
Conversa de Líderes. Produtividade e legislação: os desafios do mercado de trabalho em Portugal
Apesar dos muitos desafios no actual mercado de trabalho português, também existem oportunidades para a mudança. O debate sobre os desafios da regulação laboral em Portugal centrou-se na necessidade de reformas para aumentar a flexibilidade e a produtividade nas organizações. Este foi o foco da Conversa de Líderes, com Filipa Martins (Edenred), Rita Baptista (Cimpor) e Nelson Pires (Jaba Recordati) na 29.ª edição da Conferência Human Resources. Realizou-se ontem, no Museu do Oriente, em Lisboa.
O painel intitulado “Regulação, Contratualização e Fiscalidade sobre o Trabalho: Impactos e Mudanças Necessárias” contou com a participação de Filipa Martins, CEO da Edenred, Nelson Pires, director-geral da Jaba Recordati, e Rita Baptista, CHRO da Cimpor. A moderação ficou a cargo de Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group.
A discussão começou com uma análise sobre a regulamentação do mercado de trabalho e os seus impactos na produtividade. Rita Baptista destacou que a legislação laboral portuguesa é complexa e, muitas vezes, pouco adaptada à realidade das empresas. «Temos um mercado altamente regulamentado, com regras que dificultam a flexibilidade necessária às empresas para se adaptarem a um mundo cada vez mais dinâmico», afirmou. A CHRO da Cimpor comparou a realidade portuguesa com outros países europeus, como a Suécia, onde trabalhou, apontando que a estrutura laboral mais flexível facilita ganhos de produtividade.
Rita Baptista acrescentou que a regulamentação é útil para fazer pensar sobre os diversos temas, mas é muito desafiante para as PME, que não estão preparadas para algumas das necessárias implementações de carreiras evolutivas e avaliações dos colaboradores, por exemplo. «Temos um trabalho a fazer juntamente com as organizações oficiais, porque as grandes empresas conseguem ter uma maior flexibilidade do que as PME. É preciso pensar nestes temas de uma forma ágil e não tão burocrática e estruturada como tem sido feito até hoje.»
Outro ponto em destaque foi a relação do Código do Trabalho com as mudanças que ocorreram no mercado do trabalho nos últimos anos. Sobre este tema, Nelson Pires lembra que «temos um Código do Trabalho de há 40 anos que não está adaptado à realidade actual. Baseia-se no poder do empregador, quando em muitas áreas esse poder está nas mãos do colaborador, que em média fica três anos e meio numa organização».
Para dar resposta a esta inadequação, Nelson Pires sugere uma maior flexibilidade no recrutamento, mas também no despedimento. E critica o excesso de burocracia do Código do Trabalho: «Nas PME portuguesas, a burocracia custa 2,8% da facturação.» Além disso, afirma que «temos algumas das leis mais rígidas do mundo em termos de saúde e segurança no trabalho, algumas com custos impensáveis».
Benefícios sociais
Filipa Martins abordou o tema dos benefícios sociais, recordando que estes «trazem benefícios fiscais para empresas e colaboradores, com o objectivo social de aumentar a produtividade e o bem-estar das pessoas». Assim, em Portugal há três blocos de benefícios sociais regulados. O primeiro é o subsídio de alimentação, que tem isenção fiscal para o colaborador e para a empresa; o segundo é o benefício de creche para crianças até sete anos, que é fiscalmente mais benéfico por ter majoração de IRC até 40% e isenção de IRS e Segurança Social; o terceiro só tem isenção de Segurança Social e inclui despesas de educação, formação para o próprio colaborador, pagamento de colégios e material escolar e ainda despesas de saúde e apoio social.
Filipa Martins explicou que em vários países europeus há incentivos para que os benefícios sociais sejam utilizados para influenciar comportamentos positivos. «Na Bélgica, existe um título específico para produtos sustentáveis, incentivando o consumo consciente. Em Portugal, devíamos olhar para estas medidas e perceber como podemos incentivar o bem-estar dos colaboradores, enquanto dinamizamos sectores estratégicos, como a cultura e a sustentabilidade», referiu a CEO da Edenred.
Para Nelson Pires, os benefícios sociais devem ser vistos como uma ferramenta que traz vantagens tanto para o colaborador como para a sociedade. «Um verdadeiro benefício social é aquele que dá liberdade de escolha ao trabalhador, permitindo-lhe investir no que considera mais relevante, seja saúde, educação ou sustentabilidade», defendeu. Mas condena a necessidade de, muitas vezes, as empresas pagaram em benefícios o que deveriam pagar como salário, por ser essa a única forma de não terem de fazer face a ainda mais impostos.
Fiscalidade e produtividade
A carga fiscal e os encargos sobre o trabalho foram outro ponto em análise. Nelson Pires sublinhou que a diferença entre o que uma empresa paga por um colaborador e o valor líquido que este recebe é excessiva. «Com um salário bruto de 1200 euros, a empresa tem um custo de 1538 euros e o trabalhador recebe apenas 892 euros líquidos. O Estado fica com cerca de 591 euros», afirmou. Para o director-geral da Jaba Recordati, esta carga fiscal elevada prejudica a capacidade de atracção e retenção de talento, especialmente nos grandes centros urbanos, onde o custo de vida é mais elevado.
A diferença entre a legislação laboral na função pública e no sector privado foi também abordada. «Se queremos ambicionar uma verdadeira meritocracia, não faz sentido que existam dois códigos de trabalho diferentes. No sector privado exige-se produtividade, enquanto no sector público prevalece a estabilidade, muitas vezes sem o mesmo nível de exigência», apontou Nelson Pires. Esta diferenciação, a seu ver, é um dos factores que contribuem para a baixa produtividade do país.
Nelson Pires defendeu ainda que a responsabilidade pela baixa produtividade é, em grande parte, dos líderes empresariais. «Portugal está no meio da cadeia de valor: não acrescentamos valor, apenas transformamos. E essa é uma decisão do líder», alertou.
Rita Baptista reforçou que a produtividade não é apenas uma questão de volume de trabalho. «A produtividade não é apenas fazer mais em menos tempo. É também saber organizar o trabalho de forma eficiente. Há um trabalho cultural a ser feito, e os Recursos Humanos têm um papel essencial na educação dos colaboradores sobre o que significa produtividade e como se pode melhorar», afirmou.
A CHRO da Cimpor adiantou ainda que a produtividade em sectores industriais mais pesados em Portugal é um grande desafio. «Os níveis de produtividade dificilmente chegam aos 60%. Precisamos de medidas que incentivem a eficiência e a inovação», sublinhou.
Filipa Martins acrescentou que a falta de uma cultura de inovação também compromete a produtividade. «Se as empresas quiserem ser mais produtivas, têm de apostar em ferramentas que simplifiquem processos e que permitam aos colaboradores focar-se no que realmente importa», afirmou.
No fecho da sessão, Ricardo Florêncio pediu aos intervenientes que deixassem uma mensagem final. Rita Baptista reforçou a importância de mudar a cultura organizacional. «As empresas têm de desafiar os seus colaboradores a adoptar novas formas de trabalho. Melhor produtividade significa melhores resultados, o que pode levar a melhores salários. Temos de criar um ciclo positivo», afirmou.
Filipa Martins sublinhou a relevância dos benefícios sociais como ferramentas para influenciar comportamentos. «Se queremos que as empresas adoptem estas soluções, temos de garantir que tanto empregadores como colaboradores vejam valor nelas», defendeu.
Nelson Pires encerrou com uma mensagem mais crítica. «Esta legislação do trabalho não devia existir. E os sindicatos deviam ser parceiros de negócio, focados em aumentar a produtividade, e não defensores de uma legislação que estagna o crescimento», concluiu.
O debate mostrou que há ainda muitos desafios a enfrentar no mercado de trabalho português, mas também oportunidades para mudança. A produtividade, a fiscalidade e os benefícios sociais são apenas algumas das peças de um puzzle maior, cujo equilíbrio será essencial para o futuro do país.