Boreout, burnout e trabalho significativo

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia

Não restará dúvida para ninguém de que as questões relacionadas com a saúde e o bem-estar entraram definitivamente na agenda e práticas da gestão de pessoas, e nela ganharam o seu espaço. Considera-se hoje, muito alinhados com aquilo que é a gestão humanizada de pessoas, que se se cuidar das pessoas, elas cuidam dos negócios e da empresa, sabendo-se também que quando este cuidado não é prática, pode acarretar terríveis custos para as pessoas, empresa, negócio e sociedade.

Sabemos também que cada vez é mais relevante o que muitas vezes apelidamos de “trabalho significativo”, referindo-nos ao trabalho em que a pessoa se sente importante, valorizada e reconhecida, sendo permitido perceber que contribui para um propósito ou missão. No entanto, nem todos os trabalhos, ou postos de trabalhos, são o pináculo da satisfação ou realização. Se considerarmos que uma parte significativa da população trabalhadora faz “o melhor que arranjou” e não necessariamente “o que sempre desejou fazer”, não podemos descurar este défice de realização, que naturalmente terá impacto nos ambientes e resultados do trabalho. Na realidade, todos procurarão trabalho significativo, mas nem sempre essas oportunidades estão à disposição, pelo que cumpre que a gestão de pessoas reflita sobre estas questões, e não as tome como meras “condições”.

Relacionando-se este tema do trabalho significativo com as questões da saúde e bem-estar, de imediato somos conduzidos ao tema do burnout, enquanto consequência de múltiplos fatores que podem resultar em estados de cansaço, exaustão ou mesmo depressão. Esta consequência não terá só, naturalmente, a ver com o conteúdo do trabalho mas pode resultar de fatores como o excesso de trabalho, a perda de controlo sobre tarefas ou atividades, pressão, falta de reconhecimento ou mesmo conflitos interpessoais, entre outros. O burnout é um estado de exaustão emocional e/ou física, que pode ser produzido por questões relacionadas com o trabalho, mas muitas vezes potenciado ou acelerado por questões da dimensão pessoal, como problemas de saúde, familiares ou financeiros. A gestão de pessoas dá, hoje, particular atenção e estas situações e já muito se vai fazendo para prevenir a ocorrência destes casos porque se sabe os custos pessoais, organizacionais e sociais que acarreta.

Bom ter-se alcançado este patamar de evolução na gestão de pessoas, mas as mesmas causas e as mesmas consequências estão também relacionadas com o boreout, e este tema tem sido pouco relevante e até pouco analisado. O boreout pode na mesma ser considerado como resultado de fontes de stress e de ansiedade muitas vezes causados por desinteresse ou tédio (diferente de apatia) do trabalhador, relativamente ao seu trabalho, ao seu contributo e à empresa. Quando o trabalhador não se sente desafiado, estimulado, quando as suas tarefas são repetitivas ou rotineiras, ou mesmo quando sente falta de apoio, reconhecimento ou perspetivas de evolução, pode ser conduzido a desenvolver estados de desânimo, quebra de produtividade ou mesmo insatisfação, o que acabará por provocar menor quantidade e qualidade do trabalho. Sabemos que há trabalhos assim, certo?

Estratégias de prevenção de burnout e/ou boreout podem passar por medidas estabelecidas pela gestão de pessoas, que promovam, assegurem e garantam ambientes de trabalho mais construtivos, saudáveis e produtivos. Medidas essas que podem passar por chamar os trabalhadores a uma participação ativa por exemplo na definição do conteúdo do seu posto de trabalho, estabelecimento de metas e expectativas claras e concertadas, formação e recursos adequados e significativos para o trabalhador, processos de reconhecimento justos e equitativos, recompensas justas (perceção do trabalhador) ou mesmo momentos de encontro e partilha organizacional em que se mostre, de facto, a importância de cada um no coletivo.

Prevenir o boreout não é responsabilidade exclusiva dos empregadores, cabendo a cada pessoa, por exemplo, definir os limites do seu tempo de trabalho, encontrar atividades complementares ao trabalho que sejam relevantes e fontes de satisfação, manter um estilo de vida saudável (alimentação e atividade física), adotar técnicas de relaxamento e de prevenção do stress, ou simplesmente definir os seus próprios objetivos e orientar-se nesse sentido – procurando sempre mais e  melhor, o que pode significar outro trabalho ou empregador.

Por muito que nos esforcemos, nem todos os trabalhos serão significativos, nem todos os trabalhos serão ponto de satisfação e realização para todos os trabalhadores, pelo que compete a cada gestor de pessoas perceber isso e estar permanentemente atento à qualidade da prestação e desempenho de cada pessoa, não partindo do princípio de que a desmobilização é apenas uma atitude negativa, podendo ser indiciador de boreout, tão negativo e impactante quanto o burnout.

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