Diversidade. Fazer a nossa parte

Apesar de os factos sustentarem a mais-valia (financeira) da diversidade, nomeadamente nas equipas de gestão, ela está longe de ser uma realidade.

 

Por Maria João Gomes, partner da Odgers Berndtson

 

De acordo com o World Economic Forum’s 2021 Global Gender Gap Report, serão necessários 136 longos anos para alcançar paridade na retribuição entre homens e mulheres. Antes da pandemia, este número era cerca de 100 anos; 2020 representou o maior aumento de sempre nesta distância, desde que o estudo se iniciou, há 15 anos. Em qualquer dos casos, nenhum de nós estará cá para presenciar esse marco histórico, que muitos teimam ainda em ignorar. É assustador.

A discussão está, hoje, mais viva do que nunca. Para isso, muito contribuem estes números que gritam pela nossa atenção, os factos que sustentam a mais-valia da diversidade, nomeadamente nas equipas de gestão (empresas que se apresentam no quartil superior de diversidade têm 25% maior possibilidade de ter resultados financeiros acima da média) e uma nova geração de inconformados com este status quo, e que procuram cada vez mais um propósito maior ao escolherem uma empresa, e exigem uma acção efectiva no que respeita a estes temas (84% dos millennials afirmam procurar uma empresa que trate o tema da Diversidade e Inclusão com seriedade, consistência e coerência ao longo de toda a organização: agir pelo exemplo praticado na organização e não por valores bem escritos algures num website).

Pensar que “sempre foi assim”, é, para dizer no mínimo, preguiçoso, para além de perigoso, claro. É assumir que dispensamos desafiar o mundo que nos rodeia, as razões, os fundamentos da “forma como as coisas são”. Não foi para isso que desenvolvemos um cérebro tão sofisticado e que nos distinguiu há milhões de anos de outros animais na natureza.

Mais: no decurso de uma longa história de sociedades patriarcais, onde os homens têm maior influência política, poder económico e social, nem os grandes estudiosos, académicos e historiadores conseguiram encontrar uma teoria baseada em evidências que justifique essa diferença e fundamente qualquer tipo de superioridade. A superioridade física não foi, também esta, correlacionada com maiores habilidades sociais, económicas ou políticas (sobre este tema e para quem não leu, recomendo o capítulo do “Sapiens” do Yuval Harari).

Não podemos simplesmente perpetuar esta distância, temos de ser elementos interventivos, activos e modeladores de uma mudança que se impõe, mas que tarda várias gerações. Nos países mais desenvolvidos, e claramente os de uma Europa evoluída, as leis têm sido um importante motor de evolução (e ainda assim contestado por alguns que não lhes reconhecem o seu valor enquanto tal), mas é no nosso comportamento, como cidadãos, na sociedade e nas empresas, é no nosso exemplo enquanto líderes, que reside a verdadeira mudança.

No âmbito de processos de executive search, continuamos a ouvir clientes que implícita ou explicitamente, estão a “pensar num homem para o lugar”, por considerarem que uma mulher teria dificuldade em encaixar numa cultura predominantemente masculina, ou industrial, “pesada”, até “machista”… Temos de quebrar esta cadeia. E nós, enquanto consultores de liderança e talento, temos uma enorme responsabilidade em desafiar o mercado, os nossos clientes, em pôr o dedo na ferida.

Na Odgers Berndston queremos fazer a nossa parte. Queremos usar a nossa voz global e rede de influência para mudar esta iniquidade e injustiça social de vez. Realizámos recentemente o “Leadership Diversity Report” (UK), que nos indica a existência de melhorias na diversidade de constituição dos boards (47%), mas que há ainda um longo caminho a percorrer, pois há minorias ainda não representadas.

Foram identificadas duas barreiras principais no recrutamento de líderes diversos, a primeira relacionada com a oferta: falta de candidatos de minorias com o background e experiência certos para a posição e (ainda!) a existência de preconceitos inconscientes por parte dos responsáveis de atracção de talento, bem como a falta de objectivos para aumentar a diversidade por parte dos elementos do board.

Em Portugal, sentimos que é um tema já na agenda de muitas empresas, mas ainda temos muito trabalho pela frente: precisamos de endereçar as questões mais implícitas de uma mentalidade bastante enraizada que, muitas vezes de forma inconsciente, constitui um importante travão para avançarmos.

Precisamos desafiar os clientes com factos e números, como o nosso anual Gender Pay Report, para ajudar a tornar visíveis os passos que são dados nas práticas de recrutamento, progressão interna, monitorização salarial, assegurando uma comparação saudável com outras empresas de referência, e definir caminhos correctivos se necessário.

Precisamos estreitar o relacionamento com organizações relevantes na área da diversidade, como fizémos com a Change 100, Social Mobility Foundation, 10000blackinterns ou, em Portugal, o Leading Together (associação promovida pelos alumni Mckinsey / INSEAD), para quem o desafio da Inclusão & Diversidade se centra no “como” e já não no “porquê”.

Temos de ser um agente activo de diversidade, apoiando a inclusão dos nossos colegas, candidatos e clientes, com que trabalhamos de forma próxima para tornar o futuro da liderança num campo mais diverso. Em search, devemos promover um espectro mais alargado de candidatos, de forma a acedermos a uma pool de talento mais diversa e assim recrutarmos as melhores pessoas.

Precisamos de ser ambiciosos e definir objectivos de diversidade, garantindo que são monitorizados, atingíveis e mensuráveis. Temos de ensinar os líderes para a riqueza e desafios da diversidade, adicionando um novo toolkit aos seus planos de desenvolvimento, ajudando-os a contribuir activamente, pelo seu exemplo, para os objectivos de I&D (investigação e desenvolvimento).

Há uns anos, estava numa sala onde se discutia acesamente com um CEO o tema da importância da diversidade de género. Este deixou bem claro: “Não pretendo apostar neste tema para fazer parte de rankings ou de melhores práticas”. Quero ter a certeza de que, em qualquer nível da organização nenhuma mulher de mérito será algum dia prejudicada ou ultrapassada. Que nenhuma mulher deixe de ter oportunidades ou seja menos reconhecida, consciente ou inconscientemente, simplesmente por ser… mulher.

Precisamos desta convicção e vontade de fazer melhor. Não se trata de uma questão estética, um adorno. Trata-se de construir um mundo melhor, mais justo e equitativo. Um mundo que queremos deixar aos nossos filhos.

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