Um vislumbre do trabalho pós-crise: dos modelos de trabalho ao estilo de gestão

Como abraçar e tirar partido dos benefícios da flexibilidade de trabalho.

 

Por Berta Montalvão, directora de People & Strategy da BearingPoint

 

A crise fez desaparecer a dinâmica tradicional dos locais de trabalho e deu origem a novos padrões, onde organizações e colaboradores tiveram de se ajustar, como medida anti-pandemia e resposta aos impactos económicos consequentes. Para inúmeras empresas, esta norma tem sido caracterizada pelo trabalho remoto, sendo uma adaptação igualmente difícil, quer para gestores, quer para as suas equipas.

Cerca de 60% das empresas portuguesas não tinham qualquer política de trabalho remoto no ano passado, quando tiveram de enfrentar os desafios do Estado de Emergência e confinamento da população. Segundo os dados do Eurostat, em Portugal, em 2017, apenas 5% das pessoas trabalhavam habitualmente a partir de casa.

Um estudo realizado pela Deskeo, no final de Março de 2020, concluiu que 89% dos inquiridos não estavam habituados à experiência de trabalho remoto. Em Abril do mesmo ano, um estudo da Empreinte Humaine constatou que 68% das pessoas estavam a sofrer de angústia emocional (os gestores apresentavam quase o dobro da probabilidade de sofrerem uma forte angústia emocional, quando comparados com os seus colaboradores) e 58% estavam a trabalhar mais dias que o habitual.

No entanto, à medida que a população se foi adaptando ao novo normal e as organizações se consolidaram no trabalho remoto, as opiniões sobre a nova forma de trabalhar ganharam outra relevância. Quando questionados novamente pela Deskeo, 62% dos colaboradores afirmaram que pretendiam continuar a trabalhar parcialmente a partir de casa, devido ao tempo que pouparam em deslocações (38%), a maior eficiência do trabalho (27%) e aumento da flexibilidade pessoal face ao teletrabalho (19%).

Ficou evidente que os colaboradores querem que o trabalho remoto faça parte da nova cultura pós-pandemia e não seja apenas algo restrito a um grupo reduzido de pessoas, como tradicionalmente. Outros estudos em Portugal evidenciaram também ganhos de produtividade, aumento da capacidade de resposta e do foco e concentração nas actividades desenvolvidas.

A pesquisa da Empreinte Humaine revelou que dois terços dos profissionais esperam que a sua empresa tenha em consideração o seu bem-estar pessoal quando regressarem ao trabalho. Além disso, as acções governamentais contra a pandemia (higienização das mãos, distanciamento social, entre outras medidas de prevenção) irão certamente continuar entre os próximos 12 a 18 meses. Isto significa que o regresso a uma abordagem de gestão pré-crise não é uma opção, pelo que é crucial desde já planear o futuro das organizações e do próprio trabalho, bem como desenvolver formas mais flexíveis de trabalho. Esta transição irá desbloquear uma série de benefícios, tanto para as empresas como para os colaboradores, à medida que as restrições diminuem e o mundo se adapta a um novo normal.

 

A digitalização é o primeiro passo crucial para um trabalho remoto eficiente
Os processos de negócio não digitalizados são menos eficientes e seguros e, na fase inicial da pandemia, muitas entidades aperceberam-se de como a transformação digital é fundamental e necessária para permitir que os seus funcionários e clientes operem de forma eficaz e em conjunto. As empresas mais abertas à inovação tecnológica serão aquelas que mais probabilidades têm de enfrentar a crise. Esta actividade tem de ser construída e desenvolvida, mesmo que as restrições sejam aliviadas, não sendo possível voltar à forma como se trabalhava antes desta crise.

Assim, é preciso repensar os modelos de trabalho e torna-se fundamental que as organizações:

  • Revejam os seus processos de trabalho e identifiquem os requisitos para a transformação digital de cada uma das áreas de actividade;
  • Implementem plataformas digitais de comunicação e partilha transversais ao negócio, que permitam a actividade interna e externa;
  • Disponibilizem aos colaboradores equipamentos que lhes permita exercer as suas funções em casa.

 

A digitalização pode tornar o negócio mais eficiente, reduzindo barreiras ao trabalho e à partilha de informação, tornando-se mais ágil como resultado. A requalificação tecnológica irá posicionar as empresas portuguesas noutro patamar, tornando-as mais competitivas e melhorando as competências dos seus recursos humanos.

A natureza dos locais de trabalho deve tornar-se mais adaptável
À medida que os colaboradores solicitam disposições de trabalho mais flexíveis, a natureza e a definição do local de trabalho deverão:

  • Permitir que os colaboradores trabalhem a partir de casa parcialmente (por exemplo dois dias por semana, em dias rotativos da semana);
  • Possibilitar um maior worklife balance dos colaboradores;
  • Promover o uso de espaços de co-working para os colaboradores. Isto proporcionar-lhes-á oportunidade de reduzir os tempos de deslocação, mas também trabalhar em ambientes estruturados e profissionais, além de serem potencialmente menos dispendiosos do que a área equivalente ao espaço de escritório da empresa;
  • Adaptar os espaços de escritório da empresa ao novo normal. Os escritórios deixarão de ser bases para os colaboradores, devendo estar mais orientados para a realização de reuniões e actividades de colaboração de equipa;
  • Ajustar a cultura organizacional às formas de trabalho mais flexíveis;
  • Reinventar as políticas de formação e desenvolvimento dos colaboradores.

Se as empresas implementarem estas adaptações, será possível desenvolver locais de trabalho mais dinâmicos, que não sustentem apenas as necessidades dos colaboradores, mas melhorem o desempenho e a rentabilidade do negócio em geral. E ao reduzir o número de colaboradores que estão no escritório a título permanente, será possível reduzir a dimensão das instalações, reduzir custos operacionais e alocar fundos para outras despesas importantes, como a formação e o desenvolvimento das suas pessoas.

 

Estilos de gestão: melhor planeamento e mais qualidade
Várias sondagens às empresas evidenciaram a dificuldade de adaptação ao trabalho remoto, no início da pandemia. Os gestores queixaram-se da dificuldade em interpretar a linguagem não verbal nas reuniões, bem como da falta de contacto e proximidade com as suas equipas. A falta de relacionamento interpessoal e de convívio com os colegas foram outras das limitações referidas pelos colaboradores e que impactaram nesta nova forma de se trabalhar. Enfrentar estas pressões, ao mesmo tempo que são reconhecidas as necessidades e os desejos das equipas, é uma questão de melhorar a qualidade e o planeamento das suas interacções futuras.

Assim que seja possível, e sempre que o contacto presencial seja crucial, é importante planear as reuniões para que haja uma melhor gestão do tempo, maior rendimento e participação destes momentos. Se isso não for possível, o desenvolvimento de competências em condução de reuniões e apresentações em contexto remoto, juntamente com o investimento tecnológico, poderá melhorar a qualidade das interacções à distância. Este é um passo significativo para os locais de trabalho tradicionalmente dependentes de um grande número de reuniões, muitas vezes “desnecessárias”. A adaptação desta abordagem permitirá que as mudanças sejam firmemente incutidas dentro da organização, satisfazendo as necessidades, tanto dos colaboradores como do negócio, a longo prazo.

É altamente improvável que muitas empresas regressem às formas anteriores de trabalhar, mesmo depois da actual pandemia. A pressão exercida pelas pessoas que estão a usufruir de trabalho remoto – diminuição das deslocações, mais tempo para a família, diminuição do ruído e poluição, etc. – fará com que surjam novas normas e formas de se trabalhar. Agir hoje é a chave para assegurar uma transição fácil e benéfica, para as organizações e para os colaboradores.

 

Este artigo foi publicado na edição de Abril (nº.124) da Human Resources.

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