Ângela Morgado, WWF Portugal: «Há cada vez mais empresas a investirem na transformação do seu negócio, na sensibilização e educação dos colaboradores.» Mas «falta acção efectiva pela natureza, num registo constante»

Há cada vez mais empresas a investir na transformação do negócio, na sensibilização e educação dos colaboradores e no apoio a projectos de sustentabilidade, afirma Ângela Morgado, fundadora e directora-executiva da WWF em Portugal. Reconhece que já não vamos a tempo de evitar os danos do aquecimento global acima do 1,5º, mas ainda é possível reverter o actual cenário e assegurar que, no futuro, não vamos agravar ainda mais as consequências das alterações climáticas.

Por Tânia Reis

 

A Hora do Planeta assinala-se em Portugal desde 2008. A 16.ª edição aconteceu no passado dia 23 de Março e Ângela Morgado, fundadora e directora-executiva da WWF em Portugal, faz um balanço «extremamente positivo»: 93 municípios, 11 organizações, mil visitantes na festa oficial e mais de 41 mil horas registadas no Banco de Horas.

 

Este ano, a Hora do Planeta aconteceu no passado dia 23 de Março. Que resultados alcançou?

Nesta edição, em Portugal aderiram 93 municípios, de Norte a Sul do país e ilhas, quer divulgando o evento, quer organizando acções concretas como: caminhadas, passeios de bicicleta, diversos workshops, construção de lanternas a partir de resíduos, observação de estrelas, concertos (tunas, funcionários da limpeza urbana…), desligando as luzes de monumentos e de edifícios públicos, entre muitas outras.

Participaram oficialmente ainda 11 empresas e organizações, nomeadamente: REN, El Corte Inglès, Vulcano, Auchan, Wild Park Zoo Santo Inácio, EGF, Procter & Gamble, Continente, High Gate, e o Corpo Nacional de Escutas. Estas entidades contribuíram, por exemplo, com o clássico apagão de fachadas das suas sedes e escritórios/lojas e incentivando os seus colaboradores a fazerem parte deste momento.

Sobre o Banco de Horas — esteve disponível no site da Hora do Planeta —, a nível mundial, foram registadas 1473 145 mil horas doadas ao ambiente, sendo que 41 242 são de Portugal. Além do apagão, as actividades mais efectuadas um pouco por todo o mundo, incluindo no nosso país, foram sobretudo relacionadas com: fitness, artes, alimentação e entretenimento educativo. Portanto, o balanço global daquilo que apelidamos de Maior Hora do Planeta, é, sem dúvida, extremamente positivo.

A Hora do Planeta já se realiza em Portugal desde 2008. Que balanço faz destes 16 anos?

Contextualizando, a 1.ª edição da Hora do Planeta foi organizada em 2007 pela WWF apenas em Sidney e o apagão de luzes e de aparelhos não-essenciais durante 60 minutos tinha como objectivo, não economizar electricidade, mas alertar para os efeitos nocivos das alterações climáticas nos seres vivos e permitir também que durante uma hora a Terra pudesse recuperar da pressão exercida em relação aos seus recursos. Todavia, a iniciativa teve tanta adesão — 2,2 milhões de cidadãos e mais de 2 mil empresas — que, logo no ano seguinte, mais 35 países aderiram, um deles Portugal, o que revela que o tema já era de alguma forma importante para nós.

Ao longo destes 16 anos, estamos a notar que cada vez mais municípios estão a juntar-se a esta grande hora – quase 100 neste ano – e que os indivíduos também têm comparecido em maior número e mais activamente às actividades locais propostas. Para termos uma ideia de um exemplo prático, a festa oficial da Hora do Planeta, que neste ano se realizou no Mercado de Alvalade em Lisboa, contou com quase 1000 visitantes durante cinco horas, o que reflecte esta vontade de mudança. Apesar de estarmos no rumo certo, não podemos esquecer que ainda há muito trabalho individual e colectivo a ser feito e que, como tal, ninguém pode baixar os braços.

Apesar da legislação nacional e internacional existente, considera que o tema da sustentabilidade está verdadeiramente na agenda das empresas em Portugal? E do poder local?

Sim, tem-se notado esse aumento de consciência, em particular nos últimos anos, principalmente no que diz respeito à perda de natureza e de biodiversidade e também das alterações climáticas.

Sentimos, acima de tudo, que há cada vez mais empresas a investirem na transformação do seu negócio, na sensibilização e educação dos colaboradores e no apoio a projectos de restauro da natureza à escala da paisagem, como o Grupo Bel, a Finerge, a CVRA, a Coca-Cola, a Jerónimo Martins, a Auchan ou o grupo Super Bock, entre outras.

O poder local não fica atrás. E se há 16 anos apenas tínhamos 11 municípios a aderir com iniciativas de sustentabilidade à Hora do Planeta, neste ano contámos com 93 (quase um terço dos existentes em Portugal), com eventos e compromissos que se estendem pelo ano inteiro.

E a sociedade está sensibilizada? De que forma pode cada cidadão ser um agente de mudança de comportamentos?

Para se ter uma noção concreta da actual realidade ambiental, desde 1970 até agora já perdemos quase 70% da população de espécies da Terra. Dados que são por si só gritantes, naturalmente, mas que têm mais impacto quando as pessoas sentem na pele os efeitos práticos destes números.

Como tal, ninguém é indiferente ao calor e ao frio extremos, ao degelo, às tempestades, às secas e às inundações, pois há consequências concretas nas nossas vidas: casas que desaparecem, empresas que vão à falência, viaturas danificadas, perdas de vidas humanas e de milhões de euros devido a incêndios florestais de grandes dimensões.

As pessoas já percebem que a mudança não é somente da responsabilidade de políticos, empresas e organizações, mas que também elas, através das suas escolhas e dos seus comportamentos, são responsáveis no dia-a-dia pela ‘saúde’ do Planeta.

E esta mudança de paradigma deve-se, em parte, aos media – colocando o tema na agenda -, ao trabalho das ONG no terreno, mas sobretudo à educação de crianças e jovens – e adultos -, pois os mais novos têm o poder de levar para casa formas alternativas de pensar e de actuar, contaminando positivamente todos os familiares. E quantos mais círculos forem tocados, mais pessoas alcançamos e mais o movimento se torna norma.

A seu ver, o que falta fazer? Ainda vamos a tempo?

Falta acção efectiva pela natureza num registo constante. O modelo actual de consumo exige um nível de produção e de recuperação para o qual o Planeta não tem capacidade de resposta. Estamos a consumir mais rápido do que deixamos o Planeta regenerar. A longo prazo, isto vai causar um enorme desequilíbrio.

Sabemos que já não vamos a tempo de evitar os danos do aquecimento global acima do 1,5º, mas vamos sempre a tempo de reverter este aquecimento global, a perda de biodiversidade e o colapso dos ecossistemas, no sentido de assegurar que, no futuro, não vamos agravar ainda mais as consequências das alterações climáticas.

Que exemplos de “pequenas acções, grande impacto” podemos fazer no dia-a-dia?

O objectivo desta campanha — lançada em 2023 e activada novamente neste ano — é que as pessoas tracem objectivos pequenos, plausíveis e relativos a áreas que gostem, dado que alterações drásticas e repentinas tendem a não ser efectivas.

Exemplos de ‘pequenas acções, grande impacto’ que as pessoas podem introduzir no seu quotidiano: duas vezes por semana fazer uma hora de desporto; comer uma refeição sustentável pelo menos uma vez por semana; usar sacos reutilizáveis (papel, rede ou pano) para fruta e legumes; escolher alimentos frescos, sazonais e locais e evitar desperdício; deslocar-se, sempre que possível, a pé, de bicicleta ou de transportes públicos; desligar a água enquanto se lava os dentes e reduzir o tempo no banho ao essencial; optar por detergentes caseiros; começar a reciclar mobiliário e vestuário em segunda mão ou do roupeiro de familiares.

O importante é assumir um compromisso e manter o mesmo no dia-a-dia. Ninguém muda só uma coisa, pois o ambiente também é ‘viciante’: começando, não se para. Com uma pequena mudança, seguramente que outras se seguirão de forma orgânica e com continuidade no tempo.

Está à frente da ANP|WWF em Portugal desde 2018, o que mudou relativamente ao tema da sustentabilidade desde então?

Em rigor, três destes últimos seis anos foram vividos em pandemia, com vários confinamentos, alguns deles muito restritivos, em todo o mundo. E, claro, esta situação atípica impactou de forma positiva o ambiente, dado que o Planeta teve tempo de regenerar: poucos transportes a circular, maioria das fábricas não-essenciais fechadas, imensas pessoas mudaram-se para o campo, cozinhar em casa…

Entretanto, e apesar de termos voltado à nossa “normalidade”, houve uma consequência incrível do período da covid-19: o teletrabalho foi adoptado de forma integral ou parcial um pouco por todo o mundo, o que permite garantir menos uso de transportes, um dos sectores mais responsáveis pela emissão de CO2, precisamente o que está na base das alterações climáticas.

Claro que é impossível e indesejável manter o Planeta em suspenso como na pandemia. Todavia, o ideal seria haver mais compromissos colectivos — individuais, políticos, empresariais e académicos (mais estudos) — para conseguirmos alcançar metas mais sustentáveis.

Se tivesse de dar um compromisso como exemplo, escolheria a alimentação, fazendo um apelo claro para que se reduza o consumo de proteína animal, combinando-a com proteína vegetal, numa dieta mais saudável e dentro dos limites planetários.

Implementou um modelo de gestão na WWF Portugal. Em que consiste o programa de Cultura do bem-estar?

Em 2019, por questões do foro pessoal e profissional, comecei a interessar-me por temas como bem-estar, sucesso e realização e desenvolvimento pessoal e organizacional. Entretanto, formei-me como mentora, com a finalidade de ser mais eficiente na resolução de problemas, obtendo melhores resultados na gestão do stress e emoções e melhorar a tomada de decisão.

Em 2021, tornei-me também instrutora de ioga e meditação, para ajudar a que mais pessoas se sintam felizes, melhorando a gestão do stress, aumentando o foco, concentração e energia, o que resulta em melhores performances.

Entretanto, juntei as competências de mentora e de instrutora para criar e implementar um modelo de gestão na ANP|WWF Portugal — o qual intitulei Cultura do bem-estar — e que tem como objectivo devolver tempo aos colaboradores e garantir uma melhor conciliação da vida pessoal com a profissional, proporcionando alegria, conforto e motivação ao staff.

A título de exemplo: trabalhamos 35 horas semanais e temos livres as sextas-feiras à tarde, saímos à hora, a ANP oferece quatro dias extra de férias, uma aula de ioga por semana, um sistema de trabalho híbrido, prémio colectivo anual (para a equipa), entre várias outras medidas.

Neste âmbito, recebemos em 2023 o prémio Inovação atribuído pela rede mundial WWF, mas, mais importante do que isso, sinto que este programa tem um impacto real muito positivo na vida dos 35 colaboradores. Contribuir para a felicidade dos outros tornou-se cada vez mais o meu propósito de vida.

Que impacto tem o bem-estar das pessoas na preservação do planeta?

Bem-estar é sinónimo de qualidade de vida. Portanto, quando as pessoas se sentem equilibradas e confortáveis na sua pele a nível físico, emocional e mental, a conexão à Terra — que é a sua casa — é muito mais fluida e aí se vai buscar também inspiração e bem-estar.

Florestas verdes, prados de flores de todas as cores, rios livres e oceanos limpos geram sentimentos positivos, de bem-estar e conforto. Usufruir mais dessa experiência no mundo natural e valorizar aquele momento é sinónimo de revitalização e alegria.

Por sua vez, para conseguirmos ter estes benefícios de forma plena, temos necessariamente de cuidar do ambiente. Nós dependemos em absoluto do Planeta, pois é ele que nos fornece, de forma natural, tudo o que é essencial à nossa existência: ar, água, alimentos, sol, matérias-primas…

Quando esta “naturalidade” é, de alguma forma, ‘agredida’, seguramente que vai pôr em causa o bem-estar individual e colectivo. Tudo é um ciclo: se cada um cuidar, à sua maneira, do seu bem-estar individual e do bem-estar do Planeta, ele vai estar disponível para nós na sua total dimensão, devolvendo-nos bem-estar e felicidade.

Imagine que pode viajar no tempo e vai até ao futuro. Descreva o que viu… 

Florestas restauradas, rios limpos, oceanos saudáveis, espécies animais recuperadas, flores de todas as cores, um nascer ou um pôr do sol vibrante. Imagino um futuro onde a natureza brilha em todo o seu esplendor e, assim, as pessoas vivem uma vida plena, alegre e próspera. Passam tempo na natureza e cuidam dela, porque isso lhes devolve um bem-estar inigualável.

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