Catarina Horta, novobanco: A insustentável leveza da barbie

Há 30 anos, era opinião mais ou menos consensual dos académicos que o tecto de vidro que impedia as mulheres de ascenderem a determinados níveis da carreira ia naturalmente partir com o tempo. Pois bem, não partiu.

 

Por Catarina Horta, directora de Capital Humano do novobanco

 

Começo por dizer que nunca tive uma Barbie – pertencia ao clube da Nancy, uma boneca mais do dia-a-dia – e que só tive contacto com as Barbies das amigas. Talvez por isso, nunca pensei ir ver o filme da Barbie. Porém, empurrada por recomendações masculinas, absolutamente inesperadas, e pelo que li nas críticas, fui ver. E acho que é uma excelente sátira ao tema da igualdade de género. Penso mesmo que retrata, com humor, as meias-verdades que se dizem sobre o tema.

Acho impagável a tirada de um membro do conselho da administração da empresa que comercializa a boneca Barbie, composto apenas por homens – note-se que se trata de uma empresa que comercializa produtos destinados ao público feminino, mas que é dirigida apenas por homens (imagine-se uma empresa de produtos de barbear com um conselho de administração só com mulheres!) – e que diz, ao apresentar-se, «eu sou o homem com o cargo menos importante no conselho de administração, por isso devo ser uma mulher». Há mais – por exemplo, o CEO da mesma empresa diz «eu adoro mulheres, sou filho de uma mulher». Como já fui spoiler o suficiente, deixo as outras pérolas para quem quiser ver o filme.

Quando perguntamos a mulheres do mundo corporativo, de qualquer idade, se sentem discriminação ou diferença no tratamento entre homens e mulheres no meio profissional, a maioria afirma que não. Porém, o que verificamos é que continua a assistir-se a uma menor percentagem de mulheres em cargos de chefia – há apenas 27% de mulheres em cargos de chefia* – apesar de o número de mulheres com qualificações superiores ser 58%**.

No meu tempo de licenciatura, em que frequentei Erasmus em Reading, no Reino Unido, o tema do glass ceiling estava na moda e muito estudado. O conceito era este: parecia existir um tecto de vidro que impedia as mulheres de ascenderem a determinados níveis da carreira; ou seja, progrediam bem até determinados patamares, mas, salvo raras excepções, não conseguem ser promovidas acima desses níveis. A opinião mais ou menos consensual dos académicos da época era que o vidro se iria partir com o tempo, já que a entrada de mulheres qualificadas no mercado de trabalho causaria esse efeito de forma natural. Pois bem, isto não aconteceu. Trinta anos depois de ter estado em Reading, continuamos a ter muita evolução, ou seja, a quebra do glass ceiling não aconteceu naturalmente, como se acreditava.

Por outro lado, quando questionamos o meio corporativo e avaliamos as políticas implementadas, tendemos a não identificar nada em concreto que promova a diferença de oportunidades, e que dê mais a um género do que ao outro.

Fica por responder a questão: então, se há, em média, tantas mulheres qualificadas como homens, e há tempo suficiente no mercado de trabalho, porque é que o acesso a níveis diferenciados e mais elevados da carreira continua a não ser equitativo?

Recentemente, morreu Milan Kundera, que escreveu a “Insustentável leveza do ser”, um livro icónico para a minha geração. As duas personagens femininas principais – Tereza e Sabina – encarnam, para mim, duas personas que ilustram dois posicionamentos opostos das mulheres. Sabina é o estereótipo da mulher livre e independente, que faz as suas escolhas e que paga, em sentido figurado, os custos que essas escolhas têm. Tereza, por outro lado, é o protótipo da mulher que se vê na dependência do outro e que encontra um equilíbrio nessa co-dependência. Não são arquétipos novos – a Guinevere e a Morgana do rei Artur são duas personagens que incorporam as mesmas características.

Na vida real, considero que todas as mulheres têm algo dos dois arquétipos, com mais pendor para um do que para outro. Se acharmos que haver 27% de mulheres em cargos de chefia* em Portugal e serem apenas três as mulheres que presidem ao órgão de gestão no PSI 20*** é algo que decorre apenas da vontade e motivação das mulheres, é acreditar que a maioria das mulheres se posiciona no arquétipo da Tereza do Kundera ou no da Guinevere. Mas cada um acredita no quer.

 

*Cargos de direcção [cargos de direcção executiva: directores de primeira linha], cargos de gestão [órgãos sociais: órgãos de gestão, administração e gerência] e cargos de liderança
[funções do primeiro gestor: presidente do conselho de administração e gerente] – 26,8% em 2021, “A Diversidade de Género nas Empresas em Portugal”, Informa D&B.
** DGEEC – Estatísticas da Educação, 2019/20.
*** BA&N Research Unit, 2021. Atualmente são duas as mulheres nestas funções.

 

Este artigo foi publicado na edição de Agosto (nº. 152)  da Human Resources, nas bancas.

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