COVID-19. Os direitos e deveres no regresso ao trabalho (e as coimas em caso de incumprimento)

Numa fase da pandemia em que se verifica o alívio das medidas de confinamento, importa que empregadores e trabalhadores tenham presente quais poderão ser as suas responsabilidades e direitos na prevenção da COVID-19 e ainda as eventuais responsabilidades no caso de contágio efectivo, em ambiente de trabalho. A RSN advogados reuniu informação sobre o tema.

 

Direitos e deveres em matéria de segurança e saúde no trabalho
Resulta claro do disposto no artigo 258.º nº 1 e 2 do Código do Trabalho (CT), que assiste ao trabalhador o direito de prestar trabalho em condições de segurança e saúde, o qual se encontra directamente correlacionado com o dever do empregador assegurar aos seus trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.

Pese embora a situação pandémica que hoje se vive seja uma realidade nova e excepcional, não se pode esquecer que o ordenamento jurídico português prevê várias normas, nomeadamente as de natureza laboral, que não tendo em momento algum perdido a sua validade e eficácia, se encontram em vigor, regulamentando todas as relações laborais existentes.

E é por isso que a RSN advogados entende que a COVID-19 poderá trazer, pelas suas características, uma nova realidade a ser, obrigatoriamente, acautelada pelo empregador no âmbito do seu dever de assegurar aos seus trabalhadores condições de segurança e saúde no trabalho.

Nesse sentido, cumpre alertar e dar a conhecer o que se encontra legalmente previsto
na legislação laboral que poderá ter influência nesta matéria.

Importa desde logo mencionar quatro deveres, legalmente consagrados, que recaem sobre as partes:

a) Dever de informação: O empregador deve informar os trabalhadores sobre os aspectos relevantes para a protecção da sua segurança e saúde e a de terceiros (art. 282º nº 1 CT);

b) Dever de consulta: O empregador deve consultar em tempo útil os representantes dos trabalhadores ou os próprios trabalhadores, sobre a preparação e aplicação das medidas de prevenção (art. 282º nº 2 CT)

c) Dever de formação: O empregador deve assegurar formação adequada, que habilite os trabalhadores a prevenir os riscos associados à respectiva actividade e os representantes dos trabalhadores a exercer de modo competente as respectivas funções (art. 282º nº 3 CT);

d) Dever de cumprimento: O trabalhador deve cumprir as prescrições de segurança e saúde no trabalho estabelecidas na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou determinadas pelo empregador (art. 281º nº 7 CT).

Resulta assim da lei que, não basta ao trabalhador aguardar serenamente a implementação de medidas de segurança no seu local de trabalho, pelo empregador. Àquele cabe não só participar na preparação e aplicação das medidas (por força do dever de consulta), como também ser informado e receber formação sobre as medidas a adoptar (por força do dever de informação e formação), como também, mais importante ainda, cumprir, obrigatoriamente, com todas as prescrições de segurança e saúde que o empregador determine no âmbito da pandemia COVID-19.

 

A COVID-19 como doença profissional
O trabalhador e os seus familiares têm, nos termos da lei, direito à reparação de danos emergentes de doenças profissionais (art. 283º nº 1 CT e art. 2º da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (“LAT”), as quais constam da lista organizada e publicada em Diário da República, através do Decreto Regulamentar nº 6/2001, de 05/05 (art. 283º nº 2 CT).

Este diploma prevê assim as chamadas doenças profissionais típicas (que estão tipificadas na lei como tal), e, como seria expectável, até pelo seu surgimento recente, não consagra a infecção pela COVID-19.

No entanto, o legislador estabelece ainda a possibilidade de existir lesão corporal, perturbação funcional ou doença não incluídas na referida lista – normalmente designadas por doenças profissionais atípicas. Sendo estas indemnizáveis, desde que se prove serem consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não representem normal desgaste do organismo (art. 283º nº 3 CT e art. 93º nº 2 LAT).

Na opinião da RSN advogados parece que pode estar assim aberta a possibilidade, em termos gerais, para que uma infecção por COVID-19 possa ser considerada, em determinadas situações, como doença profissional, indemnizável, ao abrigo das referidas normas legais.

No entanto, neste caso, o ónus de alegação e da prova recairá necessariamente sobre o trabalhador, o qual terá de alegar e provar o nexo de causalidade entre a doença e a actividade exercida, e que a doença não representa normal desgaste do organismo.

Cumpre assim referir que, pese embora se possam prever graves dificuldades na prova dos referidos pressupostos e sem prejuízo do que deverá ser uma análise específica e concreta, realizada caso a caso, de acordo com os factos invocados em cada situação, parece que poderá não estar de todo afastada a possibilidade de um trabalhador poder vir a ser indemnizado, quanto aos prejuízos e danos sofridos, em resultado de contágio por COVID-19 em ambiente laboral. Sendo certo que a responsabilidade pela reparação desses danos deverá necessariamente recair sobre segurança social, nos termos do artigo 283º nº 7 do CT.

 

A responsabilidade do empregador
A matéria de promoção da segurança e saúde no trabalho vem ainda regulada, nos termos ao artigo 284º do CT, na Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, que prevê o Regime Jurídico de Promoção de Segurança e Saúde no Trabalho (“RJPSST”).

Este diploma, que prevê no seu artigo 15º nº 1 que o empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho– em consonância com as normas do Código do Trabalho supra mencionadas-, estabelece ainda no seu nº 2 uma série de Princípios gerais de prevenção, pelos quais o empregador se deverá basear para cumprir o dever de zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador. A saber, nomeadamente:

a) Evitar os riscos;

b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a
organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos
factores ambientais;

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento
ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho,
assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no
conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção;

e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar
os níveis de protecção;

f) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;

g) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;

h) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à actividade desenvolvida pelo trabalhador.

Prevêem-se ainda uma série de regras a respeitar pelo empregador, nomeadamente:

1- As medidas de prevenção implementadas pelo empregador devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as actividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de protecção da segurança e saúde do trabalhador (art. 15º nº 3 RJPSST);

2- O empregador deve adoptar medidas e dar instruções que permitam ao trabalhador, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser tecnicamente evitado, cessar a sua actividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possa retomar a actividade enquanto persistir esse perigo (art. 15º nº 6 RJPSST);

3- O empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros susceptíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior (art. 15º nº 7 RJPSST);

4- O empregador deve assegurar a vigilância da saúde do trabalhador em função dos riscos a que estiver potencialmente exposto no local de trabalho (art. 15º nº 8 RJPSST);

5- Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das actividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar (art. 15º nº 10 RJPSST);

6- As prescrições legais ou convencionais de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas para serem aplicadas na empresa, estabelecimento ou serviço devem ser observadas pelo próprio empregador (art. 15º nº 11 RJPSST).

 

Coimas

Posto isto, resultam do RJPSST uma série de regras que o empregador, obrigatoriamente, deverá observar na promoção da segurança e saúde na empresa. Sendo certo que é o empregador quem deverá suportar a totalidade dos encargos com a organização e o funcionamento do serviço de segurança e de saúde no trabalho e demais sistemas de prevenção, incluindo exames de vigilância da saúde, avaliações de exposições, testes e todas as acções necessárias no âmbito da promoção da segurança e saúde no trabalho, sem impor aos trabalhadores quaisquer encargos financeiros.

A violação pelo empregador das obrigações mencionadas (resultantes do disposto no artigo 15º do RJPSST) constitui contraordenação muito grave (art. 15º nº 14º do RJPSST). Nesse sentido, por força do estatuído no artigo 115º nº 1 do RJPSST, que remete para o regime do Código do Trabalho, as referidas contraordenações podem dar lugar às coimas previstas no artigo 554.º CT, nº 4. Sendo que os seus limites máximos são elevadas para o dobro por se tratarem de situações de violação de normas sobre segurança e saúde no trabalho (art. 556º nº 1 CT).

 

Assim sendo, na prática, os montantes de coimas que podem andar entre os € 2.040,00 a € 122.400, 00, de acordo com o volume de negócios da empresa e se a violação ocorreu por negligência ou com dolo, nos seguintes termos:

a) Se praticada por empresa com volume de negócios inferior a (euro) 500 000, de € 2.040,00
a € 8.160,00 em caso de negligência e de € 4.590,00 a € 19.380,00 em caso de dolo;

b) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 500 000 e inferior a (euro) 2 500 000, de € 3.264,00 a € 16.320,00 em caso de negligência e de € 8.670,00 a € 38.760 em caso de dolo;

c) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 2 500 000 e inferior a (euro) 5 000 000, de € 4.284,00 a € 24.480,00 em caso de negligência e de € 12.240,00 a € 57.120,00 em caso de dolo;

d) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 5 000 000 e inferior a (euro) 10 000 000, de € 5.610,00 a € 28.560,00 em caso de negligência e de € 14.790,00 a € 81.600,00 em caso de dolo;

e) Se praticada por empresa com volume de negócios igual ou superior a (euro) 10 000 000, de € 9.180,00 a € 61.200,00 em caso de negligência e de € 30.600,00 a € 122.400,00 em caso de dolo.

 

Acresce ainda, sem prejuízo da contraordenação, que o empregador cuja conduta tiver contribuído para originar uma situação de perigo incorre em Responsabilidade civil, nos termos do artigo 15º nº 15 do RJPSST. Prevendo o artigo 483º do Código Civil para esse efeito que «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Ler Mais