Cultura: Somos aquilo que fazemos

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

Ben Horowitz não é um nome tão sonante no mundo empresarial, a nível global, como Elon Musk, Tim Cook ou Satya Nadella. Mas não é menos brilhante ou interessante. E, na minha perspectiva, vale muito a pena aprender com ele. Investidor e co-fundador da Andreessen Horowitz, uma empresa de venture capital de Silicon Valley, está habituado a descortinar e investir cirurgicamente nas (prováveis) empresas líderes de tecnologia do futuro. Nas últimas duas décadas, os seus investimentos incluíram o Airbnb, o Facebook, o Pinterest ou o GitHub. Foi igualmente cofundador e CEO da Opsware, adquirida pela HP por 1,6 mil milhões de dólares. Horowitz, para além de executor pragmático, é um pensador do mundo da gestão, apaixonado por história, cultura e arte, que partilha as suas experiências como autor de livros e blogger.
Tive a oportunidade de ler recentemente um dos seus livros mais consagrados “What You Do Is Who You Are”, lançado em 2019. Neste livro, Horowitz tenta demonstrar como se cria e mantém a cultura empresarial que se deseja. Para tal, analisa diferentes comportamentos e estilos de liderança e como os respectivos protagonistas se tornaram quem são, quer a nível pessoal, quer como exemplos e “símbolos” máximos dessa cultura.
No seu texto, apresenta quatros modelos históricos de liderança e construção cultural: 1) a ascensão e triunfo de Toussaint Louverture, líder da única revolta de escravos bem-sucedida, no Haiti, em 1791; 2) os Samurais, que governaram o Japão durante cerca de setecentos anos (sécs. XII – XIX), com forte impacto nos valores da moderna cultura japonesa ; 3) Genghis Khan, líder mongol que construiu o maior império do mundo, no início do séc. XIII; e 4) um improvável Shaka Senghor, um homem condenado por homicídio nos EUA em 1991, que criou e liderou um gangue prisional que se tornou famoso pela sua “cultura”. Com uma análise inteligente, o nosso autor liga estes exemplos históricos de liderança e cultura com vários e reconhecidos casos de sucesso empresariais – de Reed Hastings na Netflix, de Travis Kalanick na Uber ou de Don Thompson, na McDonalds.
Não fazendo papel de spoiler (aliás, o livro vale muito pelas suas histórias), deixo algumas reflexões e lições que se podem retirar desta obra para qualquer organização (empresarial ou outra) construir uma cultura de sucesso – propositada, autêntica, intensa e saudável.
Para começar, a cultura deve definir quem somos – como nos identificamos e diferenciamos. Perspectivar como as pessoas falam sobre nós quando não estamos por perto. Se somos fiáveis e… confiáveis. Depois, há que ter a noção que, se não trabalharmos conscientemente a cultura, ela acabará por ser acidental, caótica ou mesmo disfuncional. Ter em conta a postura dos líderes, que não devem ser condescendentes com condutas abaixo do standard definido – sob pena de os padrões baixarem para toda a gente. Nas questões éticas, explicar bem o “porquê”. Ética e integridade são essenciais para as escolhas difíceis (maioritariamente “trade-offs”) e as pessoas devem saber qual o comportamento esperado – por exemplo, ter em atenção primeiro o superior interesse do cliente ou o bem-estar do colaborador. Depois, construir uma grande cultura significa adaptá-la aos contextos e torná-la resistente ao tempo. E isso, muitas vezes, significa trazer tolerância, diversidade e inclusão – aglutinando outras culturas e organizações. Por último, notas de cautela e humildade. Há que que ter a noção que não existe uma receita de cultura de sucesso única e imbatível. Uma cultura de uma start-up tecnológica falhará redondamente numa empresa familiar de produção de vinhos (e vice-versa). Ter também a consciência que o “design cultural” tenta “programar” acções, condutas e decisões, mas é impossível projetar uma cultura à prova de “bugs” – poderemos apenas mitigá-los e ser implacável com os que causam violações éticas.
Como Ben Horowitz afirma e demonstra, a cultura não se pode resumir a um conjunto de valores expostos nas paredes dos escritórios ou na intranet corporativa. Ou às declarações de um CEO na reunião geral de quadros. As culturas fortes são forjadas mais em acções que em crenças. É “o que se faz”, passando o exemplo para que todos possam ver e reflectir. E, numa óptica sustentável, transmitir esses “guiões” de decisão e acção às novas gerações de colaboradores, perpetuando assim uma missão e uma visão empresarial.