Downsizing: primeiro ou último recurso?

Vários estudos concluem que os processos de downsizing são, na sua maioria, motivados pela crença dos gestores de que esta estratégia permitirá incrementar a eficiência, a produtividade e a competitividade organizacionais. Mas a maioria das empresas não relatou melhores níveis de eficiência, eficácia, produtividade ou lucratividade após a conclusão de processos de downsizing.

 

Por Maria João Velez, professora auxiliar convidada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL)

 

O despedimento colectivo constitui uma forma de cessação do contrato de trabalho, operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses – abrangendo, pelo menos, dois trabalhadores (caso se trate de microempresas) ou cinco trabalhadores, (caso se trate de pequenas empresas). No caso de médias ou grandes empresas, considera-se despedimento coletivo sempre que a ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos (Código do Trabalho, art.º 359º).

Em 2019, de acordo com a informação fornecida pela Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT, 2020), 352 empresas concluíram processos de despedimento colectivo, tendo abrangido 3616 trabalhadores, dos quais 2062 mulheres e 1554 homens. A região de Lisboa e Vale do Tejo foi a que registou maior número de trabalhadores despedidos, com 1639, seguida pelo Norte (1593), Centro (424), Alentejo (184) e Algarve (80).

Com base nestas evidências, é legítimo questionarmos quais os principais objectivos das empresas que iniciam um processo de downsizing. Apesar da escassez de estudos realizados em Portugal sobre esta temática, vários estudos desenvolvidos em outros países concluem que os processos de downsizing são, na sua maioria, motivados pela crença dos gestores de que esta estratégia permitirá incrementar a eficiência, a produtividade e a competitividade organizacionais (e.g. Chadwick, Hunter, & Walston, 2004; Datta, Guthrie, Basuil, & Pandey, 2010; Guthrie & Datta, 2008), sendo a redução deliberada da força de trabalho o meio mais comumente utilizado para conseguir atingir estes objectivos.

Consequentemente, o downsizing de trabalhadores poder-se-á definir como a implementação planeada de estratégias de redução da força de trabalho, na tentativa de aumentar o desempenho organizacional (Chadwick et al., 2004).

Vários estudos (e.g. Gandolfi, 2008; Gandolfi & Neck, 2008; Guthrie e Datta, 2008; Love & Nohria, 2005) demonstraram que enquanto algumas organizações relataram melhorias financeiras após a conclusão de processos de downsizing, a maioria das empresas não relatou melhores níveis de eficiência, eficácia, produtividade ou lucratividade. Considerando estes resultados, é importante refletirmos sobre as razões pelas quais os processos de downsizing tendem a falhar naqueles que são os seus objectivos iniciais.

O downsizing de trabalhadores constitui um processo que compreende um grau de complexidade que vai muito além da redução quantitativa de trabalhadores e custos. Senão, vejamos: os meios corporativo e académico concordam que o capital humano e social são as principais fontes de vantagem competitiva das organizações e ambos podem ser afectados negativamente pelas actividades de redução de pessoal dos trabalhadores. As múltiplas interações que cada indivíduo estabelece dentro e entre as unidades organizacionais são a base fundamental da retenção de conhecimento (Argote, McEvily, & Reagans, 2003), sendo que a maioria dos processos de downsizing acarreta a perda do conhecimento desenvolvido através das relações interindividuais e intergrupais estabelecidas no seio organizacional.

Referido como dumbsizing por alguns autores (por exemplo, Wilkinson, 2005), o esforço de redução do número de colaboradores pode resultar, contrariamente ao pretendido, na perda de conhecimento e memória institucional, conduzindo à deterioração da qualidade, produtividade e eficácia (Fisher & White, 2000; Guthrie & Datta, 2008). Adicionalmente, processos de downsizing parecem gerar, na maioria dos casos, perda de inovação organizacional, menor tolerância a riscos e falhas, moral diminuída, menor satisfação e motivação, maior conflitualidade, perda de confiança, menor capacidade de trabalho em equipa, maior conservadorismo e, consequentemente, maior resistência à mudança.

Estes dados conduzem-nos então à seguinte questão: “Quais são os aspectos diferenciadores nos casos de sucesso?” Cascio (2002) fornece-nos algumas orientações após estudar 6418 empresas que concluíram processos de downsizing, indicando como casos de sucesso as empresas que consideraram o downsizing como último recurso (e não como primeiro), que forneceram ajuda na recolocação dos trabalhadores dispensados (através de formação, consultoria e apoio na procura de emprego) e que fomentaram a capacidade de mudar os modelos de negócios. Assim, sugere-se que o downsizing deve ser integrado na estratégia a longo prazo da organização e não de um ponto de vista puramente económico (Cascio, 2010).

Não obstante a existência de alguns casos de sucesso, é evidente que o downsizing gera um conjunto de custos a nível humano. Da literatura existente, é possível distinguir três categorias de pessoas que são directamente afectadas, ainda que de modo distinto, por processos de downsizing: vítimas, sobreviventes e executantes.

 

Quem perde o emprego: Vítimas
A pesquisa mostra fortes evidências de efeitos psicológicos adversos resultantes da perda de emprego, incluindo queixas somáticas, problemas familiares, problemas conjugais, autoestima reduzida, depressão, morbilidade psiquiátrica, ansiedade, sentimentos de desamparo e de isolamento social (Gandolfi, 2007). Algumas evidências sugerem ainda que a perda de emprego causada por downsizing tem a propensão para gerar danos permanentes às carreiras das vítimas (Dolan, Belout, & Balkin, 2000), incluindo sentimentos de cinismo, incerteza e diminuição dos níveis de comprometimento e lealdade que passam para os trabalhos seguintes (Macky, 2004).

 

Quem permanece: Sobreviventes
A síndrome dos sobreviventes define-se como o conjunto de comportamentos e emoções, muitas vezes contraditórios, exibidos pelos colaboradores que permanecem na organização depois de um processo de despedimento colectivo. Evidências sugerem que os sobreviventes são frequentemente ignorados antes, durante e depois deste processo (Harney, Fu, & Freeney, 2018). Ou seja, o estado psicológico dos sobreviventes de processos de downsizing é frequentemente ignorado, o que faz com que as empresas não se antecipem e se preparem para estados de espírito negativos e menor produtividade evidenciadas pelos sobreviventes, numa fase em que a organização necessita dos seus trabalhadores “no seu melhor”, eles estão, na verdade, “no seu pior”.

Espera-se que os sobreviventes se sintam gratos às suas organizações por terem conseguido manter os seus empregos, conduzindo a um aumento da produtividade. Ou, em alternativa, deveriam aumentar, de qualquer forma, a sua produtividade para garantir que não farão parte dos trabalhadores dispensados quando uma nova ronda de despedimentos for anunciada num futuro mais ou menos próximo. Na verdade, os trabalhadores que permanecem na organização experienciam sentimentos semelhantes (i.e., raiva e insegurança) àqueles que são experienciadas pelos colegas que perdem os seus empregos, o que conduz à diminuição dos níveis de lealdade em relação à organização, traduzindo-se na redução do nível de produtividade e na intenção voluntária de abandonar a organização.

De modo geral, os sobreviventes garantiram, até ao início do processo de downsizing, as competências e conhecimentos essenciais e necessários para ajudar as suas empresas a alcançar os objectivos organizacionais (Schenkel & Teigland, 2017) e, por isso, foram os seleccionados para permanecer na organização. No entanto, são estes mesmos trabalhadores, considerados vitais para as suas organizações, que se sentem inseguros relativamente às suas perspectivas futuras de desenvolvimento e crescimento após o downsizing.

Na verdade, mesmo que a gestão de topo garanta aos colaboradores que os seus empregos estão totalmente seguros, estes tendem a não acreditar, pois estima-se que a credibilidade da organização diminua 35% após o downsizing (Tsai & Yen, 2018). Além disso, estes colaboradores temem não ser competentes nas suas novas funções ou podem sentir dificuldades em se adaptar ao ambiente organizacional após a reestruturação.

 

Quem implementa: Executantes
Os executantes são os responsáveis pelo planeamento, operacionalização e avaliação de um processo de downsizing. Até ao momento, escassos estudos exploraram as respostas emocionais e reações dos sujeitos responsáveis pela implementação de processos de downsizing (Gandolfi & Neck, 2008). No entanto, algumas evidências empíricas sugerem que os executantes apresentam reações psicológicas de ansiedade e depressão, assim como respostas emocionais adversas geradas pelo sentimento de culpa e responsabilidade (Clair & Dufresne, 2004; Gandolfi, 2007), o que pode resultar num decréscimo da eficácia na realização das suas funções durante e após o processo de downsizing (Clair, Dufresne, Jackson, & Ladge, 2006).

Estas dificuldades são exacerbadas quando os executantes têm relações próximas e positivas com as vítimas, que, não raras vezes, extravasam o contexto meramente profissional, quando não concordam e/ou não encontram justificação para o processo de downsizing, no entanto, veem-se obrigados a defender a inevitabilidade da medida perante as vítimas e perante os restantes colaboradores, ou quando os executantes receiam perder o emprego num cenário de uma segunda ronda de despedimentos (Rego et al., 2015).

 

Como gerir um processo de downsizing: algumas pistas

Apesar do impacto (muitas vezes negativo) de processos de downsizing nos seus intervenientes e, consequentemente, na vida organizacional, sabemos que este fenómeno continuará a constituir uma realidade em muitas organizações, cuja complexidade não deve ser subestimada (Cohee, 2019). As organizações podem (e devem) desenvolver estratégias para mitigar as consequências negativas do downsizing. Por isso, concluímos com algumas pistas passíveis de auxiliar as organizações na minimização destes efeitos:

 

     1. Procure alternativas possíveis ao downsizing, de modo a certificar-se que este constitui o último recurso.

Algumas estratégias de redução de custos a curto prazo podem incluir redução do horário de trabalho, trabalho repartido, proibição de horas extras, cortes salariais, congelamentos salariais, redução de oportunidades de promoção, licença voluntária sem vencimento ou mobilidade interdepartamental.

     2. Comunique com os trabalhadores durante todo o processo, mostrando disponibilidade para esclarecer todas as dúvidas de forma honesta e transparente.

As razões subjacentes a um processo de downsizing devem ser clara e abertamente explicadas a todos os trabalhadores. A comunicação constitui um dos factores mais importantes na redução das consequências negativas do downsizing, incluindo a interposição de acções judiciais contra a empresa, cuja motivação está, muitas vezes associada com o sentimento de tratamento indigno e injusto durante o processo, o qual tende a ser reduzido substancialmente através de uma comunicação aberta e honesta.

     3. O downsizing, quando absolutamente necessário, e esgotadas todas as alternativas, deve ser incluído num processo de mudança estratégica a longo prazo e não se limitar à redução do número de trabalhadores.

Por outras palavras, deve-se optar por um downsizing proativo (i.e., rightsizing) que consiste na “melhoria da produtividade das actividades que acrescentam valor aos produtos/serviços e processos da empresa” (Rego et al., 2015, p. 739). Este tipo de estratégia pressupõe o redesenho das tarefas, a identificação das redundâncias, ineficiências, funções/cargos, níveis hierárquicos e processos de trabalho que devem ser eliminados, assumindo-se, assim, uma orientação sistémica e de longo prazo, cujo fito deve ser a mudança organizacional.

    4. Preste apoio aos trabalhadores dispensados.

Este apoio pode incluir serviços de outplacement, apoio psicológico, aconselhamento de carreira e apoio ativo na procura de novo emprego

    5. Não inicie um processo de downsizing encorajando os trabalhadores a abandonar a organização de forma voluntária através de reforma antecipada ou rescisões amigáveis.

Pelo contrário, este processo deve iniciar-se pela identificação dos elementos-chave (tendo em conta a estratégia organizacional pós-reestruturação), sendo, por isso, fundamental que se mantenham na organização (o que pode implicar aumentos salariais ou promoções). O abandono voluntário de trabalhadores essenciais numa fase inicial do processo pode conduzir a custos adicionais relacionados com a formação dos trabalhadores que restaram, recontratação dos trabalhadores que abandonaram a organização (por um salário superior) ou subcontratação de serviços de consultadoria.

   6. Determine (e comunique claramente) os critérios de escolha/avaliação dos trabalhadores.

Primeiramente, o estabelecimento de critérios justos, que devem ser baseados na estratégia futura da organização, contribui para atingir os resultados organizacionais preestabelecidos. Adicionalmente, de acordo com uma perspectiva de justiça procedimental, isto evidencia uma selecção não baseada em favoritismos ou outros critérios pouco claros e, por isso, considerados injustos. Deste modo, é importante identificar critérios objectivos, directamente relacionados com o desempenho dos trabalhadores, tendo em consideração aquelas que serão as competências, conhecimentos e capacidades mais relevantes no futuro.

    7. Prepare e garanta formação aos gestores e supervisores, ajudando-os a lidar com todo o processo.

Os supervisores e gestores de primeira linha, pelo contacto directo e próximo que mantêm com os trabalhadores operacionais serão aqueles que, na maioria das vezes, terão de responder às dúvidas e questões dos trabalhadores (os trabalhadores dispensados, mas também os trabalhadores que permanecem na organização) e ouvir os receios, angústias e demais emoções adversas experienciadas por aqueles durante o processo.

Considerando a importância fulcral dos trabalhadores sentirem que os gestores manifestam disponibilidade durante o processo, é essencial que estes se sintam capacitados para lidar com as emoções negativas transmitidas pelos trabalhadores e, simultaneamente, consigam gerir da melhor forma possível esta situação emocionalmente desgastante e profissionalmente desafiadora.

 

 

Referências

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