Direito ao Essencial. O empregador pode alterar o horário ou local de trabalho?

A Human Resources inicia hoje uma nova rubrica que tem como objectivo descomplicar os conceitos jurídicos que todos os profissionais de gestão de Recursos Humanos devem saber. Sem floreados, “Direito ao Essencial”. É precisamente assim que se chama, “Direito ao Essencial”, vai começar com uma periodicidade quinzenal, e conta com a parceria da Pérez-Llorca. O primeiro tema é “Alteração do horário de trabalho e transferência de local”.

 

Por Inês Arruda, sócia da Pérez-Llorca

 

Em Portugal, a gestão do horário e do local de trabalho insere-se no poder de direção do empregador, mas esse poder não é absoluto. Está limitado por regras legais e por garantias que protegem os trabalhadores, de forma a equilibrar a organização da empresa com a vida pessoal e familiar de quem nela trabalha.

O empregador pode alterar o horário, mas deve respeitar limites. Antes de o fazer, é obrigatória a consulta ao trabalhador e às estruturas representativas. Além disso, a mudança deve ser comunicada com antecedência mínima — sete dias, que podem ser vinte e um em caso de turnos, ou três em microempresas.

Existem situações em que o horário não pode ser alterado sem acordo do trabalhador. Isso acontece quando o horário foi expressamente acordado no contrato de trabalho, quando foi condição essencial para a celebração do vínculo ou quando o contrato coletivo aplicável exige consentimento. Se a alteração implicar custos adicionais para o trabalhador, como mais despesas de transporte, deve ser paga uma compensação.

A jurisprudência tem reforçado estes princípios. Num acórdão da Relação de Lisboa, em março de 2025, uma empresa alterou por duas vezes o horário de uma trabalhadora sem a consultar, apesar de existir no contrato uma cláusula que permitia alterações “quando necessárias à atividade”. O tribunal declarou inválida a alteração, salientando que a consulta não é uma mera formalidade, mas uma condição obrigatória.

No que respeito ao local de trabalho a regra é a da estabilidade: o trabalhador deve manter-se no local definido no contrato. A transferência só é permitida em casos excecionais, como a mudança ou extinção de um estabelecimento, ou quando exista um motivo sério do interesse da empresa que não cause prejuízo relevante ao trabalhador.

Esse prejuízo é avaliado caso a caso. Pode resultar de fatores como a distância, o tempo e custo das deslocações, a vida familiar ou a compatibilidade com outro emprego. Pequenos incómodos não são suficientes; o impacto tem de ser significativo. A decisão de transferir deve ainda ser fundamentada por escrito e, quando aplicável, indicar se é temporária ou definitiva.

Também aqui os tribunais têm intervindo. Num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, uma trabalhadora foi transferida de Sintra para a Ericeira, com um novo horário a começar às 7h30 da manhã, o que tornava impossível manter a sua segunda atividade profissional. O tribunal entendeu que a decisão causava prejuízo sério e declarou a medida ilícita.

Quando o empregador altera o horário sem consulta ou transfere o trabalhador sem fundamentação ou com prejuízo sério, pode estar a violar garantias legais. Nessas situações, o trabalhador pode resolver o contrato com justa causa e ter direito a indemnização. Foi isso que aconteceu no caso apreciado pela Relação de Lisboa em 2025, em que a resolução do contrato pela trabalhadora foi considerada legítima.

 

Boas práticas

Para que estas situações sejam válidas, o empregador deve planear e justificar as alterações, ouvir o trabalhador com a antecedência necessária, mitigar os eventuais prejuízos — por exemplo, assegurando transportes ou compensando custos — e documentar devidamente a decisão.

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