Aprender, Desaprender, Adaptar

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

Yuval Noah Harari, um dos pensadores mais inspiradores e influentes da actualidade (autor de obras como Sapiens e Homo Deus), esteve em Lisboa no passado mês de Maio. Numa brilhante apresentação, expressou várias ideias sobre o futuro da Humanidade. O foco actual na Inteligência Artificial (tópico previsível, dado o “hype” do ChatGPT), suas ameaças e oportunidades, marcou boa parte do evento. Levou-nos numa interessante viagem do presente ao futuro da Humanidade, cruzando tecnologia, sociedade e cultura.
Na parte final, respondendo a um desafio do jornalista-moderador, deixou também a sua visão das implicações da actual espiral de inovação tecnológica no futuro do trabalho. À pergunta de qual a competência-chave para o futuro, foi rápido e taxativo na resposta: “the ability to change” – i.e. a nossa capacidade de mudar!
Olhemos para o contexto global! Todos os que, como eu, acompanham os mundos da educação, da formação e da gestão de capital humano, observam com regularidade a emergência de reports com as skills do futuro: instituições internacionais, universidades ou grandes consultoras publicam os seus rankings, com base em surveys a gestores e investigadores. No recente Future of Jobs Report 2023, do Fórum Económico Mundial, o Pensamento Analítico é considerado a competência core. O Pensamento Criativo ocupa o segundo lugar, seguido de Resiliência, Flexibilidade e Agilidade, Motivação e Autoconsciência e Curiosidade e Aprendizagem ao longo da vida – todas elas, como constatamos, competências inerentes (direi mesmo correlacionadas) à mudança e à adaptabilidade.

Com base em muitos destes reports e nas investigações de Yuval Harari (observações e análises de tendências históricas e tecnologias emergentes), deixo alguns desafios a termos em conta nas nossas estratégias para o futuro:

  1. Automação e a deslocação de empregos: a automação e a AI levarão a uma mobilidade crescente – muitas tarefas rotineiras e repetitivas atualmente executadas por humanos serão digitalizadas e automatizadas, tornando potencialmente obsoletas certas categorias de trabalho e job-roles.
  2. Polarização do trabalho: a automação deverá levar à polarização do trabalho, o que significa que certas profissões altamente qualificadas e criativas irão prosperar, enquanto os empregos de baixa qualificação deverão diminuir. Corolário evidente: a procura por empregos que exigem habilidades exclusivamente humanas, como criatividade, empatia e resolução de problemas complexos, deverá certamente aumentar; questão relevante: estaremos a desenvolver estas skills nos nossos sistemas educativo e formativo?
  3. O risco da ascensão de uma useless class (a classe “inútil”): Harari alerta que a automação generalizada e a IA podem levar ao surgimento de uma nova classe social de indivíduos economicamente redundantes; essas pessoas terão dificuldades para encontrar um trabalho regular e significativo – resultando potencialmente em desafios de inclusão social;
  4. Por último, num tom mais optimista, a aprendizagem ao longo da vida: já é hoje consensual a importância da educação contínua e da adaptabilidade diante da automação, da digitalização e das mudanças nos mercados de trabalho; um upskilling e reskiling que estará nas mãos de cada profissional… mas que também deve ser alavancado pelas organizações.

Este último ponto é importantíssimo para a gestão de competências nas empresas. É vital que estes processos deixem de estar assentes nas lineares e burocráticas avaliações de desempenho ou necessidades de formação em skills que alguém definiu há 5 ou 10 anos atrás. Haverá que desenvolver um loop virtuoso de aprender – desaprender – reaprender – adaptar, incentivado pelas lideranças e pelas áreas de gestão de Pessoas. E envolver experts funcionais e sectoriais que possam construir (e actualizar regularmente) os skillsets (portfolios de competências) essenciais para a estratégia definida na organização. Em suma, deverão colocar a capacidade de “mudar e adaptar” como foco essencial das suas políticas de talento.