivar e desenvolver de forma a atingir seu potencial máximo. Sem hard work, o talento pode ser desperdiçado.

O hard work também pode compensar a falta de talento em certas áreas e pode ajudar a desenvolver competências que não existam inicialmente. Talento e hard work são ambos essenciais para o sucesso e podem complementar- se. No entanto, o trabalho árduo é considerado mais crítico, uma vez que é controlado de forma individual. É também necessário para desenvolver e aprimorar o talento de forma a alcançar o sucesso.

Em resumo, ser talentoso dá muito trabalho. E hoje ainda dá mais, porque ser excepcional num mundo complexo (pré-pandemia) não é o mesmo que ser excepcional num mundo desconhecido (pós-pandemia). A complexidade, desconstruímos com a nossa experiência passada, mas o desconhecido, só desconstruímos com a aprendizagem contínua. Então onde encaixa o Talento neste novo paradigma? Parece-me que apenas o Talento para aprender. Como diria a Suzanne Lucas: «Forget talent and get to work.»

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio (nº. 149) da Human Resources, nas bancas.

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