Ana Porfírio, Jaba Recordati: VASA – O culto do erro
Somos treinados para fugir do erro, como se fosse o vilão da história. Mas e se estivermos a ver isto ao contrário?! A ciência já começou a dar-nos outras perspectivas.
Por Ana Porfírio, directora de Recursos Humanos e Cliente Interno da Jaba Recordati
Há histórias que nos fazem pensar no que significa errar. Uma delas é a do navio Vasa, que visitei este ano, um colosso construído no século XVII para ser o orgulho da marinha sueca. No entanto, o destino tinha outros planos. Na sua viagem inaugural, em 1628, o Vasa naufragou espectacularmente no porto de Estocolmo. Durante 333 anos, permaneceu no fundo do mar, até ser resgatado e transformado numa das atracções mais populares da Suécia. É curioso, não é? Um erro monumental, celebrado séculos depois.
Hoje, precisamos de continuar a reflectir no do valor do erro nas organizações. Afinal, se o Vasa tivesse sido perfeito, talvez nunca tivesse tido tanta notoriedade. A sua falha tornou-se o seu triunfo.
No mundo do trabalho, o erro ainda carrega uma aura negativa. Desde a escola, somos condicionados a associar o erro ao fracasso. “Tiraste má nota? Deves estudar mais. Fizeste mal o trabalho? Concentra-te mais.” Somos treinados para fugir do erro, como se fosse o vilão da história. Mas e se estivermos a ver isto ao contrário?!
A ciência, felizmente, já começou a dar-nos outras perspectivas. Um estudo recente publicado na “Nature” defende que errar faz parte do processo de aprendizagem. O erro não é o fim da linha, é um desvio que nos permite reajustar o percurso. O cérebro aprende com os erros, reconsolidando memórias e actualizando informações. No fundo, cada erro é uma oportunidade de crescimento.
Quem já teve sucesso na vida, raramente seguiu um caminho linear e isento de erros. Pensemos em Thomas Edison, o homem que inventou a lâmpada. Ele próprio disse: «Eu não falhei, apenas descobri 10 mil maneiras que não funcionam.» É uma questão de perspectiva. Cada tentativa, mesmo falhada, era uma pista sobre o caminho certo. O erro, neste caso, foi o combustível da inovação.
Nos dias de hoje, a ideia de “falhar rápido e aprender rápido” deve ser promovida para benefício das organizações. A cultura do erro é reconhecida como essencial para a inovação. Esta exige experimentação, que, por definição, pode obter o resultado esperado ou não. Se uma empresa não der espaço aos seus colaboradores para experimentar, falhar e tentar de novo, as pessoas não vão sentir a liberdade para fazer diferente. Errar não é o problema, o problema é ter medo de errar e, por esse motivo, optar por não fazer nada de novo.
Importa, porém, distinguir entre erro produtivo e erro por negligência. Um erro cometido com intenção de aprender e melhorar é uma parte natural do processo. É errar com método, resulta da experimentação intencional, calculada e com impacto previsível. Já os erros por falta de cuidado, negligência ou irresponsabilidade são outro assunto. Aqui, torna-se muito importante o papel das lideranças: criar um ambiente seguro onde as pessoas possam arriscar e errar de forma construtiva. Quando um erro se torna um motivo de vergonha ou castigo, deixamos de querer arriscar. E quando não arriscamos, não inovamos.
Curiosamente, a 3M, a gigante multinacional conhecida por produtos inovadores como os post-its, tem como lema “erros honestos são bem-vindos”. Este tipo de mentalidade é crucial para o sucesso a longo prazo. E, ainda mais importante, é uma lição para todos nós, gestores e líderes. Como lidamos com os nossos próprios erros? Como reagimos quando os outros erram? A resposta a estas perguntas molda não só a nossa cultura empresarial, mas também o sucesso das nossas equipas.
Não deixo de pensar que, de facto, é preciso uma mentalidade diferente para que um povo faça de um fracasso passado um orgulho nacional no presente e algo grandioso que leva “peregrinos” a conhecê-lo e à sua história. Afinal, sem erro, não há progresso.
O maior erro que podemos cometer? Ter medo de errar.
Este testemunho foi publicado na edição de Dezembro (nº.168) da Human Resources, no âmbito da LVI edição do seu Barómetro.
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