Este certificado não me vale de nada

O título escolhido para este texto tem um pouco de ironia, mas tem por detrás uma grande dose de apelo à realidade no que respeita à formação ao longo da vida.

 

Por Pedro Cabral, gestor da Plataforma NAU

 

O que é mais importante na aprendizagem? Diria que, por parte da entidade empregadora, é que o seu colaborador tenha um conjunto de capacidades, conhecimentos e comportamentos que o levem a uma boa performance, mas, nalguns casos, será que cumpra as 40 horas de formação a que a lei os obriga. Do ponto de vista do trabalhador, este pode querer progredir na sua carreira, independentemente da forma como o processo é levado a cabo, ou superar-se profissionalmente e tornar-se um mestre na sua arte. E do ponto de vista de uma entidade formadora? O que é importante é ser acreditado por uma entidade como a DGERT [Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho] e ponto final, ou, noutra lógica de pensamento, proporcionar uma experiência de aprendizagem que possa ser significativa para os seus formandos. Como podemos ver, o valor que se dá é sempre relativo, e cada razão é tão válida como a outra, dependendo do contexto.

Mas qual o “Estado da Nação” relativamente à formação e educação em Portugal? Num recente relatório da Fundação José Neves, podemos sumarizar as seguintes ideias:

  • Precisamos de mais gente qualificada, o que significa ter mais adultos com a escolaridade obrigatória terminada e um maior número de pessoas com formação superior: apenas 14% de adultos fazem acções de formação ou educação, o que se revela um número excessivamente baixo para termos uma economia mais competitiva;
  • Ter um curso superior só representa, em média, ter um salário 27% superior relativamente a quem tem o ensino secundário;
  • A pandemia permitiu uma maior capacitação digital dos trabalhadores, mas é uma área que ainda tem muito por explorar, já que as empresas mais digitais, em média, são mais produtivas, demonstraram maior resiliência na pandemia e têm salários mais elevados.

 

O relatório culmina com a ideia de ter de se reflectir sobre a educação e a formação, em concreto sobre os conteúdos, as abordagens na forma como o processo de ensino e de aprendizagem ocorre, e a organização do mesmo. O que me leva novamente a questionar o valor que um certificado pode ter.

 

Diploma vs. assiduidade vs. competências
Um dos pontos mais críticos que temos é o peso que a assiduidade tem na forma como organizamos o processo de aprendizagem. Recordo-me que, durante a pandemia, houve uma preocupação generalizada que se focava na obtenção de um certificado apenas se a pessoa estivesse presente e com a câmara ligada nas sessões Zoom ou por Teams. Um outro exemplo da importância da assiduidade está no contexto do ensino superior europeu, que se assenta no ECTS (European Credit Transfer and Accumulation System), onde os objectivos de aprendizagem devem ser medidos pelo número de horas de contacto com o docente e de horas de trabalho autónomo.

Por estes dois exemplos, conseguimos entender que a forma como se organizam os processos de aprendizagem acaba por se focar no assessório e não no essencial: será que aquela pessoa é competente para determinada função? Certamente que marcar apenas a presença numa formação e receber um certificado não confere à pessoa em questão competências em determinada área.

Já “cá em casa” estou sempre a “levar nas orelhas” quando emprego incorrectamente o termo competência, por isso deixo aqui o que o mesmo significa: o termo é entendido como um constructo que envolve, em si mesmo, conhecimento, capacidades e processos cognitivos que suportam a mobilização e a integração de recursos diversos, para responder a situações concretas, sendo sempre aplicados em contexto. Isto significa que, para podermos avaliar se alguém tem competência nalguma coisa, terá de estar sempre numa situação de aplicação contextual.

Sem sombra de dúvida que ter um diploma é importante, nem que seja para estar emoldurado em casa dos pais e eles se orgulharem de o mostrar às visitas. Um diploma representa uma indicação geral do nível de formação que se possui. Contudo, um diploma não é necessariamente uma referência exacta das habilidades e competências de uma pessoa, apesar de poder ser preditivo do profissional que teremos à nossa frente.

Relativamente à formação que um cidadão faz, este pode vir a ter um certificado que indica possuir possíveis conhecimentos para desempenhar determinada função ou tarefa, mas não significa que tenha as competências necessárias para o fazer.

No processo de selecção de uma pessoa, o curriculum vitae (CV) dos candidatos apenas serve para fazer uma triagem inicial. Pessoalmente, num recente processo de selecção do qual fiz parte, quando analisámos os CV, acabámos por identificar várias pessoas que tinham diferentes tipos de formação, nomeadamente de cursos em formato MOOC (Massive Open Online Course), e diferentes tipos de experiência. No entanto, o uso de testes de avaliação de competências, como exercícios práticos sobre as tarefas a desempenhar, e outros instrumentos, são críticos para chegar a uma selecção mais estreita destes possíveis candidatos, já que aí se começa a analisar de facto se a pessoa demonstra a sua competência.

 

Basear a avaliação no conhecimento real
Por sua vez, uma empresa que aposta no desenvolvimento profissional dos seus colaboradores terá inevitavelmente de ter a formação como um dos pilares. Na avaliação de desempenho do profissional, há que identificar como é que a organização é capaz de o apoiar na persecução dos seus objectivos de desempenho, e, em determinadas situações, há que identificar de que formação em concreto a pessoa necessita para os alcançar e, consequentemente, melhorar a performance da sua organização.

Deste modo, é fulcral que as instituições educacionais, assim como as entidades que promovem cursos em plataformas de criação de cursos em formato MOOC, tenham em consideração que a emissão de certificados ocorra primordialmente com base em avaliações alinhadas com os objectivos e actividades de aprendizagem de um curso. Deste modo, a avaliação deve ser fundamentada no conhecimento real e nas capacidades adquiridas, em vez de simplesmente na presença. Além disso, estas entidades devem desenvolver programas que permitam aos indivíduos desenvolver competências práticas e aplicáveis à vida real, em vez de apenas fornecer conhecimento teórico.

A formação ao longo da vida é essencial para o desenvolvimento pessoal e profissional de todos os cidadãos. É um autêntico imperativo, não só para se manterem actualizados nos seus sectores de actividade, como também para as suas conquistas pessoais, num mundo marcado pelo progresso científico e tecnológico, com consequências directas no mercado de trabalho e na sociedade.

Os diplomas e certificados são importantes? Naturalmente que sim. Mas, será sempre mais importante a pessoa demonstrar em contexto real as suas competências e estar apto a testá-las e a responder aos desafios que as organizações colocam para encontrar o perfil certo e qualificado para as funções desejadas.

Mais do que ter uma extensa lista de formações realizadas, foquemo-nos no conhecimento, na assimilação da teoria e da sua aplicação prática no tempo certo, no modo adequado.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Outubro (nº. 154) da Human Resources, nas bancas. 

Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

Ler Mais